"Spatial analysis of Covid-19 clusters and contextual factors in New York City", Spatial and Spatio – Temporal Epidemiology, 21.06.2020
Resenha de Henry Campos e Nahuan Gonçalves
Um elegante e portentoso estudo, conduzido pelos pesquisadores Jack Cordes e Márcia Castro, cientista brasileira, ambos da Harvard School of Public Health, foi realizado na cidade de Nova York com os objetivos de: identificar agrupamentos (clusters) de testes positivos contra o coronavírus, taxas de positividade e proporção de testes positivos, para entender o acesso aos serviços de saúde e o risco de contrair a Covid-19; para avaliar fatores socioeconômicos associados com esses agrupamentos. Um ponto alto do estudo é a sofisticada análise espacial de agrupamentos, associada à análise de dados e a técnicas para investigação de associações estatisticamente significantes entre diferentes variáveis. A combinação dessas metodologias permitiu avançar na compreensão de como as desigualdades existentes na cidade foram realçadas pela pandemia da Covid-19.
No final de março último, a cidade de Nova Iorque tornou-se o novo epicentro da pandemia global da Covid-19, com 104.410 casos registrados em 12 de abril de 2020. Com uma população muito diversificada, de 8,5 milhões de habitantes distribuída em cinco grandes áreas, interconectada por um sistema de metrô que se estende a áreas vizinhas, a cidade registrou ampla disseminação da doença, com distribuição heterogênea em suas várias regiões.
O fato de que a distribuição e difusão de doenças infecciosas é um processo espacial explícito, que faz com que o contágio possa concentrar-se em determinadas áreas e expandir-se em um modelo em que, por exemplo, áreas vizinhas podem apresentar taxas de infecção semelhantes, devido à proximidade e maiores ligações sociais e culturais. A interdependência de taxas de infecção entre regiões sugere que essas taxas tenham uma distribuição espacial de agrupamento. A compreensão da distribuição espacial da doença é, portanto, crítica para a identificação dos habitantes de maior risco e para direcionamento de recursos para as áreas de maior vulnerabilidade. A análise espacial é também necessária para avaliar as áreas mais atingidas e para a compreensão dos fatores de vulnerabilidade, como minorias raciais ou regiões de maior pobreza.
A análise espacial foi realizada utilizando 177 códigos de endereçamento postal, que delineiam as diversas áreas da cidade. O desenho do estudo utilizou a teoria econômico-social para direcionar o foco da pesquisa. Uma vez que a transmissão primária da COVID-19 se dá através das gotículas respiratórias, a população que depende do transporte público, metrô ou ônibus, pode ter o risco aumentado de contágio pelo contato com outros passageiros. Um risco aumentado de contrair a doença também pode ser considerado para minorias étnicas e raciais, para os imigrantes sem cidadania americana, para os desprovidos de seguro-saúde, pela dificuldade de acesso aos cuidados de saúde em razão de suas condições de marginalização. O rígido isolamento social determinado pelo governador Michael Cuomo, a partir de 22 de março de 2020, não pôde ser cumprido por aqueles levados a deixar as suas casas pela necessidade de continuar trabalhando e de garantir o seu sustento, expondo os seus próximos à contaminação pelo coronavírus. Essas características demográficas e socioeconômicas acabam por colocar, em maior risco econômico e maior risco a saúde, indivíduos e agrupamentos, aspecto relevante no modelo analisado, de expansão exponencial da pandemia.
A identificação de áreas com baixo acesso à testagem e alta prevalência de casos é necessária para avaliar o risco e alocar recursos durante a pandemia da Covid-19. Utilizando dados de 177 códigos postais da cidade de Nova York, foram analisados clusters de altas e baixas taxas de testagem, taxa de alta positividade e alta proporção de testes positivos. Plotagem de dados e correlações estatísticas definiram associações entre resultados, clusters (agrupamentos) e fatores contextuais de cada área da cidade. Foram agrupados, por código de endereçamento postal dos habitantes, o número total de testes e de testes positivos, a etnia hispânica, o acesso a seguro-saúde, o nível educacional, a ocupação, a modalidade de transporte, a mediana da renda familiar, a proporção da renda utilizada para pagamento de aluguel, o recebimento de auxílio monetário público, indicadores de pobreza.
Os resultados por códigos postais de endereçamento mostraram taxas médias de testes de 21,6/1000 habitantes, positividade dos testes de 12,1/1000 habitantes e proporção média de 55% de testes positivos.
Agrupamentos com baixa testagem e baixa proporção de testes positivos estiveram associados com alta renda, alto nível educacional e população de cor branca, enquanto que agrupamentos com altas taxas de testagem e alta proporção de testes positivos estavam desproporcionalmente associados à população negra sem acesso a seguro-saúde. As correlações mostraram uma associação inversa entre população branca, educação e renda, com alta testagem. Associação positiva foi observada entre a proporção de testes positivos e a população negra, grupos de etnia hispânica e condições de pobreza.
Áreas com menores taxas de testagem e menor proporção de positividade são indicadores de doença menos severa, população branca, maior renda e melhor nível educacional. Áreas com taxas altas de testagem e taxas mais altas de positividade apontam para casos mais graves, majoritariamente na população negra, naqueles sem seguro-saúde e quando o gasto com aluguel é igual ou maior do que 50% da renda familiar. Baixa testagem junto com alta proporção de testes positivos indicam doença severa com testagem inadequada. Os autores ressaltam que as associações descritas podem estar subestimadas pela falta generalizada de acesso à testagem, como pela alta proporção de casos assintomáticos, o que resulta em considerável subnotificação.
A análise espacial de clusters e as correlações com indicadores socioeconômicos apontam maior impacto da Covid-19, particularmente quanto à proporção de testes entre grupos social e economicamente desfavorecidos, o que expõe as desigualdades raciais, étnicas e econômicas no contexto da pandemia.
À medida que o número de casos e mortes pela a Covid-19 continua a crescer de forma exponencial, um emprego colaborativo deve ser dirigido para a proteção das populações vulneráveis de maior risco.
Leia na íntegra o artigo "Spatial analysis of Covid-19 clusters and contextual factors in New York City", in Spatial and Spatio – Temporal Epidemiology, 21.06.2020