Artigo de Gerson Teixeira

À medida que temos analisado sistematicamente o processo recente de desestabilização do abastecimento e da carestia dos alimentos, incluindo reflexões sobre as suas múltiplas causas,  nestes  comentários  nos  restringiremos  ao  esforço  de  destaque  dos  principais dados divulgados pelo IBGE sobre o IPCA para o mês de setembro e o acumulado do ano. A inflação de setembro foi de 0,64%, o equivalente a 0,4 ponto percentual acima da taxa de 0,24% de agosto.

Segundo o IBGE, foi o maior resultado para um mês de setembro desde 2003 (0,78%). No ano,  o  indicador  acumula  alta  de  1,34%  e,  em  12  meses,  de  3,14%,  acima  dos  2,44% observados  nos  12  meses  imediatamente  anteriores.  Em  setembro  de  2019,  a  variação havia sido de -0,04%.

O IPCA dos alimentos para ‘consumo no domicílio’ subiu 2,89%, taxa 4,5 vezes maior que o  índice  geral.  No  mês,  o  grupo  ‘alimentação  e  bebidas’  pesou  20.2%  na  formação  do índice geral, seguido do grupo transporte, com 19.7% e depois, do grupo habitação, com 15.7%.

Considerando o acumulado até setembro, 136 dos cerca de 180 subitens da alimentação no domicílio apresentaram taxas de inflação acima do índice geral do período. Portanto, há uma razoável dispersão do aumento dos preços o que sugere o peso do componente estrutural na origem da carestia dos alimentos.

No acumulado até setembro, as taxas de inflação de todos os 16 subgrupos que integram o grupo dos alimentos superaram o índice geral. Os subgrupos com as maiores taxas no período estão retratados na figura abaixo (lembrando que o IPCA acumulado foi de 1.34%):

Particularmente quanto aos ‘cereais e leguminosas’ que apresentaram as mais altas taxas de inflação, o fato remete aos respectivos estoques públicos. Na figura seguinte, apresentamos a relação entre os volumes atuais dos estoques públicos dos alimentos especificados e os volumes equivalentes a ‘1 dia’ do consumo desse produtos no país. Vê- se que para todos os produtos não há estoque suficiente para 1 dia do consumo.

Obviamente, esse quadro projeta a continuidade das pressões sobre os preços dos alimentos.

 

Entre os alimentos com as maiores variações nos preços, em um único mês, estão o óleo de soja (27,54%) e o arroz (17,98%); tomate (11,72%), o leite longa vida (6,01%) e as carnes (4,53%).

As figuras seguintes resumem os produtos que integram a alimentação no domicílio que apresentaram as maiores taxas no mês e no ano.

No primeiro caso, tem-se que, no geral, o IPCA da alimentação no domicílio, apresentou taxa em setembro 4.5 vezes superior ao índice geral do IPCA. A inflação do óleo de soja foi 43 vezes maior que o IPCA geral; a do arroz, 28 vezes; e a do feijão, 24.6 vezes maior que o índice geral de setembro.

Na  figura  seguinte  procede-se  ao  exercício  anterior  para  a  inflação  acumulada  até setembro. Constata-se que, no período, a inflação da ‘alimentação em casa’, de 9.2%, foi 6.8 vezes maior que o IPCA geral. A do feijão fradinho, de 57.3%, foi 42.8 vezes maior que o  índice  geral;  a  inflação  do  óleo  de  soja,  cujo  grão  o  Brasil  é  o  maior  produtor  e exportador, foi de 51.3%, ou 38.6 vezes maior que a inflação do período. O IPCA do arroz foi de 40.7%, o equivalente a 30.4 vezes a inflação do período.

Conclusões: conforme se previa, o fenômeno da carestia dos alimentos persiste sem a perspectiva de solução no curto prazo em razão das dificuldades de ajustamento da oferta. Provavelmente o governo está contando com a redução pela metade do auxílio emergencial, e somente até dezembro, para “resolver o problema” pela queda da demanda e o consequente aumento da fome no país.

Impressiona que não vemos o presidente, o Ministro da Economia e muito menos a Ministra da Agricultura, sequer, manifestarem preocupações com um problema que  afeta de forma mais desproporcional e perversa as camadas vulneráveis da população brasileira.

Em especial, ainda que esperado, causa indignação a absoluta indiferença da Ministra da Agricultura  com  essa  crise  no  abastecimento  da  população.  Ao  invés  de  estar  atuando pelo  menos  no  reforço  dos  estoques  públicos  a  partir  da  aquisição  dos  eventuais estoques   privados,   e   pela   reorientação   das   ações   do   ‘Plano   Safra   2020/21’   para   a produção  de  alimentos,  a  Ministra  passou  os  últimos  dias  em  lobby  pesado,  junto  à ANVISA, na companhia de outras lideranças do agronegócio, para adiar o banimento do agrotóxico  Paraquate  definido  para  22  de  setembro.  Não  obtendo  êxito,  manteve  as pressões e conseguiu autorização da ANVISA para a desova dos estoques desse veneno poderoso mantidos por produtores e empresas. Enquanto o IBGE anunciava a aceleração da inflação por conta da inflação dos alimentos, a ministra fazia eco (não de ecologia) ao Ministro do Meio Ambiente sobre o “boi bombeiro”.