Na sexta-feira, 31 de julho, o Observatório da Coronacrise tinha como convidados a economista Marta Castilho, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); e os economistas Paulo César Morceiro, pós-doutorando em Desenvolvimento Industrial na Universidade de Joanesburgo, e Antônio Corrêa de Lacerda, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon). Infelizmente este, mesmo a postos, não conseguiu participar por problemas técnicos. O tema foi "Indústria brasileira: impactos da coronacrise e as transformações necessárias" e a mediação ficou a cargo do economista Carlos Henrique Árabe, diretor da Fundação Perseu Abramo.

Temos observado desde o início da pandemia global da Covid-19 que alguns países têm mostrado maior capacidade de recuperação do que outros. Segundo os participantes, China e Coreia do Sul têm uma indústria forte, capacidade de planejamento e um setor de serviços de informação sofisticado. Além de conseguirem controlar a pandemia por meio de lockdown, rastreamento dos casos e testagem, esses países conseguiram fazer uma reconversão de suas indústrias muito rapidamente. A China, por exemplo, conseguiu em grande parte atender a demanda mundial por produtos médico-hospitalares, respiradores. Já o Brasil, EUA e Europa continuam com muita dificuldade. Essa crise tem mostrado que o complexo do setor de saúde deverá daqui em diante ganhar maior relevância, deve haver ampliação das indústrias de equipamentos e farmacêutica.

Segundo a explanação de Paulo Morceiro, antes da coronacrise, o Brasil já tinha dois problemas em relação à indústria: um de ordem estrutural que era o processo de desindustrialização, baixo crescimento da produtividade, por quatro décadas o setor vem perdendo participação no PIB, e o outro de natureza conjuntural, desde a crise político-institucional de 2016, o nível de ocupação da capacidade industrial não havia se restabelecido, o país tinha uma capacidade ociosa cerca de 10 pontos acima da média histórica. A partir de março houve grande queda de demanda e aumento da capacidade ociosa (em alguns setores chegou a 50%, 60%), o nível de salários caiu, devido ao programa de manutenção do governo, que permitiu redução de salário, suspensão de contratos e demissões. As atividades tanto formal quanto informou praticamente paralisou o comércio, houve aumento significativo do desemprego em vários setores. “A crise vem destruindo emprego e empresas”. Sobre as perspectivas, como a pandemia segue forte, segundo o economista, a tendência é que no terceiro trimestre o quadro se agrave e só com a vacina venha a melhorar, o que provavelmente ainda leve um ano. Portanto, o próximo período será de gerenciamento da crise, o que sabemos tem sido feito de forma insuficiente pelo Estado. Enfatiza ainda que apesar de uma crise global, a recuperação será muito desbalanceada, pois países menos competitivos terão maior dificuldade.

Marta Castilho se dedica a analisar a indústria brasileira e sua relação com exportação e importação. Segundo a economista a pandemia agravou diversas tendências que já vinham sendo observadas na economia, e no caso brasileiro também na política e em aspectos sociais. “A indústria brasileira já vinha patinando e os fluxos de comércio exterior também não tinham bom desempenho, uma vez os vizinhos e parceiros do país se encontravam com baixo crescimento”. Reitera que a indústria foi muito afetada não só em termos conjunturais, mas também estruturais, e vinha perdendo dinamismo principalmente nos setores de mais sofisticação e maior conteúdo tecnológico, em termos de valor da produção e pelas exportações. “Observamos neste ano a piora do perfil da produção brasileira e o emprego bastante afetado, principalmente da indústria tradicional, têxtil e metalúrgica, que emprega com mais baixa remuneração e trabalhadores mais vulneráveis, que já vinham ameaçados pela tendência à automação e digitalização recentes”. Outro aspecto lembrado pela economista diz respeito ao grande impacto que a queda de produtividade do setor terá na arrecadação tributária tanto no governo federal quanto nos subnacionais, que são responsáveis pelas políticas sociais.

As previsões para a evolução do comércio mundial, segundo a professora, são muito ruins, e para o Brasil só não será tão ruim se excluirmos da avaliação a indústria, levando em consideração apenas os produtos agrícolas, com destaque para a soja. ”Então a tendência é a concentração de nossas exportações em produtos agrícolas de baixo beneficiamento, perdendo em sofisticação e conteúdo tecnológico”. Segundo ela ainda isso vem a acentuar no cenário internacional o aumento de importância como mercado exportador da China, o primeiro parceiro do Brasil. “Para a China se concentram 26% das exportações brasileiras, reduzidas a soja, petróleo e minério de ferro”. Completa dizendo que os países que recebem os produtos brasileiros mais sofisticados são os parceiros latino-americanos e em parte os EUA, justamente onde a menos perspectivas de retomada das atividades.

Assista abaixo o programa na íntegra.

O Observatório da Coronacrise é o programa do Observatório da Crise do Coronavírus (clique aqui para acessar), iniciativa da Fundação Perseu Abramo para monitorar a crise sanitária e econômica gerada pela pandemia e promover esforços no sentido de atenuá-la e até de superá-la.

Os programas são transmitidos ao vivo nas noites de quarta e sexta-feira, às 21h, no canal da Fundação Perseu Abramo no YouTube, em sua página no Facebook e Twitter, e retransmitido pelas redes sociais de Dilma Rousseff e Fernando Haddad, e dos portais parceiros: Revista Fórum, DCM e Brasil 247.