O programa Observatório da Coronacrise nessa quarta-feira, 24 de junho, recebeu os diretores da União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região (Unas) Antonia Cleide Alves, presidenta; Maria Antônia Fulgêncio, coordenadora do movimento negro de Heliópolis e Região; Reginaldo José Gonçalves, coordenador do Observatório de Olho na Quebrada, para discutir o tema “Heliópolis contra o coronavírus”. A mediação foi de Claudinho Silva, da Favela Monte Azul.
Heliópolis é maior favela de São Paulo, localizada a 8 quilômetros do Centro, com um milhão de metros quadrados e aproximadamente 220 mil habitantes. Sua formação teve início no começo da década de 1970 e, de lá para cá, a realidade do território mudou muito, os barracos deram lugar à construção em alvenaria e o crescimento populacional também trouxe muitos problemas. A vulnerabilidade social ainda atinge muitas famílias, que em sua maioria tem a mãe como única provedora. O descaso do poder público e a resistência para manter a comunidade impulsionaram a organização dos moradores.
A presidenta da Unas, Antonia Cleide deu um panorama sobre como se deu a construção da comunidade e o início da organização no combate à pandemia. A maioria da população de Heliópolis é nordestina e até os anos 1980 a luta foi para garantir a moradia no local e a posse da terra. “Com o tempo percebemos que além da moradia era preciso ter escola, postos de saúde, entre outras necessidades. Daí nasce a Unas, como comissão de moradores. Passamos a acionar o poder público nos colocando como cidadãos. Hoje a Unas tem em torno de 52 projetos, entre creches, atendimento ao idoso, a mulheres. Para desenvolver essas políticas fomos atrás de parceiros”. Segundo Cleide, quando veio a pandemia a população já estava fragilizada: 20% da comunidade estava desempregada e 30% trabalhava na economia informal. Mas era preciso tomar as precauções necessárias para evitar a propagação do vírus. “Então, fomos atrás dos parceiros. Saímos com o carro de som, pedindo para todos ficarem casa. Fizemos vinhetas para a rádio. Quanto menos pessoas na rua melhor no momento, mesmo sabendo que pelo tamanho das moradias, nem todos conseguem permanecer dentro de casa”.
Providenciaram cestas básicas, pois o impacto na mesa do cidadão é imediato, a família fica sem comida, sem emprego, ou o salário é reduzido e o auxílio emergencial só sairia em abril. “Fomos atrás dos governos, pedimos hospital de campanha, limpeza para as nossas ruas, vielas. Percebemos como para nós a exclusão é ainda maior, pois para a empregada doméstica, para o vendedor de milho, não é possível trabalhar em casa. Precisa sair. Além da falta de espaço”, relata.
Foi uma operação de guerra e tiveram muita solidariedade. Mas por parte do poder público, tudo chegou muito atrasado, as políticas, os recursos, 20% da população não recebeu o auxílio emergencial. A alimentação escolar, imprescindível para todas as crianças, só é dada aos beneficiários do Bolsa Família. “É preciso que os governos garantam a vida e esse período com mais dignidade”, conclui Antonia Cleide.
Reginaldo, morador de Heliópolis, falou sobre o papel do Observatório de Olho na Quebrada. Lembra que a Heliópolis de décadas atrás não tinha saneamento e energia, era muito violenta, e que as lideranças locais com muita luta foram mudando esse cenário. Entre os desafios estava a falta de dados sobre o território e a comunidade, habitantes, riqueza, comércio local. Então, montaram o observatório, trabalho que conta com a participação da juventude de coleta de dados e resgate da memória, história das lutas e conquistas. No contexto da pandemia, Reginaldo explica: “mudamos a linha de atuação para coletar dados específicos, os impactos educacional, cultural e emocional. Levantamos que 65% da comunidade seguia a orientação da OMS, 68% dessas tiveram diminuição em renda mensal. Em resposta, criamos uma equipe de voluntários para arrecada doação e paralelamente prevenção”.
Maria Antonia lembra que a cada dia temos a notícia de um jovem negro morto ou de uma política que atinge a população negra. A pandemia só veio a escancarar essa situação. Por exemplo, “as mulheres negras, diaristas, ficaram sem renda. A abordagem aos jovens negros pela polícia está ainda mais brutal. Temos dados de mais de 120 pessoas foram mortas no período do isolamento”.
Reitera que quando se fala que a Covid vai atingir mais a população negra. “Isso é porque 57% da população negra está na periferia. A primeira vítima da no país era uma empregada doméstica negra. É preciso entender esse racismo estrutural. Esse governo retirou direitos e percebemos mais ainda agora o quanto isso nos afeta e o governo não tem projeto para fazer o combate à pandemia”. Maria Antonia conclui que a resistência existe e recorda que estão conseguindo revogar a lei do ministro contra as cotas para a pós-graduação.
A preocupação agora é com o relaxamento do distanciamento social e a abertura do comércio e retomada das atividades anunciada pelos governos estadual e municipal. Decisão tomada levando em consideração o mercado, sem diálogo com a sociedade.
Assista o programa na íntegra: