Tradução de Clara Brenck para artigo de Jamie McGeever publicado pela Agência Reuters
O Brasil está acumulando uma dívida recorde que evoca memórias de crises passadas na maior economia da América do Sul, mas alguns economistas dizem que taxas de juros mínimas e dívida externa baixa significam que o governo pode continuar gastando para sair da recessão.
O debate no Brasil sobre como colocar as finanças públicas em ordem está aumentando, com uma regra fiscal importante do governo prestes a ser quebrada.
O Brasil está a caminho de registrar um déficit orçamentário recorde de 800 bilhões de reais (US$ 115 bilhões) este ano devido às despesas de combate à crise, aumentando a dívida nacional para um máximo de cerca de 95% do produto interno bruto - um nível excepcional para uma economia de mercado emergente .
Salvo um aumento dramático nas receitas ou um aperto nas despesas, o teto de gastos - que limita o crescimento dos gastos governamentais não obrigatórios à taxa de inflação - será quebrado no próximo ano.
O governo apresentará seu orçamento de 2021 ainda este mês. O teto é de 1,485 trilhão de reais (US$ 275 bilhões), apenas 31 bilhões de reais a mais do que o deste ano. Isso dificilmente deixa espaço para manobra em tempos normais, quem dirá com os gastos extras sociais, de saúde e de investimento necessários em uma pandemia.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, e muitos economistas afirmam que o limite, aprovado durante a presidência de Michel Temer em 2016, é a base sobre a qual se constrói a credibilidade fiscal do Brasil. A crença de que não será violado comprimiu as taxas de juros de mercado e deu ao banco central espaço para cortar as taxas oficiais para uma baixa recorde de 2,00%, segundo eles.
Mas várias taxas baseadas no mercado mostram escassas evidências desses temores, e muitos outros dizem que é convincente a necessidade de manter ou mesmo aumentar os gastos deficitários para mitigar o maior colapso econômico já registrado.
O Congresso já aprovou um "orçamento de guerra" de emergência neste ano no valor de cerca de 600 bilhões de reais, que está isento das regras orçamentárias normais, como o limite de gastos.
“Assim como o mercado aprendeu a conviver com um déficit de 800 bilhões de reais, pode aprender a conviver com o debate sobre a modificação do teto de gastos. É inevitável que seja alterado de alguma forma ”, disse José Francisco Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator em São Paulo.
Crucialmente, apenas 3 por cento do total da dívida de US$ 1,45 trilhão do Brasil é em moeda estrangeira, de acordo com o Banco de Compensações Internacionais. Esse é um dos níveis mais baixos nos mercados emergentes - deixando o governo menos exposto às flutuações da moeda do que no passado.
Dentro disso, mais de 90% está nas mãos dos próprios cidadãos, de acordo com dados do Tesouro, o que significa que o governo também está menos exposto a mudanças de sentimento entre os investidores estrangeiros.
E se uma crise de dívida surgisse, o Brasil tem um caixa de guerra de $334 bilhões em reservas de moeda estrangeira para combatê-la. Isso é mais de 20% do PIB, alto para os padrões internacionais.
Enquanto os brasileiros estiverem preparados para emprestar ao governo - e não há evidência do contrário - ele pode dobrar suas regras, ajudar milhões de seus cidadãos em uma recessão selvagem e fornecer o estímulo econômico tão necessário.
“As pessoas diziam que não havia dinheiro. Então 600 bilhões de reais apareceram do nada, e está tudo bem. A criação de dinheiro é só questão de saber para que serve ”, disse Gonçalves.
REPENSANDO OS DÉFICITS
Alguns analistas dizem que a fixação no déficit e na redução da dívida é um legado de crises passadas. Ainda na década de 1990, o Brasil experimentou uma hiperinflação de 7.000% e uma dolorosa crise monetária e de dívida.
“As pessoas no Brasil pensam que grandes déficits criarão uma crise de confiança que aumentará as taxas de juros de curto prazo e então você não poderá financiar seu orçamento. Mas o que estamos vendo é o contrário ”, disse um analista de orçamento em Brasília, falando sob condição de anonimato.
“As pessoas pensam que grandes déficits criarão pressões inflacionárias. Mas isso não faz sentido porque agora temos um desemprego maciço e uma enorme capacidade ociosa ”, disse ele.
Para muitos economistas, o Brasil faz parte, desde a Grande Crise Financeira, da tendência global de crescimento morno, inflação baixa e taxas de juros em queda, apesar dos déficits orçamentários infláveis.
O rendimento real dos títulos do Brasil indexados à inflação de cinco anos é de apenas 1,55%, menor do que os níveis pré-coronavírus de mais de 2%. A taxa de juros real de juros futuros de janeiro de 2022, levando em consideração as projeções de inflação do mercado, é negativa. A taxa de referência real ‘Selic’ também está agora negativa.
Isso sugere que os mercados financeiros acreditam que o déficit orçamentário recorde representa pouco risco de inflação, taxa de juros ou financiamento do governo, apesar do debate público e frequentemente barulhento.
O governo insiste que o Brasil não pode se dar ao luxo de manter as torneiras fiscais funcionando. Mas pode ser também que não possa deixar de fazê-lo, de acordo com um trabalho da aluna de doutorado Marina Sanches e da professora Laura Carvalho, da Universidade de São Paulo, que analisa a política fiscal atual ao longo do período 1997-2018.
Elas encontram que se o investimento do governo tivesse sido mantido constante desde o início de seu plano de consolidação fiscal em 2015, o PIB em 2017 teria sido 1,4% maior. Se o investimento federal tivesse se expandido no mesmo ritmo médio do período 2006-10, o PIB teria sido 6,7% maior.
A produção seria 2,5% menor se os benefícios sociais não tivessem crescido em 2016 e 2017 devido a controles rígidos de gastos, afirmam as autoras.
($ 1 = 5,45 reais)
Reportagem de Jamie McGeever, edição de Rosalba O'Brien