O Observatório da Coronacrise pautou, no dia 4 de setembro, o teto de gastos imposto no Orçamento da União e as consequências para o Brasil. O programa contou com a participação da economista Juliane Furno, mestre e doutora em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp, e dos economistas Guilherme Mello, professor no Instituto de Economia da Unicamp, e Eduardo Fagnani, professor no Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador no Cesit e coordenador da rede Plataforma Política e Social. A mediação foi de Carlos Henrique Árabe, diretor da Fundação Perseu Abramo.
Guilherme Mello expõe as características gerais da proposta de orçamentária do governo enviada ao Congresso para 2021, que segundo ele revelam muito das prioridades do governo. “Com o teto de gastos voltando a vigorar é como se a pandemia estivesse acabado, pois há um corte profundo no orçamento do Ministério da Saúde em relação a este ano”.
Como é bastante previsível o país ainda deverá enfrentar o primeiro semestre do próximo ano com doença e que tenha de lidar com as conseqüências dos milhões de brasileiros que adoeceram e sobreviveram, mas com seqüelas e precisam de acompanhamento médico. O economista lembra que há ainda outros milhões de pacientes que tiveram suas consultas, exames, cirurgias adiadas por causa da pandemia. Mencionou o corte no orçamento de Ciência e Tecnologia pela metade, em momento que a pesquisa é tão importante, o no Ministério do Meio Ambiente. Mello explica que no Brasil o orçamento é autorizativo – autoriza o governo a gastar, mas não obriga – e que na prática o orçamento dos anos anteriores de ministérios importantes para a população como da Educação, do Meio Ambiente não foi gasto na integralidade, seja por incompetência, seja por projeto político. Basta lembrarmos que o desmatamento tem crescido assustadoramente. “Essa proposta orçamentária é revelação clara e nítida do programa de destruição do Estado que esse governo se propõe”, conclui o economista.
Eduardo Fagnani reitera que o orçamento é de natureza política e que “o teto de gasto tal como existe no Brasil não há em lugar nenhum do mundo”, ou seja, congelar o gasto durante vinte anos, constando na Constituição. O que segundo ele é paradoxal porque mesmo que a economia cresça o gasto primário – com educação, saúde etc. – fica praticamente congelado. É praticamente uma regra para gerar superávits fiscais permanentes, além é claro de limitar o crescimento da economia. Uma vez que um dos motores da economia é o investimento público.
“O teto está calibrando o tamanho do Estado”, prossegue. Impõe uma redução do Estado em áreas que a sociedade mais precisa. Trata-se de um projeto liberal e ideológico. Lembra que esse é um projeto antigo, vem desde os anos 1980. Para Fagnani, “o governo Bolsonaro tem um projeto, Paulo Guedes tem um projeto, que de forma simplificada é transformar o Brasil num Chile, que foi um laboratório das políticas neoliberais ainda no final dos anos 1970, com Pinochet e ajuda da Escola de Chicago”. Isso no país vizinho implicou a privatização da saúde, da educação, da infraestrutura e da previdência.
Juliane Furno elenca os mitos que sustentam a argumentação de defesa do teto dos gastos. O primeiro é o senso comum que o Estado não pode gastar mais do que arrecada. Mas o Estado opera muito diferente das pessoas e das empresas. Frisa que o gasto estatal é investimento. Por exemplo, o gasto com programas de transferência de renda retorna para os cofres públicos porque as famílias que recebem o benefício têm maior propensão a consumir (precisam consumir), o que estimula emprego e investimento. E metade da arrecadação do país está no consumo.
Um segundo mito, de acordo com a economista, ocorre quando há um desequilíbrio entre receita e despesa como aconteceu no Brasil a partir de 2014, apontando como solução o corte de gastos. Isso não se justifica porque as despesas primárias nesse período cresceram menos do que no período anterior, logo não são a causa do desequilíbrio. A solução nesse caso seria aumentar a arrecadação.
Já a terceira falácia é que “o teto é muito importante para o país no longo prazo uma vez que – pasmem! – ajudará a vida dos mais pobres”, usando como justificativa o fato de que se os agentes econômicos identificam que o Estado se compromete como equilíbrio fiscal, terão confiança e investirão na economia brasileira gerando emprego. E o contrário gera desconfiança de que o Estado não terá como honrar sua dívida, além de alegar que o aumento do gasto aumenta a taxa de juros e gera inflação comprometendo o crescimento. A própria realidade derruba esse argumento, pois o país tem o maior endividamento dos últimos tempos e a menor taxa de juros.
Bastante didática a explanação de cada debatedor auxilia na compreensão de conceitos que pautam o debate econômico atual, por isso assista o programa abaixo na íntegra.
O Observatório da Coronacrise é o programa do Observatório da Crise do Coronavírus (clique aqui para acessar), iniciativa da Fundação Perseu Abramo para monitorar a crise sanitária e econômica gerada pela pandemia e promover esforços no sentido de atenuá-la e até de superá-la.
O programa é transmitido ao vivo nas noites de quarta e sexta-feira, às 21h, no canal da Fundação Perseu Abramo no YouTube, em sua página no Facebook e no Twitter, além de ser retransmitido pelas redes sociais de Dilma Rousseff e Fernando Haddad, e dos portais parceiros: Revista Fórum, DCM e Brasil 247.