O ambientalista Nilto Tatto está em seu segundo mandato na Câmara Federal, onde coordena a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). No Partido dos Trabalhadores é secretário Nacional de Meio Ambiente e coordena o Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas (Napp) na mesma área. Nesta entrevista sobre o Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil, fala sobre as medidas emergenciais para o meio ambiente, que devem fazer enfrentamento ao desmonte promovido pelo governo Bolsonaro. Elenca várias propostas que tenham impacto nas cidades, já que estamos às vésperas de eleições municipais.
ObservaBR: O Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil pode ser subdividido em medidas de curto, médio e longo prazo. O que seria emergencial na área do meio ambiente?
Nilto Tatto: No sistema capitalista há uma superexploração dos recursos naturais e alta emissões de gases de efeito estufa. A pandemia do coronavírus também consequência da relação deste modelo de desenvolvimento com a natureza nos faz refletir também sobre como nós precisamos mudar a nossa relação com o consumo, com o meio ambiente, enquanto sociedade. Faz-nos questionar esse modo de produção em todas as cadeias produtivas. No Brasil especificamente nós já vínhamos adotando uma série de políticas para enfrentar as mudanças climáticas e com governo Bolsonaro foram paralisadas completamente.
Por exemplo, implantamos um sistema de gestão ambiental – o Sisnama – de responsabilidade do ente federativo, nos estados, municípios de forma articulada e dentro dele se implementou uma série de programas, um que talvez seja o mais importante com maior repercussão internacional foi o programa de controle de desmatamento e queimadas. Também foram implementados vários outros como resultado dos acordos internacionais de apoio ao desenvolvimento sustentável: o Fundo Amazônia, o Fundo Clima, que são formas que valorizam as populações indígenas e populações tradicionais extrativistas e quilombolas, e ajudam a conservar a biodiversidade.
O governo Bolsonaro de certa forma paralisou todos esses programas, desmontou todo o sistema de monitoramento e controle do desmatamento, do Ibama e ICMBio, e do programa de fiscalização, acabou com um projeto de geração de trabalho e renda para essas populações na perspectiva da conservação e valorização da floresta em pé. Houve também o desmonte do Prevfogo, programa de prevenção de fogo, que é a forma de se organizar antes da seca e da estiagem que ocorrem todo ano. O reflexo disso é o aumento considerável do desmatamento e das queimadas em todos os biomas.
O mais emergencial, portanto, é o enfrentamento do governo Bolsonaro no que se refere ao desmonte das estruturas organizadas por parte do Estado para a implementação das políticas ambientais previstas na Constituição. Somos obrigados a resguardar o meio ambiente para resguardar a qualidade de vida de nossa geração e das gerações futuras. Nessa ação emergencial precisamos apontar saídas, o que fazer concretamente. A primeira, inclusive já transformei em projeto de lei, é ter uma moratória do desmatamento da Amazônia, desmatamento zero, que comporta exclusões como para roça das populações tradicionais, trilhas para ecoturismo, empreendimentos de interesse público. Outra medida urgente é transformar em política permanente o programa de controle de desmatamento da Amazônia, fazendo com que o governo federal preste conta para o Tribunal de Contas da União, para as comissões de Meio Ambiente da Câmara e do Senado e também à Comissão Mista de Mudanças Climáticas do Senado. Outra é a retomada dos investimentos em ciência e tecnologia para aprimorar esse sistema, que apesar de ser avançado ainda carece de investimento para órgãos como o Inpe, o Ipam... Também incentivos fiscais para recuperar áreas degradadas, com isenção de ITR e de Imposto de Renda, financiamento com juro zero para a conversão de áreas degradadas que forem para a produção de alimentação sadia. A recuperação dessas áreas deve estar na perspectiva da agroecologia, da agrofloresta.
ObservaBR: Como estão sendo tratados esses pontos na proposta de Orçamento da União para 2021?
NT: Outra medida emergencial é a recomposição no Orçamento da União de todo o sistema: o Ministério do Meio Ambiente em todas as áreas que foram desmontadas. Investimento em ciência e tecnologia, investimento e fortalecimento do Ibama que faz a fiscalização e o licenciamento, do ICMbio que cuida das unidades de conservação, dos programas de qualidade ambiental urbana. Também é importante a retomada do papel estratégico permanente como política de Estado do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Vivemos hoje no Brasil uma crise ambiental apontada por indicadores ambientais e também pelo aumento de invasões com violência e assassinatos por conflitos fundiários registrados em relatórios da Comissão Pastoral da Terra. O aumento de invasões em área pública, unidades de conservação, territórios quilombolas, terras indígenas, grilagem, acontecem contra os direitos humanos. Também a paralisação do programa de reforma agrária que se relaciona tema ambiental. Todos os programas que estavam no Ministério de Meio Ambiente ou no antigo MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) que trabalhavam na perspectiva de se pensar a transição ecológica foram desmontados e o reflexo são esses indicadores sociais e ambientais negativos, muito ruins para a imagem do Brasil para dentro e diante da comunidade internacional, comprometendo o projeto de país queremos construir, degradando o meio ambiente e colocando em risco parte da biodiversidade e os recursos estratégicos para o futuro.
Agora estamos trabalhando nas emendas do Orçamento. Em resumo, temos de recompor o orçamento, fazer o debate para transformar em política permanente o que nós já vínhamos implementando no governo e foi destruído, retomar o fortalecimento das instituições públicas e o papel do Estado na condução das políticas ambientais e da agricultura no que está relacionado ao desenvolvimento sustentável.
ObservaBR: O enfrentamento colocado por você como emergencial pode ser feito via Congresso?
NT: Considerando a agenda ambiental e a própria composição do Congresso, só teremos sucesso tanto na resistência aos retrocessos como em propor essas ações emergenciais se atuarmos de a forma articulada com a sociedade, com as entidades ambientalistas e os movimentos populares do campo, da cidade e da floresta. Mesmo tendo maioria, até agora o governo Bolsonaro não conseguiu aprovar nenhuma lei que significa retrocesso na agenda ambiental porque são temas muito de caros para a sociedade – acabar com licenciamento ambiental, flexibilização da legislação sobre agrotóxicos.
De outro lado, o governo Bolsonaro vem trabalhando nas iniciativas chamadas infralegais, como disse o ministro Salles na reunião ministerial de 22 de abril, “aproveitar a pandemia para passar a boiada”. Foi o que ele fez, por exemplo, com um “pacotaço” que acabou com uma série de conselhos e mudou a estrutura de várias políticas públicas, atacou a democracia, a possibilidade de a sociedade interferir monitorar e acompanhar as políticas públicas. Uma delas foi o Conama. Isso é feito através de portarias ou mudanças sem precisar passar pelo Congresso. A conjuntura é muito desesperadora para a agenda socioambiental ou para efeito da transição ecológica.
ObservaBR: Estamos às vésperas das eleições municipais no país, como pautar o debate do meio ambiente nesse contexto?
NT: O plano responde também a isso. Devemos aproveitar as eleições para debater o que é possível fazer nas cidades pensando na transição ecológica. Primeiro, por meio do enfrentamento da desigualdade histórica, o Brasil é o segundo país mais desigual do mundo, que não pode estar separado da preocupação ambiental. Na hora de cobrar impostos é preciso levar em consideração de quem cobra mais e de quem cobra menos, por isso o IPTU progressivo. Quando cobrar impostos municipais de determinada atividade produtiva é preciso levar em conta também baixa ou alta emissão de gases de efeito estufa, quais degradam mais ou menos o meio ambiente. Da mesma maneira no uso do orçamento é preciso decidir para onde canalizar os recursos. Se há terrenos ou imóveis vazios onde são oferecidas políticas públicas pelo poder público, com infraestrutura, equipamentos e serviços, que estão ali para especulação imobiliária, então é preciso taxar para ter recurso para financiar moradias dos mais pobres para que não tenham de ocupar lugares distantes do trabalho, dos serviços públicos e muitas vezes em áreas sensíveis do ponto de vista ambiental, como encostas mananciais.
As prefeituras podem comprar alimentos da agricultura familiar ou orgânicos, com isso estarão destinando parte dos recursos para aqueles que mais precisam. Se for orgânico está cuidando do meio ambiente, dos animais e da água, que não está sendo contaminada, evitando que o poder público gaste mais para curar as doenças causadas pelo veneno que vem no alimento. Se uma prefeitura, por exemplo, instala equipamentos para produção de energia solar nos prédios públicos, produzirá energia e economizará recursos. Os exemplos são muitos: áreas públicas de lazer arborizadas, legislação para uso e reuso de água, coleta seletiva e reciclagem, priorização do transporte público, implantação de ciclovias, fomentar cadeias produtivas de economia solidária... Também é importante estruturar os espaços de participação da sociedade no município. Não é admissível que um prefeito, uma prefeita, do PT não construa conselhos, de meio ambiente, de recursos hídricos. Todo esse conjunto de ações está na ordem do dia.
ObservaBR: No plano está destacada a frase: “a Amazônia deve ser o palco para a implantação de propostas ousadas, factíveis e necessárias”. O que significa isso na prática?
NT: Vou partir de um exemplo de algumas décadas atrás. O Brasil tomou uma decisão de transformar por meio do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) parte da região do Vale do Paraíba, com investimento tecnológico que se tornou referência, e construiu uma das principais empresas de construção de aeronaves do mundo, a Embraer. Ali houve uma decisão política de fazer um investimento estratégico. Outro exemplo, nas últimas décadas o país vem fazendo ainda o investimento no modelo de agricultura predatória, do agronegócio no estado de São Paulo, que dá só para a cadeia dos agrotóxicos cerca de R$ 1,2 bilhão por ano de isenção fiscal de ICMS.
O Brasil tem uma das maiores biodiversidade do mundo, pouco utilizada. E a sociedade do futuro implica usar melhor essa biodiversidade e isso implica usar melhor a floresta em pé, viva. Isso é estratégico e fundamental pensando no futuro naquilo que o mundo todo entendeu está correndo atrás. Para tanto, precisamos ter recursos para a ciência e tecnologia, precisamos fazer investimento, é por isso que essas ações de curto prazo de cuidar controle de desmatamento valorizando a floresta em pé e apoiar as populações que ajudam a cuidar dessa biodiversidade é estratégico neste momento. Mas precisamos fazer os investimentos de fato como decisão política, em ciência e tecnologia, em pesquisa na área de cosméticos e de fármacos. É preciso investir na transformação das áreas degradadas, que vêm aumentando muito no Brasil, por causa do modelo de agricultura ou de expansão da agropecuária. Há muita terra abandonada, degradada em especial na Amazônia, é preciso recuperá-las para produção de alimentação sadia, para fortalecimento da agricultura familiar. Então investir nessas áreas estratégicas, por exemplo, no caso da Amazônia o Brasil eu ia fazer a criar um Ita é tipo o Instituto de Tecnologia da Amazônia.