No dia 7 de agosto de 2020, dia em que se comemora 14 anos da Lei Maria da Penha, o Observatório da Democracia recebeu um grupo de mulheres para tratar da situação de idosas e idosos em meio à crise sanitária e econômica do coronavírus.

Estiveram presentes as sociólogas Eleonora Menicucci, professora da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e ex-ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres; e Vilma Bokany, integrante do Núcleo de Opinião Pública, Pesquisa e Estudos da Fundação Perseu Abramo (FPA); a geriatra Guiomar Silva Lopes, ex-coordenadora de políticas para os idosos da Secretaria Municipal de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo; e Rosângela Barbalacco, assistente da Gerência de Estudos e Programas Sociais (Gepros) do Sesc São Paulo, pelo Núcleo Idosos. A mediação foi de Jéssica Italoema, diretora da FPA.

Eleonora iniciou a discussão lembrando da importância da Lei Maria da Penha para a proteção da vida e da dignidade das mulheres, inclusive das idosas. Também reforçou a importância de discutir as especificidades da condição da pessoa idosa, sobretudo em meio a uma pandemia que coloca idosos e idosas no centro do grupo de risco.

A ex-ministra também lembrou que a figura da pessoa idosa, sobretudo da mulher idosa, já não é mais infantilizada, seja por sua condição econômica ou por sua sexualidade, como foi durante muito tempo. “A mulher hoje – e o homem, mas mais a mulher que o homem, eu acho – ela é ativa, ela é criativa, ela é autônoma e muitas das vezes ela, com sua aposentadoria, sustenta a família, os filhos que perderam o emprego, os netos. Então é fundamental que olhem para essa mulher, mas não na perspectiva da infantilização, porque essa mulher tem inclusive sexualidade, que é ativa e não morta”.

Eleonora também lembrou que, em um momento de pandemia, as mulheres idosas precisam dedicar a si muito mais cuidado que a média das pessoas e que, por diversas vezes, precisam fazê-lo sozinhas, porque vivem sozinhas.

A segunda a falar foi Rosângela Barbalacco, representando no debate o Sesc São Paulo, instituição que atua no atendimento integral a pessoas idosas já há seis décadas. Rosângela salientou a importância da pesquisa Idoso no Brasil, feita a partir de uma parceria entre Fundação Perseu Abramo e Sesc São Paulo. A primeira edição da pesquisa foi publicada em 2006, a segunda edição será lançada no dia 21 de agosto e possibilitará pensar nas continuidades e nas mudanças nas percepções e condições de vida de pessoas idosas em todo o país.

“É uma pesquisa feita com jovens e com idosos, da perspectiva de que o jovem vai envelhecer. Ela é inédita também porque aborda temas como lazer (tema muito caro ao Sesc), uso da internet”. Rosângela apontou que a segunda edição da pesquisa incluiu também 40 entrevistas qualitativas e muitas delas tocam em temas sobre os quais a Eleonora já havia falado antes.

“Muito idoso têm casa própria dão morada a seus filhos. Há proporcionalmente muitos idosos que vivem sozinhos e era muito cruel que no início da pandemia fizessem acusações contra os idosos que saiam de suas casas, já que em torno de 13% dos idosos vivem sozinhos e outros 33% vivem apenas com mais uma pessoa, que na maioria das vezes também é idosa. Então sair de casa é fundamental para muitos idosos, que precisam comprar remédios, alimentos, essa é uma questão de sobrevivência”.

Rosângela também apontou que algumas das entrevistas abordam a questão da sexualidade em pessoas idosas, que aparece normalmente de forma socialmente muito reprimida. “A renda dos idosos caiu bastante ao longo desses anos e os idosos têm pouco conhecimento sobre seus direitos”.

Em seguida, Vilma Bokany apontou que a população idosa vem aumentando proporcionalmente em relação ao resto da população, no Brasil e no mundo. “Quando fizemos a primeira edição da pesquisa, em 2006, o Brasil tinha cerca de 9,7% de sua população com mais de 60 anos. A última PNAD, de 2019, que atualiza os dados do Censo, já eleva para 15% o percentual da população com mais de 60 anos. Pensando nisso, tanto a Fundação quanto o Sesc refizeram essa parceria para pensar que tipo de políticas públicas seriam necessárias para atender essa população que aumenta, justamente sob um governo que retira direitos da classe trabalhadora e sobretudo dos idosos”.

A socióloga reforçou que a pesquisa quantitativa teve uma amostra representativa da população do país inteiro, com mais de 4 mil entrevistas, sendo 2 mil delas com a população idosa, o que permite segmentar a análise segundo as condições de renda, região de moradia, seis diferentes faixas etárias, raça e cor, dentre outras possibilidades em um total de 14 cruzamentos, que estarão disponíveis ainda neste mês no site da Fundação Perseu Abramo.

Vilma apontou a importância de se pensar políticas públicas que criem e fortaleçam instituições de longa permanência, espaços em que pessoas idosas possam ser amparadas, criar laços afetivos e ter atendidas suas demandas de cuidado, às quais as famílias nem sempre conseguem dar a devida atenção.

“Outra questão muito séria apontada é a violência contra as pessoas idosas, que vai desde o preconceito e a discriminação até a violência física, ser privado do direito de sair, do próprio dinheiro”. Vilma lembrou que a violência contra idosos é subnotificada porque é comum que essa violência se manifeste em ambiente familiar e porque os serviços de acolhimento de denúncias são pouco utilizados.

A geriatra Guiomar Silva Lopes começou sua fala afirmando que “a determinação de 60 anos como caracterização de uma pessoa idosa não tem relação com a biologia do processo, é um número aleatório que coincide com a época da aposentadoria”. Segundo elas, o envelhecimento começa quando nascemos, mas só as detectamos quando elas se tornam visíveis nas rugas, na necessidade de óculos para leitura e no sistema imunológico.

Segundo ela, a resposta de um organismo a um patógeno é complexa, envolve muitos fatores e tem duas etapas: a defesa inata e uma segunda que se caracteriza pela formação de anticorpos. As duas etapas sofrem alterações com o envelhecimento, o que compromete a capacidade de defesa do organismo. “Por isso é comum que os idosos ao se contaminarem com o coronavírus desenvolvam sintomas graves, o que com frequência culmina na síndrome respiratória aguda.

Guiomar aponta que o envelhecimento leva a uma inflamação de baixa intensidade em quase todos os tecidos do organismo, além de lesões causadas pelo que é conhecido popularmente como “radicais livres”. Essas alterações nos tecidos podem evoluir para doenças frequentemente associadas ao envelhecimento, o que cria um ambiente propício para a infecção pelo novo coronavírus e para o agravamento da doença.

A geriatra também pontuou que, embora muitos idosos vivam sozinhos, a maioria reside com a família em núcleos familiares 4 a 5 pessoas, e que é possível que as pessoas idosas que desenvolvem a doença tenham o vírus no contato com familiares mais jovens que precisam se deslocar e trabalhar, na maioria dos casos com acesso precário a equipamentos de proteção. A desigualdade econômica foi apontada como um agravante do contágio.

Guiomar apontou também a precariedade do funcionamento de instituições de longa permanência públicas e privadas que atendem a pessoas idosas de baixa renda como um potencial perigo, que pode levar ao aumento do contágio e do agravamento dos sintomas em pessoas asiladas.

Assista à íntegra do programa: