Introdução
Os conselheiros das centrais sindicais no Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) propõem uma resolução do Conselho estendendo o seguro desemprego em duas parcelas, de modo excepcional, para os trabalhadores demitidos durante o período de calamidade decretado em virtude da pandemia do novo coronavirus. A prorrogação em duas parcelas se dirige aos segurados - os que estão em benefício do seguro desemprego - cujas dispensas ocorreram desde 20/03/2020 até 31/12/2020, que é o período do Estado de Calamidade Pública declarado pelo Congresso Nacional em 20/03/2020, em atendimento à Mensagem Presidencial nº 97 de 18/03/2020.
Pondera a bancada que a medida possui longo alcance social, tendo em vista o fim das suspensões dos contratos de trabalho, nos próximos meses e informações econômicas que dão conta de um aumento significativo nas dispensas dos trabalhadores no segundo semestre do ano.
Esta nota técnica procura dimensionar o impacto financeiro, o número de beneficiários e a sustentação econômica da proposta, bem como dar suporte a base legal sobre a qual se apoia a iniciativa.
Aspectos econômicos
O último relatório FOCUS, publicado em 15/06/2020, aponta para uma queda de 6,5% do PIB de 2020 em decorrência da pandemia e seus desdobramentos. A última carta do IBRE, por sua vez, estima que a taxa de desemprego de 18,7% a final desse ano.
O ano de 2020 iniciou apresentando uma taxa de desemprego de 11,2%, ligeiramente menor do que o registrado em janeiro de 2019, quando ficou em 12,0%. A partir daí, a taxa subiu em parte devido a efeitos sazonais, como é usual no primeiro trimestre, mas seguiu elevando-se em abril já em decorrência da pandemia. Ainda assim, apesar do aumento de 3% em relação ao mês anterior, a taxa ficou no mesmo nível de 2019, quando registrou 12,5%.
Créditos: Dieese
Os dados anteriores nos permitem uma primeira aproximação do impacto potencial da crise no emprego. A elevação projetada do desemprego para 18,7% representa um acréscimo de 6 pontos percentuais em relação ao registrado em abril e um correspondente aumento no contingente de desempregados em cerca de 6 milhões para aproximadamente 19 milhões de pessoas ao final de 2020.
Para comparação, no auge da recente crise recessiva, em março de 2017, a taxa de desemprego chegou aos 13,7%, atingindo seu ponto máximo verificado desde o início da pesquisa, com 14,1 milhões de desempregados. Esse resultado de 2017 veio após dois anos de alta no desemprego, em 2015 e 2016, quando o PIB apresentou quedas de 3,8% e 3,6% respectivamente. No fim de 2017, contudo, o PIB registrou alta de 1% e o desemprego recuou para 11,8%. Ou seja, a atual crise é muito mais profunda e aguda, e se sobrepõe à deterioração ainda não superada nesse período anterior.
Entretanto, nem a taxa de desemprego reflete precisamente a dinâmica do segmento de emprego com carteira assinada, que oferece cobertura pelo seguro desemprego, nem o número de desocupados é um bom indicador do número de beneficiários. Enquanto o número de ocupados caiu 4,8% entre fevereiro e abril, o número de ocupados com carteira assinada teve queda de 4,2%. Os trabalhadores sem carteira assinada, junto aos trabalhadores por conta própria, são os que mais rapidamente engrossam as fileiras do desemprego. Dos cerca de 4,5 milhões de trabalhadores perderam o emprego no período, 1,4 milhões tinham vínculos de emprego com carteira assinada no setor privado.
Passando à situação do FAT, o Boletim do segundo bimestre deste ano indica uma reserva mínima de R$ 14,3 bilhões, para um total de R$ 27,5 bilhões no extra mercado, e outros R$ 300 bilhões no BNDES e Depósitos Especiais. Registra, ainda, R$ 31 bilhões em “outros valores” que compõem o Patrimônio do Fundo, cuja estimativa é de que finalize em R$ 360,3 bilhões em 2020. Ainda assim, a Secretaria do CODEFAT estima que o extramercado ficará em R$ 18 bilhões no final do ano, com uma queda de R$ 10 bilhões em relação ao saldo atual, deixando apenas um resultado de R$ 2,6 bilhões acima da reserva mínima de liquidez. Essa queda em parte se deve à própria crise decorrente do novo coronavirus.
As estimativas feitas pelo Dieese para a bancada dos trabalhadores no Fundo mostram que a extensão de duas parcelas do seguro para todos os trabalhadores, desde a decretação do estado de calamidade pública pelo Congresso em março de 2020 até dezembro de 2020, geraria um custo de cerca de R$ 16,1 bilhões, atendendo cerca de 6 milhões de trabalhadores. Esta estimativa considera algumas hipóteses para o comportamento do número de requerentes do seguro: em junho ele será igual ao verificado em maio e, a partir daí, será equivalente à média registrada nos meses de março e abril. Para o cálculo do gasto, adotou-se a média de 1,27 salário mínimo por parcela.
Além do benefício ao segurado, permitindo que este tenha um maior tempo para realocação no mercado de trabalho, em um posto condizente com sua capacitação e área, a medida tem também o condão de contribuir para retomada da economia ao suavizar a queda da massa salarial e manter a demanda agregada com a injeção dos R$ 16 bilhões extraordinários.
A proposta vê base legal para a decisão, conforme será abordado na próxima seção, e a previsão de cobertura das despesas extraordinárias com recursos do patrimônio do Fundo e, se necessário e conforme a necessidade, requisitando recursos dos Depósitos Especiais juntos aos bancos e do patrimônio alocado junto ao BNDES.
ESTIMATIVA DO GASTO COM PARCELA ADICIONAL DO SEGURO DESEMPREGO
MÊS/ANO | TOTAL DE REQUERENTES | GASTO COM PARCELA ADICIONAL |
mar/20 | 491.508 | 652.304.842 |
abr/20 | 635.567 | 843.492.744 |
mai/20 | 784.891 | 1.041.668.091 |
jun/20 | 784.891 | 1.041.668.091 |
jul/20 | 563.538 | 747.898.793 |
ago/20 | 563.538 | 747.898.793 |
set/20 | 563.538 | 747.898.793 |
out/20 | 563.538 | 747.898.793 |
nov/20 | 563.538 | 747.898.793 |
dez/20 | 563.538 | 747.898.793 |
UMA PARCELA | 6.078.082 | 8.066.526.526 |
DUAS PARCELAS | 16.133.053.053 |
Aspectos jurídicos
A fundamentação jurídica para a proposta de resolução do CODEFAT se ampara na Lei nº 7.998, no Decreto Legislativo nº 6 e na Emenda Constitucional nº 106.
Lei nº 7.998:
A Lei nº 7.998 - Regula o Programa do Seguro-Desemprego, o Abono Salarial, institui o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e dá outras providências. Dito de outro modo, nesta Lei encontramos a fundamentação legal do Seguro Desemprego, do Fundo de Amparo ao Trabalhador e do Abono Salarial, conhecido por Pis/Pasep.
É certo que o art. 4º, §4º da Lei, permite ao Codefat, dentre certas situações ampliar o pagamento de parcelas, sem autorização legislativa:
§5º O período máximo de que trata o caput poderá ser excepcionalmente prolongado por até 2 (dois) meses, para grupos específicos de segurados, a critério do Codefat, desde que o gasto adicional representado por esse prolongamento não ultrapasse, em cada semestre, 10% (dez por cento) do montante da reserva mínima de liquidez de que trata o § 2o do art. 9o da Lei no 8.019, de 11 de abril de 1990 (Incluído pela Lei nº 13.134, de 2015).
Decreto Legislativo nº 6:
O Decreto Legislativo nº 6, publicado no Diário Oficial da União, em 20/03/2020 é o instrumento formal ao qual se utilizou o Congresso Nacional para atender ao pedido da Presidência da República, feito por meio de Mensagem Presidencial nº 97, ao Poder Legislativo, no sentido de autorizar o Poder Executivo a tomar medidas excepcionais e necessárias para tomar medidas durante a “Emergência Internacional em Saúde Pública” em razão da pandemia do “Covid 19”. O Decreto, em síntese, dispensa o Poder Executivo de cumprir as metas fiscais previstas na “Lei de Reponsabilidade Fiscal – Lei Complementar nº 101/2000.
Emenda Constitucional nº 106/2020:
A Emenda Constitucional nº 106/2020, popularmente conhecida como “Orçamento de Guerra” teve origem na Proposta de Emenda Constitucional nº 10/2020 – de iniciativa coletiva, e, apresentada pelo Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Rodrigo Maia, no sentido de dotar o texto da Constituição da República de dispositivos autorizadores de certas medidas excepcionais, previstas no Decreto Legislativo nº 6 (calamidade pública). Entendeu o Poder Legislativo Brasileiro que o combate à pandemia do Covid19 e da “Emergência Internacional em Saúde Pública”, reconhecida pela Organização Mundial de Saúde, é uma situação de guerra.
Talvez a principal medida do “orçamento de guerra” seja a suspensão da regra de ouro, que impede que o governo contraia dívidas para bancar gastos correntes, tais como o pagamento de salários aos servidores e de benefícios assistenciais.
Porém o art. 3º da emenda afasta limites colocados nas Leis ordinárias, ou, complementares, e, indica que podem ser ultrapassados:
“Desde que não impliquem despesa permanente, as proposições legislativas e os atos do Poder Executivo com propósito exclusivo de enfrentar a calamidade e suas consequências sociais e econômicas, com vigência e efeitos restritos à sua duração, ficam dispensados da observância das limitações legais quanto à criação, à expansão ou ao aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa e à concessão ou à ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita.”
A expressão: "in claris cessat interpretatio" (dispensa-se a interpretação quando o texto é claro) é de amplo conhecimento e de uso no Serviço Público Federal.
Em razão disso, os Conselheiros do Codefat, em reuniões com a área técnica do Governo, invocaram como fundamento legal, para a ampliação das parcelas do seguro desemprego o art. 3º do “Orçamento de Guerra”. Em outras palavras, mesmo que a Lei determine certas restrições de despesas (caso da Lei nº 7.998) temos que estas restrições estão temporariamente suspensas, pelo texto da Emenda Constitucional nº106.
Conclusão
Pelo exposto, entende-se que a EC 106/2020, em especial o art. 3º, é o fundamento legal que pode ser utilizado para atender a proposta feita pela Bancada Representante dos Trabalhadores no Codefat, que se estenda, de forma extraordinária, o seguro desemprego em duas parcelas aos segurados, desde março até o fim de dezembro de 2020, como forma de combater os prejuízos trazidos pela pandemia aos trabalhadores que sofreram ou vierem a sofrer com a demissão involuntária neste período.
Francisco Canindé Pegado do Nascimento
União Geral dos Trabalhadores - UGT
Quintino Marques Severo
Central Única dos Trabalhadores – CUT
Sérgio Luiz Leite
Força Sindical – FS
Geraldo Ramthun
Nova Central Sindical dos Trabalhadores – NCST
Antônio Renan Arrais
Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil - CTB
José Avelino Pereira
Central dos Sindicatos Brasileiros - CS