Na quarta-feira, 19 de agosto, o Observatório da Coronacrise lançou aos economistas participantes a seguinte pergunta: “acabou o dinheiro do governo?” A mediação do programa ficou a cargo de Elen Coutinho, diretora da Fundação Perseu Abramo e participaram Julia Braga, professora associada da Universidade Federal Fluminense (UFF), e os professores do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas Guilherme Mello e Ricardo Carneiro.

Ao iniciar o debate o economista Ricardo Carneiro diz que não existe a rigor essa história de que o dinheiro acaba, mas também não é infinito. O dinheiro é uma relação social, uma forma de riqueza. Segundo ele o Estado tem a prerrogativa de emitir moedas. A emissão de moeda ou dívida pelo Estado altera a relação de propriedade na sociedade. “Então, o Estado pode emitir, mas isso é mediado por uma correlação de forças, que depende  do poder que os detentores de riqueza têm na sociedade, o chamado mercado”. O Estado pode, mas tem limitações que precisam ser negociadas, conclui.

Para ele, a discussão de teto de gastos é uma barbaridade. Se o governo for cumpri-lo ano que vem provocará a maior recessão da história econômica do país. Terá de reduzir o gasto público de cerca de R$ 2 trilhões para R$ 1,5 trilhão. Terá de fazer um ajuste fiscal em torno de 7% do PIB. Não pode tirar os estímulos fiscais na velocidade que querem tirar. É possível fazer um programa de renda mínima e de elevação de investimento. Isso dará chance para que o gasto privado se recupere.

A economista Julia Braga concorda com a afirmação de que o dinheiro não acabou, diz que isso ficou claro durante a pandemia, entre os economistas. Segundo ela, a dívida brasileira é basicamente interna, então o país não quebra porque é na sua própria moeda. "O que pode acontecer são impactos macroeconômicos com o mercado impondo a sua agenda, pela estrutura de poder. É preciso refletir sobre o risco fiscal, que é o que os analistas reiteram como justificativa para não superar o teto de gastos".

Segundo a professora, a maneira mais tradicional de medir esse risco é pelo risco país. “É possível avaliar pelos indicadores que não estão muito diferentes do aconteceu na crise de 2008”. O indicador relevante é a diferença entre os juros longos e juros curtos. Esta semana, por exemplo, o juro subiu. Isso normalmente reflete a expectativa do mercado de que a taxa de juros venha a aumentar adiante. Mas isso só se justificaria se a inflação aumentasse. “Não tem como a taxa de juros explodir e retornarmos a um cenário inflacionário”, prevê. Estamos numa era de juros baixos no mundo todo. Tendo em vista isso considera exagero a preocupação com o risco fiscal.

Já para o economista Guilherme Mello, o mito de que o dinheiro acabou e o Estado está quebrado existe na economia brasileira desde 2014. O Estado tem capacidade de realizar gastos públicos, aumentar o déficit público, para fazer frente a questões econômicas, sociais, sanitárias... Isso não significa que o Estado deva realizar esses gastos o tempo todo. “Como a moeda é um bem social, é um bem público, temos de pensar quais as implicações de o Estado realizar recorrentemente os seus gastos de forma deficitária, elevando a dívida, ou emitindo moeda”. Segundo ele, estamos diante de uma questão mais fundamental: o que fazer?

A crise demonstrou que há recursos e é possível angariá-los de diversas formas, com emissão de dívida, emissão monetária, transferência de recursos dentro do governo – sendo uma delas a reforma tributária. Guilherme lembra que o governo na figura de seu ministro Paulo Guedes está preso a um receituário de austeridade. Descreve o cenário político assim: “De um lado, está Bolsonaro, que descobriu que distribuir renda dá popularidade e, de outro, o ministro que não abre mão do teto de gastos. No meio do caminho estão os militares e o centrão querendo um pequeno pacote de investimento público”. Diante da constatação de que há condições de financiar os gastos e que isso não provoca fuga imediata de capitais, nem problemas de instabilidade macroeconômica, o professor propõe para o ano que vem, “investimento público, distribuição de renda e um programa que dialogue com um novo projeto de desenvolvimento”.

Assista a íntegra do programa abaixo.

O Observatório da Coronacrise é o programa do Observatório da Crise do Coronavírus (clique aqui para acessar), iniciativa da Fundação Perseu Abramo para monitorar a crise sanitária e econômica gerada pela pandemia e promover esforços no sentido de atenuá-la e até de superá-la.

O programa é transmitido ao vivo nas noites de quarta e sexta-feira, às 21h, no canal da Fundação Perseu Abramo no YouTube, em sua página no Facebook e no Twitter, além de ser retransmitido pelas redes sociais de Dilma Rousseff e Fernando Haddad, e dos portais parceiros: Revista Fórum, DCM e Brasil 247.