Por Luiz Antonio Elias e William Nozaki, do Napp Ciência, tecnologia e inovação
Ao redefinir as bases de um novo padrão de desenvolvimento para a economia brasileira, centrado em uma agenda neoliberal tardia e em um ajuste fiscal ortodoxo, o atual governo impõe fortes restrições à capacidade do Brasil de responder aos desafios impostos pela atual crise econômica, agravada pela pandemia de saúde, com graves consequências sociais. Como sinaliza o Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil, organizado pela Fundação Perseu Abramo, “Um país que não defende sua soberania acaba guiado por interesses alheios e se torna incapaz de desenvolver políticas internas para promover seu desenvolvimento... Sem soberania não há políticas de desenvolvimento, de industrialização, de ciência e tecnologia. Sem soberania, só há dependência econômica, geopolítica e tecnológica”.
Em nossos governos implantamos um novo padrão de relação entre o Estado e sociedade, marcado pela orientação estratégica de inclusão social e desconcentração da renda com vigoroso crescimento do produto e emprego. As frentes de expansão potencial acionadas permitiram fomentar mudanças na estrutura produtiva com competitividade e na estrutura social com distribuição, por meio de: (1) investimentos em recursos naturais (energia, hidrocarbonetos, agropecuária); (2) investimentos em infraestrutura econômica (logística, transporte, telecomunicações); (3) investimentos em infraestrutura social (saneamento, saúde, educação, habitação, mobilidade urbana); (4) investimentos voltados ao mercado interno de consumo de massa de bens e serviços; (5) investimentos em reindustrialização na fronteira tecnológica (bens de capital, fármacos, microeletrônica, defesa e aeroespacial).
A atual política de Estado mínimo retrocede na construção do Brasil de amanhã e inviabiliza o avanço do sistema nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI). O modelo neoliberal desconstrói o objetivo de produzir ciência e fomentar inovações, bem como, reduz a possibilidade de o país usufruir dos benefícios do progresso técnico para minorar os graves problemas de desigualdades sociais e viabilizar a conquista de novos mercados. A baixa taxa de investimento não apenas prejudica a competitividade da economia nacional, como pode levar ao surgimento de gargalos que inviabilizem um novo ciclo de crescimento.
Nessa perspectiva, vivemos uma das maiores provações de nossa História. O negacionismo e o obscurantismo impõem o descrédito sobre os resultados da produção científica, o que vem acompanhado de: i) redução drástica dos investimentos públicos, que caem de R$ 75 bi em 2014 para o seu menor patamar histórico, R$ 25,1 bi em 2021; ii) perda de recursos orçamentários do Ministério de Ciência, Tecnologias e Inovações (MCTI), que terá seu menor orçamento discricionário dos últimos anos, caindo de R$ 8,7 bi em 2014 para R$ 2,7 bi em 2021; iii) encolhimento do maior fundo de apoio à ciência e inovação, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que sofre retrocessos nos recursos discricionários para suas atividades, com uma redução de R$ 2,8 bi em 2014 para R$ 0,5 bi em 2021 (valores deflacionados, a preços de 2020). Mais ainda, a redução de investimentos na saúde e na educação, bem como um outras áreas estratégicas, faz esmorecer a formação de recursos humanos, o avanço da infraestrutura científica e da inovação. Por isso é necessário romper o teto dos gastos estabelecidos pela Emenda Constitucional nº 95, assim como rever as bases da PLOA 2021 que acirra, ainda mais, o processo de desmonte das instituições públicas estratégicas e reduz sobremaneira a capacidade do Estado para enfrentar a atual circunstância de múltiplas crises.
Estamos diante da redução drástica no fomento, subvenção e crédito, promovendo enorme retrocesso ao SNCTI, e, como consequência, vivenciamos o sucateamento e a degradação da infraestrutura desenvolvida com grandes aportes de recursos públicos nos últimos vinte anos, com enorme sucesso na geração de conhecimentos e na formação de recursos humanos, fundamentais para as transformações no campo do conhecimento e da produção. O projeto nacional com foco no desenvolvimento na expansão da pesquisa científica e inovação é o caminho viável para promoção de empregos de alta produtividade e, como desdobramento, a retomada da inclusão social, aliada ao crescimento econômico. A indústria precisa criar demanda por inovações para recebê-las de volta, e é a manutenção do sistema de CT&I que irá viabilizar a competitividade virtuosa em nosso país. Portanto, faz-se central a discussão de políticas de CTI devidamente alinhadas com a políticas industrial, de saúde, educação e defesa, com missões e contrapartidas bem definidas.
Para que o sistema de CT&I possa ser retomado no cumprimento de seu papel, é indispensável dotá-lo de bases adequadas de financiamento, resgatando os fundos estáveis com horizonte de longo prazo para o desenvolvimento nacional. A ciência não é um processo de curto prazo, portanto, para sua manutenção é fundamental uma visão de Estado de longo prazo, que coloque o conhecimento como uma alavanca para o crescimento econômico, para a necessária reindustrialização e redução da pobreza, buscando minimizar as desigualdades sociais e atuando de forma definitiva para instalação de uma economia ambientalmente sustentável e solidária.
A contribuição do sistema de CT&I para o desenvolvimento nacional deve objetivar uma melhor articulação e divisão do funções entre seus atores, oferecendo infraestruturas de grande porte de uso compartilhado. É necessário ampliar o foco em projetos de grande escala que possam mobilizar as instituições nacionais e internacionais com competências complementares.
O Núcleo de acompanhamento de Políticas Públicas Napp em CT&I da Fundação Perseu Abramo tem reforçado em suas contribuições que os retrocessos em ciência e tecnologia, educação, saúde e infraestrutura nos coloca numa posição frágil para enfrentar as desigualdades. Encomendas tecnológicas, compras governamentais, alinhadas a uma política de investimento de longo prazo, via bancos públicos, são instrumentos que precisam estar somados para alavancar um projeto de desenvolvimento produtivo que mire o futuro. Nesse contexto, a ação do Estado, mediante o financiamento e políticas de regulação e apoio ao desenvolvimento tecnológico adquire um caráter crítico. São urgentes respostas precisas às ameaças que pairam sobre a sociedade e a soberania nacional! É urgente inovar para aumentar a segurança alimentar, sanitária e ambiental da nossa sociedade que padece diante do atual governo! São urgentes respostas precisas para a geração de emprego e renda, rumo ao fortalecimento da nação!
O Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil sinaliza que o modelo de desenvolvimento, que devemos adotar passa por uma “profunda reorganização das relações entre o Estado, o mercado e a sociedade, que possibilite recriar, no contexto da nossa especificidade histórica, mundial e nacional, uma modalidade inovadora e mais inclusiva de Estado de bem-estar social. Averdadeira reforma do Estado que o Brasil precisa não é aquela que o privatiza, que reduz sua capacidade de atuação e joga nas mãos dos interesses privados o futuro da Nação. Pelo contrário, o Brasil precisa de um Estado democrático, forte, eficiente e capaz de lidar com os inúmeros desafios que o desenvolvimento impõe.