Por Gabriel Medeiros de Miranda e Luíza Dulci, do Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas de Juventude (NAPP Juventude) da Fundação Perseu Abramo (FPA).

Vivemos os efeitos perversos da pandemia da Covid-19, que agrava a crise política, econômica, ética e cultural já em curso no Brasil. A juventude, em razão de uma série de vulnerabilidades socioeconômicas e políticas, constitui um dos segmentos mais afetados pelas múltiplas crises que assolam o país e pelo projeto ultraneoliberal implantado desde o golpe de 2016.

O desalento assola duramente a juventude e reflete-se em taxas como a de desocupação, 40% maiores neste segmento no segundo trimestre de 2020 se comparadas ao último trimestre de 2015. Mesmo entre os que trabalham, o agravamento da desregulamentação e a perda de direitos trabalhistas atinge diretamente essa população, elo mais frágil do mercado de trabalho, a quem se reservam as vagas com maior rotatividade, menores salários e menor proteção. Não à toa, são jovens os rostos dos profissionais que melhor ilustram os mecanismos neoliberais de precarização radical, os entregadores de aplicativo.

Com a pandemia da COVID-19, esse quadro se agudiza. Segundo a Organização Internacional do Trabalho, a pandemia atinge de forma especial a juventude e provoca impacto triplo em sua trajetória: interrompe a sua formação; precariza ou encerra seu vínculo de trabalho; e obstrui a sua entrada no mercado de trabalho. Essa previsão internacional se confirma no Brasil. A pesquisa Juventudes e Pandemia do Coronavírus apontou que 43% dos jovens que trabalhavam pararam de trabalhar, perderam o emprego ou sofreram redução da carga horária.

O genocídio da juventude negra no país, denunciado veementemente pelos movimentos de juventude, segue dilacerando vidas, famílias e comunidades periféricas. Segundo o Atlas da Violência, em 2018 foram 60,4 jovens assassinados a cada 100 mil, o que equivale a 53,3% do total de homicídios no país. A violência nas periferias permanece traço marcante inclusive na pandemia da COVID-19. No Rio de Janeiro, em abril, o número de mortes por ação policial cresceu 43% em relação ao mesmo mês do ano passado.

Diante dessa realidade, o governo Bolsonaro sustenta a política da morte como projeto. Mais Estado para reprimir a juventude nas periferias; mais recursos para o Ministério da Defesa; e menos Estado para garantir a saúde do povo brasileiro e realizar os investimentos necessários na geração de oportunidades e garantia de direitos para a juventude. O Projeto de Lei Orçamentária para 2021 é prova disso: redução brutal de investimentos do Estado; sucateamento da política de educação, com a destinação de apenas 18 bilhões de reais para o orçamento do Ministério da Educação, menos da metade do direcionado discricionariamente para esse ministério pelo governo Dilma em 2015; e no Ministério da Família, nenhum orçamento previsto para políticas de juventude.

Como contraponto, o Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil (clique para baixar) é veículo para o anúncio de um outro país para a juventude. Propomos um outro Estado, presente diariamente na vida da juventude para a garantia de direitos e não para a repressão de suas comunidades. Essencialmente, destacam-se quatro eixos fundamentais de ações urgentes e prospectivas, considerando as demandas e esperanças das juventudes: trabalho, educação, defesa da vida e participação.

Com relação ao trabalho, uma das principais contribuições do Plano é incorporar as juventudes, em toda a sua diversidade de condições socioeconômicas e pluralidades de projetos de vida, no Plano Emergencial de Emprego. Nas três esferas federativas é fundamental a priorização das juventudes nas contratações e qualificação de mão de obra no período de reconstrução pós-crise, considerando inclusive as mudanças de padrão produtivo e distributivo em sintonia com a transição ecológica e o bem viver.

A reversão das estatísticas de desemprego e subemprego juvenil requer ainda ações voltadas à criação de trabalho vinculados ao sistema de proteção e benefícios sociais. Atenção especial deve ser dada aos trabalhadores das empresas-plataformas, com medidas de regulação do cumprimento de direitos trabalhistas.

Destaca-se o compromisso com a retomada da política de valorização do salário mínimo, que beneficia diretamente milhões de jovens brasileiros, bem como a garantia da manutenção do pagamento da renda emergencial dos R$ 600 reais.

No campo da educação, é fundamental que se retomem o Plano Nacional de Educação e a ampliação dos investimentos neste campo. Em caráter de urgência, destaca-se a necessidade de redução substancial de mensalidades e dívidas do FIES, com a suspensão das parcelas devidas durante toda a pandemia. O retorno às aulas deve ser feito com plena segurança e preservação da saúde, além de garantidas as condições para o acompanhamento de aulas na modalidade remota.

No campo da defesa da vida, é fundamental a retomada de programas intersetoriais de combate ao extermínio da juventude negra que, à exemplo do Juventude Viva, articulem Estado e sociedade civil. Ainda, é urgente outra política de segurança pública, em que as forças de segurança enxerguem a juventude como sujeito de direitos e não como inimigo interno. Indispensável nesse sentido também é uma outra política de drogas, não discriminatória e que não se permita ser ferramenta para a criminalização da juventude negra das periferias brasileiras.

Considerando a centralidade da participação popular para o Estado que queremos construir, o Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil propõe a retomada e ampliação das ferramentas de participação social como conselhos, conferências e orçamento participativo. A juventude deve ser ator fundamental nesses processos de elaboração, monitoramento e avaliação de políticas públicas, bem como estimulada à organização política de maneira geral. Para tanto, é preciso conhecer e reconhecer os novos formatos de organização e ação política do presente e incorporar coletivos, sobretudo das periferias urbanas e rurais.

Finalmente, o Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil, ao passo que encerra uma tarefa, inaugura outra. É fruto da reflexão árdua da Fundação Perseu Abramo e do PT até aqui, mas agora ganha o Brasil e é no diálogo que promoverá que reside parte substancial de sua importância. Que o Plano e as propostas nele contidas ganhem o debate público, os grêmios estudantis, os sindicatos rurais e as rodas de rima, e contribua para o esforço de construção de uma nova agenda emancipadora para a juventude brasileira.