O desafio de desenvolver a Amazônia de forma sustentável foi o tema do programa Observa BR na sexta (30), com a participação da professora titular de desenvolvimento regional e ex-reitora da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufpa) Raimunda Monteiro; do professor do Núcleo de Altos Estudos da Amazônia da Universidade Federal do Pará (Naea/Ufpa) Francisco Costa; e do professor da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Núcleo de Estudos Amazônicos (NEAz/UnB) Manoel Pereira Andrade. O programa foi mediado pela economista Elen Coutinho, diretora da Fundação Perseu Abramo.
A professora abriu o debate afirmando que historicamente a Amazônia sempre foi vista como região à parte do país e, para muitos brasileiros, é algo muito vago. “ O Brasil não se apropriou desta região com os significados diversos que ela representa: o maior bioma de floresta tropical, o maior repositório de água da América do Sul e um dos maiores do mundo, que abriga tal pluralidade e diversidade sociocultural que até hoje não conseguimos nos conhecer”, disse.
Segundo ela, vivemos hoje uma encruzilhada muito perigosa, dada a situação política do país que nos fez retroceder em um conjunto de políticas públicas e instituições criadas a partir da Constituição de 1988, voltadas a manter um sistema nacional de meio ambiente participativo, que criou as bases para a sustentabilidade da Amazônia. “Várias instituições gestoras desse sistema surgiram e direitos foram reconhecidos, o que permitiu grandes avanços na políticas ambientais, com demarcação de reservas indígenas e várias unidades de conservação de uso sustentável. Mesmo reproduzindo o modelo clássico da economia, com grandes projetos como Belo Monte, BR-163 e Br-319, chegamos a criar instâncias de participação social que possibilitaram um planejamento territorial e sistemas de gestão para as florestas públicas”, lembrou.
Ela afirmou ainda que sempre houve uma resistência de uma parte da sociedade, que vê e disputa os ativos desta região como commodities para o mercado global. “Esses setores provocaram vários conflitos para apropriar-se das terras indígenas e da água. Mas, em 2019, isso se agravou muito, pois houve uma guinada de paradigma do Estado, que foi capturado pelos que levam a Amazônia rapidamente para a insustentabilidade”, concluiu.
O professor Manoel Pereira Andrade disse que para falar da Amazônia é necessário começar pelo governo atual, iniciado a partir de um golpe em 2016, autoritário, neonazista e subordinado aos interesses estrangeiros, o que constitui um conjunto de entraves concretos para o desenvolvimento sustentável da região. “Esse governo é marcado por intervenções anti-sustentabilidade, tem desmantelado toda a legislação existente e todas as ferramentas que o Estado e ouros governos montaram nos últimos anos, e isso tem prejudicado diretamente a conservação e a qualidade de vida da população que trabalha e vive na Amazônia”, afirmou.
E completou: “desde o início do governo ele tem um alvo principal. Escolheu como inimigos os povos indígenas, os quilombolas, e são esses os povos que detêm todo o conhecimento da região amazônica. Então ele combate os povos e seus territórios, assim como as políticas que poderiam ser aliada da região para o seu desenvolvimento. Portanto lutar pelo desenvolvimento sustentável significa necessariamente combater diariamente o atual governo”, completou.
Para o professor Francisco de Assis Costa, tratar da sustentabilidade significa organizar uma visão de dois conjuntos de processos concorrentes, um deles com característica insustentável e o outro com características sustentáveis. Nesta perspectiva, as práticas econômicas ou atacam o bioma ou fazem a gestão do bioma, às vezes até o reconstituem ainda mais rico. São dois conjuntos opostos de movimentos. As práticas insustentáveis, lideradas pela pecuária e pela soja, estão articuladas. “Temos um problema grave, a trajetória liderada pela pecuária, crescendo como tem crescido, com seu alto poder destrutivo, observou.
Ele disse ainda que os mecanismos da insustentabilidade se mantêm com diferentes atores, fazendo o mesmo papel: primeiro apropriação de terra pública com mata e transformação desta em terra sem mata e, a partir daí, “seja o que deus quiser”.
Em contraponto a eles, afirmou que existem outros atores, com capacidade de desenvolver uma economia, e têm feito isso historicamente. “Hoje há na Amazônia duzentos mil estabelecimentos, 450 mil pessoas trabalhando em produtos tradicionais e com potencial de grande envergadura, com capacidade para atuar de forma eficiente e que garanta a manutenção dos mais fundamentais ativos, que são os biomas e a cultura”.
Assista abaixo ao programa completo.