da newsletter do Nexo Jornal

Pessoas pretas e pardas morreram três vezes mais por causas naturais do que as brancas durante a pandemia, indica um levantamento do Globo baseado em dados de registros de cartórios brasileiros. Nos últimos quatro meses as mortes gerais no país subiram 13%. Para os pretos o crescimento foi de 31,1%; de 31,4% para pardos; 15,3% para amarelos; 13,2% para indígenas; e de 9,3% para brancos. Quanto às doenças respiratórias, houve um crescimento de 72,8% e 70,2% para pardos e pretos, respectivamente; para indígenas, 45,5%; para amarelos, 40,4%. E, entre a população que se declara branca, o crescimento foi de apenas 24,5%.

Em relação às doenças cardíacas, os brancos tiveram até uma pequena melhora: as mortes caíram 0,5%. Mas pretos e pardos tiveram aumentos de 13,7% e 8,4% no mesmo período.

E um estudo da Fiocruz olhou para São Paulo, Fortaleza, Rio e Manaus, quatro capitais que foram intensamente afetadas pelo novo coronavírus. Descobriu que as cidades tiveram 42% de mortes naturais em excesso este ano. O trabalho contou todas as mortes de maiores de 20 anos nessas cidades por doenças como câncer, infarto, acidentes vasculares e problemas respiratórios, incluindo covid-19. Entre fevereiro e junho, foram 74.406 mortes. Com base nos cinco anos anteriores, seriam esperadas 52.133. A diferença é de mais de 22.273 mortes, das quais 14.918 tiveram diagnóstico de covid-19. Nem todas as 7.355 mil restantes podem ser atribuídas ao coronavírus, mas estão mesmo que indiretamente relacionadas a ele, de acordo com o epidemiologista Jesem Orellana, um dos autores da pesquisa. À Folha, ele explica que a crise fez com que doentes de outras enfermidades não encontrassem vaga em hospitais ou evitassem procurar atendimento.

Desdobramentos

Os outros impactos da crise do coronavírus ainda devem durar muito tempo. Foi divulgado ontem um relatório do Every Woman, Every Child, Every Adolescent (um painel independente das Nações Unidas) que estima o impacto da pandemia na saúde de mulheres, crianças e adolescentes. Cerca de 400 mil crianças e 24 mil mulheres a mais podem vir a óbito por conta de interrupções e problemas nos serviços de saúde. O documento indica que, nos últimos meses, 13,5 milhões de crianças deixaram de ser vacinadas contra doenças que podem ser fatais, mais de 20 países já relataram escassez de vacinas, até 66 milhões de crianças estão em risco de cair na pobreza extrema e 370 milhões deixaram de receber alimentação nas escolas. Além disso, houve uma interrupção no fornecimento de contraceptivos, o que pode levar a 15 milhões de gestações indesejadas. Fora que cresceu a violência doméstica contra meninas e mulheres. Em alguns países, houve 30% no aumento das chamadas de emergência.

Com isso, a pandemia poderia reverter “décadas de progresso” na saúde dessa parcela tão significativa da população. Em alguns casos, porém, esse progresso já estava ameaçado. No Brasil, por exemplo, a mortalidade infantil vinha crescendo desde 2016. “Observamos uma tendência do aumento da proporção das mortes pós-neonatal, o que vai ao encontro da crise econômica, queda de renda, aumento do desemprego e desigualdade observados nos últimos anos no país”, explica Simone Diniz, integrante do Grupo Temático Gênero e Saúde da Abrasco, à BBC. Durante a pandemia, tudo piorou ainda mais. “O país está assistindo à volta de situações que tinham ficado para trás, como por exemplo a não recomendada ‘alta’ – ou liberação – de consultas de pré-natal e a peregrinação por leitos, transferidos para tratamento de covid-19, no trabalho de parto”, narra a reportagem.

Também ontem, um estudo publicado no Lancet Global Health estimou que, nos próximos cinco anos, pode haver um aumento em número de óbitos de 10% pela Aids; 20% por tuberculose; e 36% por malária em países de baixa e média renda. Os autores, do Instituto Abdul Latif Jameel e do Imperial College de Londres, afirmam que o maior impacto em relação à Aids vai ser por problemas no fornecimento do coquetel antirretroviral. No caso da tuberculose, o risco é que o diagnóstico e tratamento deixem de ser feitos no tempo adequado. Já para a malária, deve haver problemas nas medidas de controle dos mosquitos.

Coágulos espalhados

Continua crescendo a lista de evidências de que a coagulação excessiva causada pela covid-19 pode gerar problemas graves. E agora um artigo mostra que ela não atinge só os pulmões, mas vários outros órgãos. No estudo publicado no periódico EClinicalMedicine, do Lancet, pesquisadores descrevem sete autópsias feitas em pessoas mortas por covid-19. Todas possuíam coágulos nos vasos sanguíneos menores em órgãos como pulmão, coração, rins e fígado. Isso provavelmente tem a ver com os derrames cerebrais, embolias pulmonares e tromboses observados em pacientes.

Segundo as pesquisadoras ouvidas pela Folha, os coágulos devem surgir no contexto da chamada ‘tempestade de citocinas’, com respostas imunes fortes demais. As citocinas são substâncias inflamatórias que combatem o vírus, mas que podem acabar prejudicando os órgãos. Na semana passada, a revista Clinical and Applied Thrombosis/Hemostasis publicou um artigo assinado por especialistas brasileiros e estrangeiros com orientações para o tratamento baseada nas evidências disponíveis até agora. Inclui administração de anticoagulantes.

Um possível porquê

Pessoas obesas têm mais chances de desenvolver formas graves da covid-19. Sabe-se que são mais acometidas por doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, que são fatores de risco, Mas pesquisadores da Unicamp foram procurar saber se não havia algo na obesidade em si que poderia agravar a doença. Até agora, a pesquisa sugere que o novo coronavírus pode ser capaz de infectar células adiposas e de se manter em seu interior. De acordo com o estudo, o vírus infecta melhor essas células do que, por exemplo, as epiteliais do intestino ou do pulmão. E o processo foi ainda mais acelerado quando os cientistas usaram radiação ultravioleta para induzir a senecência, um fenômeno que ocorre com o envelhecimento. Falta avaliar se as células estão de fato infectadas e se o vírus consegue se replicar dentro delas.