O programa do Observatório da Coronacrise, apresentado no dia 22 de maio, debateu “O Sistema Único de Saúde na Coronacrise”. Mediado pela economista Elen Coutinho, diretora da Fundação Perseu Abramo, contou com a participação dos médicos e ex-ministros da Saúde do governo Lula José Gomes Temporão, diretor executivo do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde, e Humberto Costa, senador pelo PT de Pernambuco.
Segundo Temporão, estamos vivendo uma situação que não cabe nem na medicina nem na saúde pública, pois a pandemia questiona a governança global de saúde, os modelos do capitalismo contemporâneo e a própria democracia. O Brasil já foi referência na área de saúde pública. O SUS é estudado no mundo, vários dos nossos programas são referência. E hoje o país é visto com perplexidade, pois apesar de tanta experiência acumulada, nesse momento não tem uma liderança federal e seu governo nega a ciência. Ressalta a resiliência do SUS e o maravilhoso trabalho dos profissionais de saúde.
A avaliação de Humberto é que a situação poderia ser muito pior sem o SUS, que se tivesse sido tratado de forma adequada nos últimos três anos poderia ter ainda maior capacidade pra enfrentar o atual desafio. Afinal, depois de aprovada a Emenda Constitucional do Teto de Gastos, a saúde perdeu aproximadamente R$ 23 bilhões.
“Se avaliarmos a atuação do Ministério da Saúde neste momento que é do crescimento da pandemia, constatamos que a preparação foi muito frágil, continuamos a realizar poucos testes, por isso não sabemos realmente a verdadeira dimensão de casos no país. O governo prometeu 2 mil leitos de UTI, que mesmo não sendo ideal, ainda está longe de ocorrer. A compra de respiradores que não aconteceu no tempo e na proporcionalidade adequados. Tivemos condições e tempo de ver como todos os países enfrentaram a doença e não nos preparamos”.
Para enfrentar uma situação com essa gravidade seria preciso em primeiro lugar ter capacidade de coordenação e articulação. Bolsonaro não assumiu essa responsabilidade como não deixou que o ministério a assumisse, sabotou todas medidas de isolamento social até o momento. Estamos vivendo um “salve-se quem puder”. No Nordeste existe uma articulação mínima entre governadores e prefeitos.
O potencial do SUS é gigantesco e não está sendo usado adequadamente. O sistema tem uma grande capilaridade, tem agentes de saúde em todos os municípios do Brasil. Com o Mais Médicos chegamos a todas as comunidade do país, mas foi desmobilizado. Poderíamos com certeza ter uma ação mais efetiva na atenção básica. Por exemplo, Cuba está trabalhando fortemente com as pessoas sãs e isolando os portadores assintomáticos. Isso só pode ser feito se tiver uma atenção básica muito estruturada.
Temporão reforça a necessidade do distanciamento social. Lembra que o Brasil começou em março uma tentativa de distanciamento social que chegou a 40%, 50%, que era insuficiente para diminuir a velocidade de disseminação do vírus. No início cada pessoa infectada transmitia para 3 outras, conseguimos reduzir essa média para 1,4 no país. Só que isso ainda não é suficiente. É preciso reduzi-la para abaixo de um, torná-la negativa. Recorrendo a um estudo da Unicamp, revela que se o país conseguisse manter nas próximas duas semanas o mesmo grau de isolamento, 50%, salvaríamos uma pessoa por minuto.
Ao contrário do que se viu na Europa, o Brasil tem uma população muito mais jovem. Embora os óbitos no país se concentrem na população com mais de 60 anos, o maior número de pessoas internadas está entre 20 e 50 anos. Isso porque 40% da população adulta brasileira têm pelo menos um fator de risco. É o que chamam de rejuvenescimento da pandemia.
Os debatedores ressaltaram o problema da desigualdade no enfretamento da covid-19. Para Temporão o vírus não é democrático. A morbidade e a mortalidade é muito maior entre os mais frágeis. “O risco de adoecer e morrer pela covid-19 tem a ver com onde a pessoa mora, em que condições vive, renda, escolaridade... A rede privada de saúde tem em média 4 ou 5 vezes mais leitos de UTI do que o SUS”.
Para Humberto, o problema que temos em relação ao atendimento de maior complexidade é distribuição desigual tanto regional quanto do ponto de vista do acesso aos mais pobres. Prevê que “o Senado deve aprovar na próxima semana a utilização de leitos privados quando estiverem ociosos”.
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