Por Diane Coyle para Project Syndicate

Tradução Beatrice F. Weber

A pandemia mostrou que não são as ameaças existenciais, mas sim atividades econômicas cotidianas que revelam o caráter coletivo e conectado da vida moderna. Assim como a teia de uma aranha se quebra quando alguns fios são quebrados, o coronavírus destacou os riscos decorrentes de nossa interdependência econômica.

Aristóteles estava certo. Os seres humanos nunca foram indivíduos atomizados, mas seres sociais cujas decisões afetam outras pessoas. E agora a pandemia do Covid-19 está trazendo a tona esse ponto fundamental: cada um de nós é moralmente responsável pelos riscos de infecção que apresentamos aos outros por meio de nosso próprio comportamento.

De fato, essa pandemia é apenas um dos muitos problemas de ação coletiva que a humanidade enfrenta, incluindo mudanças climáticas, perda de biodiversidade catastrófica, resistência antimicrobiana, tensões nucleares alimentadas pela crescente incerteza geopolítica e até potenciais ameaças, como uma colisão com um asteróide.

Como a pandemia demonstrou, porém, não são essas ameaças existenciais, mas sim as atividades econômicas cotidianas, que revelam o caráter coletivo e conectado da vida moderna sob a fachada individualista de direitos e contratos.

Aqueles de nós em empregos de colarinho branco que são capazes de trabalhar em casa e trocar dicas de pão caseiro são mais dependentes do que imaginávamos em trabalhadores essenciais anteriormente invisíveis, como faxineiros, funcionários de supermercados, correios e técnicos de telecomunicações que mantêm nossa conectividade.

Da mesma forma, os fabricantes de novos produtos essenciais, como máscaras faciais e reagentes químicos, dependem das importações do outro lado do mundo. E muitas pessoas doentes, auto-isoladas ou subitamente desempregadas dependem da bondade de vizinhos, amigos e estranhos para sobreviver.

A parada repentina da atividade econômica ressalta uma verdade sobre a economia moderna e interconectada: o que afeta algumas partes afeta substancialmente o todo. Essa ligação em cadeias  é, portanto, uma vulnerabilidade quando interrompida. Mas também é uma força, porque mostra mais uma vez como a divisão do trabalho melhora a todos, exatamente como Adam Smith apontou mais de dois séculos atrás.

As tecnologias digitais transformadoras de hoje estão aumentando drasticamente essas repercussões sociais, e não apenas porque sustentam redes sofisticadas de logística e cadeias de suprimentos just-in-time. A própria natureza da economia digital significa que cada uma de nossas escolhas individuais afetará muitas outras pessoas.

Considere a questão dos dados, que se tornou ainda mais saliente hoje devido ao debate político sobre se os aplicativos de rastreamento de contatos digitais podem ajudar a sair da quarentena mais rapidamente.

Essa abordagem será eficaz apenas se uma proporção alta o suficiente da população usar o mesmo aplicativo e compartilhar os dados que ela reúne. E, como o Instituto Ada Lovelace aponta em um relatório cuidadoso, isso dependerá se as pessoas consideram o aplicativo confiável e têm certeza de que usá-lo está fazendo algo de bom para elas. Nenhum aplicativo será eficaz se as pessoas não estiverem dispostas a fornecer "seus" dados aos governos que implementam o sistema. Se eu decidir ocultar informações sobre meus movimentos e contatos, isso afetaria adversamente todos.

No entanto, embora muitas informações certamente devem permanecer privadas, os dados sobre os indivíduos raramente são "pessoais", no sentido de que são apenas sobre eles. De fato, muito poucos dados são úteis se dizem respeito apenas a um único indivíduo; é o contexto - sejam dados da população, localização ou atividades de outras pessoas - que lhe dá valor.

A maioria dos especialistas reconhece que privacidade e confiança devem ser equilibradas com a necessidade de preencher as enormes lacunas em nosso conhecimento sobre o Covid-19. Mas este último ponto tem se mostrado mais relevante: nas circunstâncias atuais, a meta coletiva supera as preferências individuais.

Todavia, a emergência atual é apenas um sintoma agudo dessa crescente interdependência. Subjacente, está a constante mudança de uma economia na qual as suposições clássicas de retornos decrescentes ou constantes de escala eram verdadeiras, para uma em que observamos retornos crescentes em diversas situações.

Na estrutura convencional, adicionar uma unidade de insumo (capital e trabalho) produz um incremento menor ou (na melhor das hipóteses) o mesmo incremento na produção. Para uma economia baseada em agricultura e manufatura, essa era uma suposição razoável.

Mas grande parte da economia de hoje é caracterizada por retornos crescentes, com empresas maiores se saindo cada vez melhor. Os efeitos de rede que impulsionam o crescimento de plataformas digitais são um exemplo disso. E como a maioria dos setores da economia tem altos custos iniciais, os produtores maiores enfrentam menores custos unitários.

Uma fonte importante de retornos crescentes é o extenso know how baseado em experiência necessário em atividades de alto valor, como design de softwares, arquitetura e fabricação avançada. Tal estrutura da indústria não só favorece aqueles que já estão dentro dela, mas também significam que as escolhas de produtores e consumidores individuais têm efeito de propagação (spillover) sobre os outros.

A difusão de retornos crescentes de escala e o crescente efeito de propagação, em geral, têm sido surpreendentemente lenta para influenciar as escolhas políticas, embora os economistas tenham se concentrado no fenômeno há muitos anos. A pandemia de COVID-19 pode dificultar a ignição.

Assim como a teia de uma aranha se quebra quando alguns fios são quebrados, a pandemia destacou os riscos decorrentes de nossa interdependência econômica. E agora a Califórnia e a Geórgia, a Alemanha e a Itália, e a China e os Estados Unidos precisam um do outro para se recuperar e reconstruir. Ninguém deve perder tempo ansiando por uma fantasia insustentável.

Diane Coyle é professora  de Políticas Públicas da Universidade de Cambrigde e autora do livro Markets, State, and People: Economics for Public Policy (Princeton University Press, 2020).