Por Henry Campos e Nahuan Gonçalves
Pelo menos três dos estudos mais avançados e promissores de vacinas contra a Covid-19 incluem cientistas e voluntários brasileiros, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde sobre o progresso das vacinas contra o novo coronavírus. Ironicamente isso foi favorecido pela caótica resposta do país à pandemia, como demonstra a ocorrência de mais 108 mil mortes (registro de 17/08/2020).
O crescimento rápido e constante do número de infectados fez com que o Brasil fosse visto pelos pesquisadores da vacina como um parceiro potencial de vital importância. Além do contágio com registro mantido de taxas elevadas, o número e qualidade dos pesquisadores brasileiros, associado a uma robusta infraestrutura de produção de imunobiológicos, e o grande número de voluntários brasileiros registrados para ensaios clínicos, completaram o cenário que fez do país o laboratório ideal para os testes de vacinas contra o novo coronavírus.
A parceria entre o Instituto Butantã, produtor mundialmente reconhecido de biofármacos, e a empresa chinesa Sinovac, traz ao Brasil uma das vacinas que chegou à fase 3 de testagem, fase de ensaios clínicos, e incluirá substancial número de brasileiros entre as nove mil pessoas que participarão dessa fase final do estudo, que definirá a eficácia e segurança da vacina. Cerca de cinco mil brasileiros foram recrutados, por meio de parceria com o Instituto Biomanguinhos, para o ensaio clínico que avaliará a vacina desenvolvida pelo laboratório AstraZeneca e a Universidade de Oxford. Aproximadamente mil brasileiros integram o contingente de voluntários que farão parte do teste de uma terceira vacina, produzida pelo ramo nova-iorquino do laboratório farmacêutico Pfizer.
Para o país, que tem assistido ao descaso governamental com a pandemia, o que teve entre outras consequências a proibição de viagens e o bloqueio de fronteiras para os seus cidadãos, a crise provocada pelo coronavírus poderá, graças a essas parcerias com grandes empresas farmacêuticas, revigorar o seu setor de vacinas e as instituições que empregam cientistas de alto nível, duramente penalizadas pelos drásticos cortes nos investimentos em ciência, tecnologia e inovação determinados pelo governo de Jair Bolsonaro.
Para esse mesmo país que, em 2019, pela primeira vez em 25 anos, não cumpriu a meta de nenhum programa do seu calendário vacinal, até então referência na área entre os países em desenvolvimento, embora essas parcerias sejam ainda uma aposta no sucesso, haverá muitos benefícios. O acordo firmado entre o Instituto Butantan e a Sinovac poderá fazer com que o Brasil disponha de 120 milhões de doses de vacinas no início de 2021. É esperado que o segundo acordo, entre o Instituto Biomanguinhos e o laboratório AstraZeneca, possa proporcionar acesso a 100 milhões de doses de vacina, também no início do próximo ano. A capacidade atual estimada do Brasil é de uma produção de 500 milhões de doses de vacinas por ano, devendo os fabricantes brasileiros, com a transferência de tecnologia, assumirem os estágios finais da produção, após a importação dos componentes ativos e, posteriormente o processo de produção por inteiro. Os diretores do Instituto Biomanguinhos e do Instituto Butantan, Maurício Zuma e Dimas Covas, respectivamente, estão otimistas e esperam que, uma vez atendidas as demandas internas, possa ter início a exportação para países vizinhos, também duramente atingidos pela pandemia.
Embora celebrem a entrada no Brasil na corrida global pela vacina contra a Covid-19, os cientistas brasileiros estão conscientes de que mesmo que essa seja uma excelente notícia, ela não porá fim à catástrofe sanitária que se abate sobre o país. Como ressalta Maria Elena Botazzi, pesquisadora de vacinas no Baylor College, de Houston, Texas, “ainda há muito trabalho a ser feito para que o país fortaleça a sua infraestrutura de saúde pública para reduzir a transmissão do vírus”. A materialização dessas duas possibilidades pode devolver ao povo brasileiro algo que tem faltado nos últimos anos: a sua autoestima.
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