Informe do Broadcast Estadão
O consumidor estaria convivendo com preços de alimentos menores se o país tivesse uma boa política de formação de estoques reguladores, segundo analistas consultados pelo Broadcast. O clima, o exterior e a logística são os principais fatores de pressão. Políticas sérias de preço mínimo e de estocagem, no entanto, ajudariam a conter a alta de preços, avaliam.
Para o sócio da Macrosector Fábio Silveira, é preciso reconhecer os efeitos climáticos e a inserção da economia brasileira no contexto internacional, onde são formados os preços de boa parte dos produtos que se encontram em alta, “mas certamente um bom estoque ajudaria” a conter os reajustes. A inflação de 4,05% no acumulado do ano até maio pelo IPCA e de 9,32% no período de 12 meses até o mês passado não decorre apenas do baixo nível de estoques reguladores, reconheceu Silveira. “Mas o preço do feijão nos supermercados não estaria em R$ 16 o quilo se o governo tivesse estoques suficientes para equilibrar a pressão da demanda”, emendou.
Carlos Cogo, especialista em grãos e sócio-diretor da Consultoria que leva seu nome, ressaltou que os estoques da Companhia de Abastecimento (Conab) até esta quinta-feira (30) eram insuficientes para atender a mais uma semana de consumo. As 80 toneladas de feijão estocadas devem atender a uma semana de consumo. O milho (880 toneladas) dura apenas seis dias. As 85 toneladas de arroz dão para apenas dois dias de consumo e as 15 toneladas de trigo acabam em cinco dias.
Em agosto de 2014, segundo o especialista, R$ 10 foi o valor recebido por saca de 60 quilos de feijão pelos produtores do Paraná, maior produtor do grão no País. “À época, a notícia era que com a oferta maior que a procura, os produtores do Estado estavam deixando o grão no solo para virar adubo, pois o preço caía e o preço mínimo não era garantido”, disse Cogo, acrescentando que agora em junho de 2016 a saca de feijão carioca bateu o recorde de R$ 600.
É necessário considerar ainda os problemas de logística, como o transporte entre as regiões onde estão estocadas as poucas quantidades de alimentos em armazéns públicos no País e as localidades em que estes produtos serão consumidos. Muitas vezes o frete faz dobrar o preço do produto, segundo os especialistas. “Mas a falta de um bom estoque também tem elevado muito os preços”, reforçou Silveira, da Macrosector, para quem a inflação dos alimentos deverá fechar este ano em 14%, praticamente o dobro da projeção de 7,29% dos analistas do mercado na Focus para a inflação plena em 2016.
“É fato que o governo brasileiro abandonou a prática de uma boa política agrícola”, criticou o ex-ministro da Agricultura do governo militar de Ernesto Geisel e um dos criadores da Conab Alysson Paulinelli. Considerado por muitos o pai da agricultura brasileira, ele reclamou da falta de uma política de preço mínimo, crédito de comercialização e seguro agrícola, entre outros. Segundo ele, na década de 1970, a Conab estocava grãos, carne e leite, entre outros produtos.
Nos anos 80, de acordo com Paulinelli, as famílias brasileiras gastavam de 42% a 48% de sua renda com alimentação. Em 2000, esse porcentual caiu para 14% a 18% da renda das famílias. “Em 2003, voltou a subir porque, além de deixar de lado as políticas agrícolas, os governos federal e estaduais começaram a tributar os produtos e hoje já estamos perto do que era na década de 80”, criticou Paulinelli.
O consultor agrícola e sócio da Global Financial Advisor, Miguel Daoud, concorda com o ex-ministro. De acordo com Daoud, o Brasil tem os instrumentos de politicas agrícolas capazes de equilibrar a relação entre oferta e demanda para equalizar preços de produtos como arroz, feijão, milho e trigo. Se estes instrumentos não tivessem sido abandonados, o governo poderia comprar nas épocas de grandes safras e ofertar seus estoques em leilões nas quebras de colheitas por clima ou pragas.
“Hoje o Ministério da Agricultura é um nanico. Não tem força para fazer valer estes instrumentos. Política agrícola é o seguinte: preço caiu, governo entra comprando até para manter o preço mínimo para o agricultor. Subiu, sai vendendo”, disse o consultor. Ainda segundo o profissional, há um ano, em algumas regiões do país, a saca de 60 quilos de milho chegou a ser vendida a R$ 17, gerando prejuízo ao produtor. Agora está de R$ 54 a R$ 60.
No caso do milho, grão que influencia preços ao longo de uma extensa cadeia de produção de proteína animal, há ainda retirada do produto do mercado doméstico pelas traders. Só neste ano elas estão exportando 27 milhões de toneladas de milho. “Quando o milho estava a R$ 17, as traders firmaram com os produtores os chamados “barters” (permutas). Compraram a safra entre R$ 18 e R$ 22 a saca em troca de sementes, adubo e agrotóxicos”.
Só que hoje, de acordo com o diretor da Global Advisor, o mesmo milho está sendo entregue no exterior a R$ 60 a saca. De acordo com Daoud, se tivesse o Brasil “uma política séria de preço mínimo e de estocagem, a situação da inflação não estaria resolvida, mas certamente mais amena”.
O professor de economia da Universidade de São Paulo, Heron do Carmo, um dos maiores especialistas em inflação do País, compartilha do pensamento de Daoud. Para Heron, a inflação ao consumidor tem muito do realinhamento dos preços relativos da economia neste ano, mas um bom estoque regulador neste momento estaria ajudando bastante na contensão da alta dos preços. (Francisco Carlos de Assis – [email protected])