Resenha de Henry Campos e Nahuan Gonçalves

A retomada das aulas já começou, para a maioria das universidades, com um grande rombo em seu orçamento por conta da pandemia. Iowa City, que abriga em terras do condado de Johnson, a Iowa City University, uma das melhores universidades do país, é um bom exemplo dessa nova fase da pandemia. Começando o novo semestre com um déficit de 75 milhões de dólares, a Universidade recebeu seus 26.000 alunos para o recomeço das aulas, acolhidos pela população de 75.000 habitantes com um misto de alegria e apreensão. Alegria porque trazem boa parte da receita da cidade; só o Hawkeye, time de futebol americano da Universidade, arrecada 120 milhões de dólares ao ano para a comunidade. Apreensão que se revelou justificada, pois enquanto ocorreram no campus 1.200 casos desde a retomada das aulas, mais de 4.000 novos casos foram registrados na comunidade.

Cerca de 100 cidades que abrigam universidades comunitárias têm visto o número de novos casos de coronavírus aumentar e se manter altos desde o início de agosto, quando os estudantes voltaram às aulas. O condado de Brazos, Texas, que abriga a Texas A M University, viu surgirem 742 novos casos de coronavírus na última semana de agosto, enquanto a universidade registrava número semelhante de casos. Na East Carolina University os novos casos passaram de 846 nas últimas duas semanas de agosto, enquanto o condado Pitt, sede da Universidade, teve 800 novos casos apenas na última semana do mês. Estatísticas semelhantes têm sido registradas em condados dos estados de South Dakota, Idaho e Illinois que abrigam universidades comunitárias. A maioria das instituições está sendo obrigada a interromper aulas presenciais e enviar estudantes de volta para casa para ter aulas a distância, até que se encontrem condições de retomar o convívio social seguro.

A situação é mais complexa num grupo de 16 instituições que pertencem à University of North Carolina, pois funcionários – o que inclui professores, técnicos, pessoal de manutenção e limpeza, ao lado de estudantes, estão movendo ações judiciais contra a Universidade pela falta de segurança e de proteção no campus contra o coronavírus. Segundo Jay Smith, vice-presidente da University of North Carolina – Chapel Hill, uma das unidades da holding, a reabertura diante da pandemia advém de duas escolhas: “arriscar um desastre sanitário ou enfrentar uma calamidade financeira”. Apenas essa unidade perderia 55 milhões de dólares, relativos ao pagamento de moradia e alimentação pelos estudantes, se adotasse o ensino à distância, como declarou à revista Nature o seu vice-presidente. O movimento começa a estender-se a estados como Ohio e Georgia.

“Estou vendo uma onda de ativismo de professores e isso é ótimo para a profissão”, declarou à revista Nature, a professora Irene Mulvey, presidente da American Association of University Professors – AAUP, para quem “a crise da COVID-19 e as desastrosas decisões tomadas, que estão pondo vidas em risco, é que empoderam os professores a lutar contra isso”.

Muitas universidades enfrentam crises financeiras sem precedentes e conflitos com organizações sindicais frente à ameaça de desemprego, como ocorreu recentemente na Rutgers University, New Jersey, que demitiu cerca de 1.000 servidores, incluindo centenas de conferencistas convidados.

Outra questão com que vêm se defrontando os dirigentes universitários é a desobediência dos estudantes à proibição de agrupamentos. Jogos de futebol continuam sendo realizados, bem como festas reunindo centenas de jovens. O exemplo mais emblemático é o ocorrido na State University of New York, no seu campus na cidade de Oneonta, que foi palco de festas que deram surgimento a cerca de 400 casos de COVID-19 entre os estudantes nos últimos dias de agosto, o que levou o governador Andrew M. Cuomo a tomar medidas especiais para contenção do contágio.

Em meio a uma crise financeira sem precedentes assiste-se também a uma nova prática de lobby, em Washington, D.C., por várias universidades e associações com interesses no ensino superior, para conseguir imunidade do governo federal contra ações judiciais que já começam a ser movidas contra elas em decorrência de prejuízos causados a estudantes, funcionário e a outros, relacionados aos surtos de COVID-19. Entre essas universidades encontram-se Purdue University, Case Western University, the Georgia Institute of Technology, The New School, Michigan State University, Southern Methodist University, Syracuse University, Temple University, Penn State University, University of Kansas, Clemson University e University of Southern Florida. Acompanham as universidades no movimento lobista, associações ligadas aos grupos educacionais, como, the Council of Graduate Schools, The College and University Professional Association for Human Resources e Fraternal Government Relations, que representa as repúblicas de estudantes de ambos os sexos – fraternities e sororities, espalhadas no país inteiro.

A atividade lobista não se restringe à busca da imunidade pelo governo federal. Algumas universidades, como o Bates College e a University of New Hampshire, pressionam os seus alunos para que assinem documentos se comprometendo a não acioná-las judicialmente. Outras recorrem aos governos estaduais para proteção de seus interesses financeiros, como ocorreu em North Dakota, onde o governador democrata, Roy Cooper, promulgou uma lei que protege as universidades de cobranças judiciais para reembolso das taxas escolares.

A pressão para reabrir instituições de ensino superior veio em parte do presidente Trump, mas a motivação principal é financeira. Universidades de todo o país têm perdido milhões de dólares desde que a erupção de casos de COVID-19 nessas comunidades obrigou a cancelar eventos lucrativos, enquanto eram reduzidas as receitas provenientes de pagamentos feitos por estudantes. Como mencionado no caso da Iowa City University, muitas universidades perderam grandes somas de dinheiro nos primeiros meses da pandemia, a exemplo do que ocorreu com a Syracuse University, com perda de 38 milhões de dólares, e com o sistema de universidades da Califórnia, que experimentou a fuga de 558 milhões de dólares no primeiro semestre do ano. Ao contrário das universidades comunitárias, que apresentaram surtos mais recentes e enviam temporariamente os seus estudantes de volta para casa, o grupo de instituições que pratica o lobby em Washington, D.C., desde junho, busca o retorno às atividades presenciais, prometendo precauções adicionais para minimizar o risco de infecção, enquanto lança desafios aos estudantes para sua adesão aos protocolos de segurança.

Diante de tantas situações conflituosas, do caos financeiro, da diversidade de encaminhamentos no enfrentamento aos surtos nos campi e nas comunidades que os abrigam, das indefinições quanto à responsabilização de instituições acadêmicas e governos, parece claro que a decisão de reabrir os campi universitários do diversificado sistema de ensino superior americano figura entre os assuntos mais controversos até agora no combate à pandemia pela COVID-19 nos Estados Unidos, sendo igualmente reveladora da ausência de uma coordenação nacional para o enfrentamento de uma das maiores crises sanitárias que já acometeram a humanidade.

 

Para ler mais: www.nytimes.com

www.nature.com

https://jacobinmag.com/2020/09/universities-reopening-covid-19-lawsuits