As expectativas dos brasileiros e a postura do governo federal em relação às vacinas contra a Covid-19 foram o tema do programa do Observa BR ontem (21), com a participação do médico sanitarista, professor da Universidade Federal de São Paulo e ex-ministro da Saúde Arthur Chioro, do sanitarista, ex-secretario de Saúde da Bahia e deputado federal (PT-BA) Jorge Solla e da epidemiologista, professora da Universidade de Pernambuco e pesquisadora do Instituto Aggeu Magalhães-IAM, Fiocruz, Ana Brito.

O debate foi mediado pelo diretor da Fundação Perseu Abramo Alberto Cantalice. Na abertura, Cantalice mencionou a nota apresentada ontem por lideranças da oposição no Congresso Nacional exigindo que o governo federal cumpra o protocolo que havia sido assinado com o Instituto Butantan em relação à vacina chinesa. A declaração do presidente Bolsonaro de que não vai permitir a compra de 46 milhões de doses da vacina Coronavac anunciada pelo seu ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, motivou o texto assinada por parlamentares da oposição. “Negar o acesso da população a uma vacina, qualquer vacina, capaz de prevenir doença altamente mortal, é um crime grave, pelo qual o seu autor deve responder não apenas à história, mas aos tribunais”, afirma o documento.

Solla lembrou os retrocessos que vivemos atualmente no país e a banalização de algumas posições políticas pelo governo Bolsonaro que haviam sido banidas em governos anteriores. Disse que nos governos de Lula e Dilma era inconcebível que o governo federal não estabelecesse parcerias com os estados com vistas a viabilizar políticas públicas importantes para o conjunto da população. “Este fato em relação à vacina chinesa que está em fase de teste pelo Butantan é um caso a ser combatido. Pois a vacina está na mesma fase de outras, ela tem a mesma chance de confirmar sua eficácia e capacidade de garantir proteção à população com segurança”, afirmou.

“O enfrentamento da pandemia não pode estar sujeito a diferenças político-partidárias, e o presidente Bolsonaro vem se mostrando um aliado do vírus e opositor da vida e da saúde em todas as situações. Isso aconteceu desde o início da pandemia, com as medidas de restrição, com suas declarações equivocadas sobre o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra o vírus para justificar sua posição contrária ao isolamento social e agora em relação às vacinas, observou”.

O deputado destacou o projeto de lei 4992/2020, assinado pela bancada do PT, cujo objetivo é incorporar a vacina contra o coronavírus ao Programa Nacional de Imunizações. “O PL propõe que as vacinas aprovadas pela Anvisa sejam obrigatórias, garantindo a priorização dos grupos de risco”, explicou.

De acordo com a professora Ana Brito, as indústrias públicas não são para um único estado, são indústrias para a população brasileira. “O Butantan tem mais de cem anos, não é exclusivo de São Paulo, a Fiocruz tem 120 anos, não é exclusiva do Rio de Janeiro”, reforçou.

Ela explicou que existem mais 170 formulações de vacinas registradas na Organização Mundial da Saúde (OMS), mas até o momento não há pedidos de registro na Anvisa. O que existem são protocolos de estudos clínicos das vacinas que estão mais avançadas, na fase 3. “As vacinas para Covid estão baseadas em três princípios tecnológicos diferentes. Uma dessas tecnologias, já bastante conhecida, é elaborada partir de vírus inativados, caso da proposição da Coronavac, que está sendo desenvolvida em parceria com o Butantan, de São Paulo. Outra vacina em fase avançada que está sendo testada em parceria com a Fiocruz, no Rio, é desenvolvida com base em adenovírus vetores, conhecida como vacina de Oxford. Essas duas vacinas têm princípios tecnológicos diferentes, mas até agora os ensaios com ambas têm mostrado resposta muito favorável e com poucas reações adversas”, mencionou.

Ana analisou ainda a volta precoce às aulas. “Já temos grandes escolas da rede privada que começam a manifestar explosão de casos depois de oito dias de retorno às aulas. Minha impressão como epidemiologista que já participou do surgimento e controle de várias doenças no Brasil é que temos um padrão de ocorrência e de tendência da doença muito diferente daqueles países que viveram a primeira onda e desaceleraram rapidamente a transmissão e começam agora a viver uma segunda onda. Falar em segunda onda no Brasil é uma expressão que não concebo. Estamos surfando numa onda sem fim, começamos a desacelerar e agora já observamos movimentos de diminuição dessa desaceleração”, afirmou.

Para Chioro, é importante compreender que o Brasil, embora tenha apenas 2,7% da população mundial, contribui com quase 15% dos total de casos notificados e de óbitos no mundo, uma tragédia incomensurável, sem precedentes. “O primeiro desafio é retomar a gravidade da situação que estamos vivendo. Porque essa ideia de normalidade não existe, e é a primeira dificuldade para fazer o enfrentamento”.

O ex-ministro da Saúde afirmou que no Brasil, com suas dimensões continentais, os processos epidêmicos ocorreram em momentos e intensidades diferentes. “Num país imenso como o nosso não tivemos controle em nenhum momento. O que se observa é um rebaixamento do patamar, muito bem vindo, mas ainda bastante preocupante. Tínhamos sete mil óbitos semanais por Covid e agora passamos a ter algo em torno de 3.500. E não é improvável, pelo que mostram os estudos na população brasileira, que tenhamos em torno de 85% da população ainda suscetível ao coronavírus”.

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