O Observatório da Coronacrise debateu no dia 9 de setembro a reforma administrativa proposta por Jair Bolsonaro. Com mediação de Artur Henrique, diretor da Fundação Perseu Abramo, o programa contou com a participação de Miriam Belchior, Luís Alberto dos Santos e Valter Correia.
Miriam Belchior, ex-ministra do Planejamento e ex-presidenta da Caixa Econômica Federal no governo Dilma Rousseff, coloca que o país precisa de uma reforma administrativa com o objetivo de fortalecer o Estado, que preste serviços de qualidade para a população. “A população não defende o Estado mínimo porque a maior parte dela depende das ações do Estado, de saúde e educação de qualidade, agilidade administrativa, enfim melhores serviços”.
Segundo Miriam a reforma de Bolsonaro tem foco eminentemente fiscal, sem qualquer preocupação em melhorar o funcionamento dos governos federal, estaduais e municipais. E faz isso demonizando os servidores públicos e mentindo sobre as despesas de pessoal no governo federal. “Apresenta dados de crescimento dessa despesa como 140% em doze anos – ‘um número absurdo’ –, em vez de expor a despesa como proporção do PIB, que é o correto, e que tem se mantido estável em torno de 4,5%”, argumenta. Para a ex-ministra a reforma proposta não atinge nem mesmo esse objetivo fiscal, pois só valerá para os novos servidores nos três níveis de governo, não tendo impacto imediato. Miriam elenca e explica cinco características da proposta: 1) é danosa nas relações entre servidores e governo; 2) retira atribuições do Congresso e de estados e municípios; 3) é covarde, mentirosa e elitista (mantém privilégios de militares e outros); 4) joga para a torcida (fala que acaba com coisas que já não existem); 5) muda temas que trarão mais descontrole ao setor público, por exemplo, tratamento diferenciado entre servidores.
Para o professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV), Luiz Alberto dos Santos, que assessora o senador Paulo Paim e foi subchefe da Casa Civil, a reforma vem atender as preocupações do mercado, mostrar o compromisso reformista do governo Bolsonaro, que dá sequência à reforma da Previdência, ao arremedo de reforma tributária, que encaminhou, mas já abandonou e mais do que isso complementa as PECs 186 e 188, a Emergencial e do Pacto Federativo. Ambas as propostas dão condições aos governos de reduzir despesa, por meio da redução de salários dos servidores, flexibilizam regras para demissão por excesso de despesas, sob a perspectiva de que é necessário a todo custo cumprir a emenda do teto gastos, que se transformou no símbolo da austeridade.
A proposta também interessa aos governadores, segundo Luiz Alberto, pois alguns estão em dificuldade financeira como, por exemplo, os estados do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais, que precisam de soluções imediatistas e essas PECs contribuem para algum resultado. “Mas atendem, sobretudo, ao setor privado que pretende abocanhar pedaços cada vez maiores da atividade econômica exercida pelo Estado, o processo de privatização em curso mostra isso. Ao adotar essa PEC o governo fortalece a visão privatista, limitando fortemente a capacidade de atuação do Estado”, argumenta. Luiz Alberto prossegue relatando os impactos da reforma na vida do servidor.
Valter Correia, com a experiência de ex-chefe da Assessoria Especial para Modernização da Gestão no Governo Dilma Rousseff, diz que no caso da proposta em questão o governo tem usado uma espessa cortina de fumaça para justificá-la, pois a maioria de seus argumentos se situa no campo do considerado “senso comum”, com os quais a maior parte da mídia tem se deixado “seduzir”, sem fazer os devidos contrapontos para entender o que está por trás da reforma. Um dos principais pontos dessa sedução é o argumento de que a máquina pública está inchada com carreiras demais, o que não é uma verdade absoluta, uma vez que a maioria dos países europeus tem número de servidores frente ao número da população bastante superiores em relação ao que se tem no Brasil. No Brasil há 12% de servidores em relação ao número de trabalhadores, na Dinamarca, por exemplo, 35%, assim na Noruega e outros. Essa média na OCDE é de 21%.
Reitera que outra grande falácia é que a despesa com pessoal tenha aumentado com os governos do PT, uma vez que nesse período permaneceu estável, dentro de 4% do PIB, conforme Miriam já mencionara. Valter diz que, a julgar pelas propostas, esse governo não entende nada de gestão de pessoas, de gestão de recursos humanos. “Com esse desmonte, a estrutura organizacional será ingerencíavel”.
Assista a íntegra do programa abaixo.
O Observatório da Coronacrise é o programa do Observatório da Crise do Coronavírus (clique aqui para acessar), iniciativa da Fundação Perseu Abramo para monitorar a crise sanitária e econômica gerada pela pandemia e promover esforços no sentido de atenuá-la e até de superá-la.
O programa é transmitido ao vivo nas noites de quarta e sexta-feira, às 21h, no canal da Fundação Perseu Abramo no YouTube, em sua página no Facebook e Twitter, além de ser retransmitido pelas redes sociais de Dilma Rousseff e Fernando Haddad, e dos portais parceiros: Revista Fórum, DCM e Brasil 247.