André Calixtre*, NAPP Desenvolvimento Social
A reconstrução civilizatória do Brasil é um desafio cuja centralidade está na questão social. Assim como foi a estratégia vitoriosa dos governos Lula e Dilma, é fundamental buscarmos um novo modelo de desenvolvimento centrado na redução das desigualdades e no combate à pobreza. No centro deste modelo está a ação do Estado de Bem-Estar Social e a construção de um mundo do trabalho mais próspero, menos desigual e pleno de direitos. O Partido dos Trabalhadores tem em sua memória genética a certeza de que o crescimento econômico dos trabalhadores e a melhor destinação de recursos públicos para as populações mais pobres são a fonte do dinamismo social e econômico de todo o Brasil. Mais do que a certeza do caminho, a experiência de governo ensinou ao partido como trilhá-lo, fortalecendo instrumentos já existentes duramente construídos pela Constituição Federal de 1988, aprimorados e inovados pelos governos petistas. Nesse espírito, o Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil busca estabelecer o conjunto essencial de políticas públicas para novamente impulsionar a ascensão social dos brasileiros, compreendendo os novos desafios impostos à Política Social pela experiência ultraliberal desde o Golpe de 2016 e pelo desastre do governo Bolsonaro na condução do combate à pandemia.
Em primeiro lugar, o Brasil precisa vencer a Covid-19 e, para isso, as pessoas precisam ter meios concretos de permanecerem em casa e não buscarem trabalho. Após uma imensa batalha legislativa, a oposição conseguiu obrigar o governo Bolsonaro a aumentar os valores do Auxílio Emergencial de duzentos reais para seiscentos reais, podendo este valor ser dobrado em cada domicílio. Infelizmente, sem sequer ter pago as três parcelas a todos os cidadãos que delas precisam, Bolsonaro cortou para a metade o valor do Auxílio, obrigando os trabalhadores a voltarem para as ruas em busca de trabalho. O Auxílio Emergencial não se confunde com uma renda complementar ao trabalho, e sim deve ser entendido como a substituição dessa renda, justamente para evitar que o trabalhador se exponha ao vírus. O corte no auxílio serve a um inconfessável propósito de obrigar os trabalhadores informais a buscarem trabalho nas ruas, expondo-os ainda mais à contaminação do vírus, que nunca esteve sob controle. Para evitar uma saída precoce da quarentena para os pobres, o Plano defende que o Auxílio Emergencial deve ser estendido até a duração da calamidade pública decretada em razão da pandemia, sem qualquer alteração de valores ou critérios de acesso.
Ao iniciarmos o período de recuperação pós-quarentena, o Brasil encontrar-se-á em situação econômica e social extremamente frágil. A perda dos postos de trabalho formais e, sobretudo, informais, estes muito relacionados a serviços, dificilmente se recuperará no curto prazo. O Estado brasileiro será pressionado por políticas emergenciais para além do orçamento de guerra, inviabilizando o já inexequível teto de gastos. Não obstante, o desenho da política social adequada aos tempos de recuperação não deve prescindir das boas práticas desenvolvidas durante os governos petistas. No combate à pobreza gerada pelas crises do ultraliberalismo e da pandemia, é fundamental fortalecermos radicalmente o Programa Bolsa Família, mantendo seus enormes avanços institucionais e ampliando a faixa de renda de acesso ao programa para até seiscentos reais per capita. A proposta intitulada “Mais Bolsa Família” permitirá, com a nova faixa de acesso, o fortalecimento do Sistema Único de Assistência Social (Suas) e do Cadastro Único para chegar às populações pobres, a ampliação do programa para trinta milhões de famílias brasileiras, operando como uma verdadeira Renda Básica Universal, para os pobres. Ademais, o financiamento do Mais Bolsa Família seria pago fundamentalmente pelos ricos, por meio de reforma tributária progressiva, com a criação de alíquotas mais altas ao imposto de renda, taxação de grandes fortunas e aumento do imposto sobre heranças e pela oneração dos ganhos de capital no imposto de renda das pessoas físicas, tal como proposto pelo Plano na “Reforma Tributária Justa, Solidária e Ecológica”. O modelo de financiamento pressupõe a extinção ou profunda remodelação do Teto de Gastos, impedindo processos autofágicos entre programas da Seguridade Social e garantindo o fortalecimento do Estado em um momento de imensas incertezas e forte recessão econômica.
O próximo pilar da recuperação social consiste em atacar duramente a explosão potencial de desemprego gerada pela pandemia e pela crise econômica. Além de um novo arcabouço macroeconômico e fiscal adequado a um projeto nacional de desenvolvimento, o Plano de Reconstrução propõe a criação imediata de cinco milhões de vagas emergenciais de emprego em prestação de serviços de destinação pública, com contratos de pelo menos seis meses de duração. O chamado “Emprego Já” atuaria para diminuir o impacto provocado pelo retorno da população trabalhadora que perdeu seu posto de trabalho durante a pandemia e não o encontrou ao fim do período de quarentena. Pelo lado do acesso ao crédito, a renegociação das dívidas de pequenas e médias empresas e de consumidores é proposta pelo Programa para recuperar a capacidade de investimentos dos agentes privados mais diretamente relacionados ao emprego.
Combinada com a criação direta de empregos públicos emergenciais e das condições de financiamento das famílias e pequenas empresas, é dever do Estado restabelecer uma nova trajetória de recuperação da renda do trabalho. A Política de Valorização do Salário Mínimo implementada durante os governos petistas foi a principal fonte de redução das desigualdades de renda no país, consolidando mercado interno de consumo de massas e fortalecendo o peso do trabalho na apropriação da renda nacional. Essa política foi congelada pelo golpe de 2016, e seus efeitos sobre o aumento da desigualdade já foram sentidos. Para a reconstrução nacional, o PT propõe a adoção de nova regra de valorização do Salário Mínimo, com reajuste pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do ano anterior acrescida da variação do PIB de dois anos, sendo que o ganho real não poderia ser inferior a 1%, mesmo em períodos de recessão. Essa nova rodada de valorização do salário mínimo fortalecerá as condições internas de consumo de massas e permitirá a criação de mercado para os pesados investimentos em infraestrutura necessários para a retomada sustentada do crescimento.
Por fim, é importante salientar que o objetivo último do Plano na questão social é fortalecer e atualizar o Estado de Bem-Estar tal como foi idealizado pelo pacto de redemocratização do país e impresso na Constituição de 1988. A redução da desigualdade, o combate à pobreza e o fortalecimento do mundo do trabalho são desafios recolocados pela dupla crise criada pelo governo Bolsonaro. As soluções estão disponíveis na nossa sociedade; a reconstrução civilizatória é nosso único caminho de sobrevivência.
André Calixtre é mestre em Desenvolvimento pela Unicamp. Doutorando em Economia pela UnB. Foi Diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea e assessor especial no Ministério do Trabalho e da Previdência Social e na Secretaria-Geral da Presidência da República, todos durante os governos Dilma Rousseff.