Tradução de Nicole Herscovici para artigo de John Rennie Short publicado em The Conversation.

Cidades ao redor do mundo estão emergindo de paralisações pandêmicas e gradualmente permitindo que as atividades sejam retomadas. Os líderes nacionais desejam promover a recuperação econômica, com as devidas precauções de saúde pública.

Recentemente, o primeiro-ministro chinês Li Keqiang anunciou planos de crescimento econômico que incluíam a criação de 9 milhões de novos empregos e a redução do desemprego urbano para menos de 5,5%. Uma surpresa foi sua ênfase no comércio ambulante. Após décadas tentando limpar as ruas dos vendedores, o estado chinês agora os está adotando como uma nova fonte de emprego e crescimento econômico.

Estudo política urbana e pesquisei a “economia informal” - atividades que não são protegidas, regulamentadas ou frequentemente valorizadas socialmente, incluindo vendas nas ruas. Mais de 2 bilhões de pessoas em todo o mundo - mais da metade da população empregada do planeta - trabalham na economia informal, principalmente nos países em desenvolvimento. Na minha opinião, incentivar os vendedores ambulantes como parte da recuperação do COVID-19 faz sentido por várias razões.

Uma longa tradição

Vendedores ambulantes que vendem quase tudo - comida, livros, utensílios domésticos, roupas - costumavam ser um elemento comum da vida urbana dos EUA. O primeiro carrinho de mão na cidade de Nova York apareceu na Hester Street em 1886. Já em 1900, havia 25.000 vendedores de carrinho de mão na cidade vendendo de tudo, de óculos a cogumelos.

As vendas nas ruas era um trabalho de porta de entrada de baixo custo para imigrantes recém-chegados nos EUA. Serviu como o primeiro degrau essencial na escada do sucesso e ainda desempenha esse papel em muitas cidades estadunidenses.

Mas em Nova York e em outros lugares, os reformadores urbanistas viam os vendedores ambulantes como incômodos e riscos à saúde pública, e tentavam despejá-los ou movê-los para locais marginais. Os lojistas costumavam reclamar de concorrência indesejada. Os ricos desprezavam os vendedores ambulantes por serem pobres, estrangeiros ou ambos. Como os espaços públicos urbanos foram regulados e configurados para limpar as ruas dos vendedores, o capitalismo de varejo em larga escala passou a dominar a experiência de compra.

 

Vendedores ambulantes e a economia urbana informal

Apesar desses desafios, as vendas ambulantes ainda prospera em diversas cidades ao redor do mundo.

Por exemplo, em 2007 realizei um estudo em que analisava as vendas ambulantes em Cáli, na Colômbia, com a pesquisadora Lina Martinez. Nós encontramos uma operação sofistifcada em múltiplos níveis. Eles variavam de um setor bem estabelecido no movimentado centro da cidade, com melhores condições de trabalho e renda relativamente alta, a mercados menos acessíveis, que ofereciam uma oportunidade de porta de entrada para os pobres e os recentes-chegados migrantes rurais. Também descobrimos fluxos significativos de dinheiro e descobrimos que o comércio ambulante geralmente oferecia salários mais altos do que a economia formal.

Muitos programas de desenvolvimento em países de baixa renda dos anos 1950 até o começo dos anos 2000 buscavm erradicar o trabalho ambulante. Governos locais frequentemente recorriam a ações agressivas para remover os vendedores ambulantes de espaços públicos.

Contudo, recentemente muitas nações têm abraçado o comércio de rua como uma forma de reduzir a pobreza e impulsionar grupos marginalizados, especialmente mulheres pobres de minorias étnicas e raciais. Como exemplo, desde 2003 tem sido ilegal remover vendedores ambulantes de espaços públicos na Colômbia sem oferecê-los compensação ou garantir sua participação em programas de apoio à renda.

Os vendedores ambulantes também não desapareceram completamente de cidades em países ricos. Eles sobreviveram em brechós e mercados de ruas tradicionais e nos mercados de agricultores. Esses espaços urbanos animados agora são incrementados pela versão motorizada do vendedor de comida de rua: os food trucks.

Com base no sucesso dos food trucks, agora mais cidades buscam promover as vendas nas ruas. Advogados da cidade de Nova York fazem campanha desde 2016 para aumentar o número de permissões e licenças para venda ambulante, que tem sido fortemente limitada desde o início dos anos 1980. E a comida de rua se tornou um atrativo turístico nos EUA.

Venda ambulante durante a pandemia

Na minha opinião, a venda ambulante oferece muitas vantagens para as cidades retomarem as atividades econômicas após o encerramento da Covid-19. Primeiro, porque pode atenuar parte do sofrimento econômico devido à pandemia. Segundo, a venda ambulante pode ser configurada para incentivar o distanciamento social mais facilmente do que os espaços internos dos shoppings lotados. Terceiro, muitas cidades já estão sendo reconfiguradas e reimaginadas por meio de etapas como o alargamento das calçadas e a criação de ruas livres de tráfego. Essas ações criam mais oportunidades para o comércio de rua.

As medidas iniciais de estímulo econômico dos EUA favoreceram as grandes empresas e os já bem conectados. Subsídios, programas de treinamento e empréstimos com juros baixos, projetados para ajudar a estabelecer mais vendedores ambulantes, direcionariam o apoio a americanos menos ricos e com etnias diversas. Incentivar esse tipo de empreendedorismo, com seu baixo custo de entrada, é uma maneira pequena, mas significativamente mais equitativa de estimular a economia.

O comércio ambulante oferece ainda mais benefícios. Anima os espaços públicos urbanos e aumenta a segurança pública, tornando as ruas vibrantes e acolhedoras. A promoção de vendas nas ruas pode gerar emprego, manter as pessoas seguras e criar a vitalidade e cortesia que é a marca registrada das cidades humanas habitáveis.

A Covid-19 nos forçou a repensar a vida nas cidades. Acredito que devemos aproveitar a oportunidade para reimaginar uma cidade pós-pandemia mais animada, interessante e justa.