Texto de Henry Campos e Nahuan Gonçalves

“Por favor nos ajudem”. Redigidas num inglês precário, mensagens com pedidos de socorro, muitas vezes enviadas em garrafas atiradas ao mar, são encaminhadas do mundo inteiro por trabalhadores marítimos a múltiplos destinatários – sindicalistas, inspetores marítimos, médicos, familiares ou amigos.

Quer sejam titulares de um brevê marítimo ou empregados de bordo, para 400.000 trabalhadores marítimos, que constituem 25% dos navegantes no mundo, a pandemia virou uma armadilha. Seja na Ásia, na América Latina ou na África, numerosos governos continuam a proibir o revezamento de equipes marítimas. Isso faz com que cerca de 200.000 trabalhadores aguardem para desembarcar, enquanto 200.000 outros esperam para substituí-los. Homens e mulheres que conseguiram deixar um navio, ou ao contrário, estejam prontos para embarcar, são submetidos a uma quarentena de 14 dias, frequentemente prolongada em condições de isolamento, na maioria das vezes difíceis de suportar – alojamentos precários, acesso difícil a tecnologias de informação, impossibilidade de utilizar cartões de crédito e fazer pagamentos online, alimentação de má qualidade.

A escassez de voos de longo curso e a obtenção de vistos são fatores que igualmente dificultam a vida dos trabalhadores marítimos durante a pandemia, embora uma convenção internacional, publicada em 2006, estabeleça que o repatriamento dos trabalhadores marítimos, expirado o seu período de trabalho, é responsabilidade do empregador.

Os navios de cruzeiro foram os primeiros a fazer soar o alerta, acelerando, a partir de meados de março, a evacuação de seus passageiros ao fim de odisseias quase que épicas, quando o coronavírus já tinha infectado cerca de cinquenta dessas cidades flutuantes.

Hoje o setor de cruzeiros está paralisado. Na melhor das hipóteses a metade das embarcações turísticas retomará as atividades em setembro, se o vírus permitir. Uma das gigantes do setor, a empresa americana Carnival anunciou que dos seus 26.000 trabalhadores, 6.000 precisam ainda aguardar o repatriamento. No caso da Royal Caribbean, 11.000 dos 39.000 empregados aguardam o retorno para casa.

Mais de quatro meses depois do início da crise sanitária o clima é cada vez mais preocupante no mundo inteiro. Em longo e enérgico comunicado, enviado no dia 12 de junho, o Secretário Geral das Nações Unidas, Antonio Guterrez, qualifica como “crise humanitária” a situação de abandono dos trabalhadores marítimos, e faz forte apelo aos países para que facilitem o seu repatriamento. “Colocados em situação de incapacidade de deixar seus navios, muitas vezes após 15 meses embarcados, é situação que contraria as regras internacionais”, afirma o secretário.

Em muitas situações mesmo o pagamento do salário dos embarcados não é garantido e, com frequência, a remuneração mensal de 618 dólares por 48 horas semanais de trabalho para um marítimo qualificado, não vem sendo obedecida, como determina a Organização Internacional do Trabalho. A continuidade desse quadro sinistro preocupa a Federação Internacional dos Trabalhadores dos Transportes – FITT, à qual são filiados os sindicatos de marítimos de dezenas de países.

A situação é sem dúvidas muito crítica nas embarcações de comércio, onde prosperam, além das condições adversas já descritas, a fadiga física e o intenso estresse psicológico.

Essa situação de abandono e “invisibilidade” dos marítimos é reconhecida até mesmo pelas associações de armadores. Como adverte Jean-Marc Lacave, Delegado Geral dos Armadores da França, “sem os trabalhadores marítimos o planeta deixaria de funcionar, pois 80% do comércio mundial transita pelo mar, graças às idas e voltas de 55.000 navios”.

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