Tradução de Julia Felmanas para artigo de James Crabtree publicado por South China Morning Post.

Com o tortuoso progresso do coronavírus, o objetivo chinês de eliminar a pobreza no final do ano parece mais árduo que seis meses atrás. No final dos encontros políticos, intitulados "duas sessões", em Beijing, o premier Li Keqiang se mostrou otimista. Disse que esse objetivo seria alcançado. Mas, com a economia estagnada, os recentes avanços da luta contra a pobreza estão ameaçados.

E se estão ameaçados na China, o risco é muito maior no resto da Ásia e em todas as economias emergentes. Seja qual for a sua opinião das últimas décadas de globalização, é fato inegável que ela ajudou a retirar centenas de milhões da pobreza. Atualmente, há dois fatores que promovem o retrocesso: primeiro o choque econômico, provocado pela pandemia.

Segundo, o esfacelamento da globalização, da qual depende a recente prosperidade asiática.

Neste cenário, a posição da China é a que menos preocupa na região. A abolição da pobreza continua sendo uma das "três batalhas mais duras" que o Presidente Xi Jinping enfrenta, junto com os riscos financeiros e a redução da poluição. Batalhas estas que precisam ser ganhas para alcançar o objetivo de tornar a China em  "uma sociedade moderadamente próspera" até o ano que vem.

Dados oficiais citados por Li no mês passado sugerem que 0,6 por cento da população chinesa continua pobre. Seu governo tem sistematicamente reduzido a pobreza, tentando regenerar as áreas pobres e rurais com programas de suplementação de renda.

O coronavírus dificulta esta tarefa. O desemprego certamente vai aumentar este ano. Os trabalhadores com salários reduzidos enviarão menos dinheiro a suas famílias. A rede de segurança social chinesa é fragmentada e muitos não estão contemplados.

Porém, a situação é mais alarmante em boa parte dos outros países em desenvolvimento. De acordo com o Banco Mundial, a desastrosa contração econômica global implicará no primeiro aumento das taxas de pobreza das últimas duas décadas. Acredita-se que até 100 milhões podem voltar à pobreza.

O recente avanço no combate à pobreza tem sido precário. No leste asiático, somente 2,5 por cento da população era pobre em 2015, comparado com aproximadamente um terço no começo do século, de acordo com o Banco Mundial. Porém, um décimo desta população ainda se encaixa entre os "moderadamente pobres". Isto é, se encontram um pouco acima da linha de pobreza de US$1,90 por dia.

Muitos são idosos ou têm algum tipo de deficiência. Mesmo assim, grande parte está simplesmente presa em empregos de baixa renda, frequentemente informais. Na China, Li observou que 600 milhões ganham somente 1,000 yuan (US$140) por mês. Esta população se encontra bem acima da linha de pobreza, mas não são exatamente ricos. Em outras palavras, muitos dos que conseguiram sair da pobreza nas últimas décadas em países como a Indonésia ou as Filipinas não foram alçados, como por mágica, na classe média. Eles ainda se encontram pouco acima da linha de pobreza. Muitos, infelizmente, vão se ver abaixo desta linha de novo.

Além do impacto da Covid-19 na saúde, a expectativa é que nas economias asiáticas, afetadas pela recessão, haverá grande perda de empregos este ano. Os setores de exportação já estavam passando por dificuldades mesmo antes da pandemia, dada a recente guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. Agora, uma mistura da crise na demanda global e problemas de fornecimento a curto prazo implicarão na demissão de centenas de milhares de operários pobres.

Os setores de serviço como o turismo e hotelaria, que empregam grandes números de trabalhadores na maioria dos países emergentes asiáticos, também serão fortemente afetados. Isso trará repercussões na economia informal que é predominante em países como a Índia, onde centenas de milhares de migrantes urbanos foram forçados a voltar aos seus vilarejos. O resultado é que "os mercados de emprego na Ásia estão por um fio", como declarou o banco Nomura num relatório recente.

Para além disso, há o problema mais amplo do retrocesso da globalização pós-pandemia, impulsionado pelo aumento das tensões geopolíticas entre a China e o Ocidente. As recentes décadas de redução da pobreza na Ásia foram, em parte, o resultado de políticas exitosas, como o "dibao", o programa de subsídios Chinês e outros sistemas de transferência de renda em países como a Indonésia.

Tão importante quão, tem sido o efeito benéfico da integração global, que produziu muitas décadas de comercialização e crescimento econômico rápido, e permitiu que os exportadores asiáticos se integrassem às cadeias globais de fornecimento.

Este avanço agora é posto em risco pelos governantes nos países ocidentais que tentam desacoplar suas economias tanto da China, como dos mercados dos países em desenvolvimento no geral.

Estas duplas ameaças ao avanço do combate à pobreza na Ásia - da pandemia e da desglobalização - faz premente as ações de apoio àqueles em risco de recair na pobreza.

Deve-se começar com programas de estímulo pós-pandemia, concebidos para transferir renda diretamente. Quase 100 países fizeram isso, mas frequentemente, estas transferências respondem somente por uma pequena parcela do pacote total.

No geral, as economias emergentes precisam analisar as estruturas de suas redes de segurança social e não se limitar somente à qualidade dos sistemas de saúde durante o Covid-19. É importante também investigar até que ponto as redes de apoio social conseguiram proteger seus cidadãos da pobreza.

Uma maneira seria o financiamento de pensões universais temporárias, e benefícios para as pessoas com deficiência e as crianças durante a crise. Abordagem esta endossada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Outra possibilidade seria a introdução da renda básica universal. Um passo na direção certa seria a preparação para a implementação de um sistema de seguro desemprego formal.

Seja como for, o risco é que os melhores anos de rápida redução da pobreza na Ásia já tenham acabado. A China conseguirá alcançar suas metas de combate à pobreza, se não este ano, logo após. Mas sem esforços maiores, as outras economias irão descobrir que o caminho da redução da pobreza será muito mais difícil.

James Crabtree é professor associado da Escola de Políticas Públicas Lee Kuan Yew, Universidade Nacional de Singapura. É autor de The Billionaire Raj