Colaboração de Henry Campos* e Nahuan Gonçalves** para o Observatório
O quadro seguinte populou as redes sociais nos últimos dias:
- cem mortos: “histeria”;
- mil mortos: “gripezinha”;
- dois mil mortos: “tá indo embora”;
- três mil mortos: “não sou coveiro”;
- cinco mil mortos: “e daí?”;
- dez mil mortos: “vou fazer um churrasco”.
Em crescimento comparável ao da pandemia pelo novo Coronavírus, as diatríbes de Jair Bolsonaro tornam-se cada dia mais desequilibradas. Duramente criticado pela imprensa nacional e internacional, o “e daí?” presidencial desassossegou até mesmo a vetusta The Lancet, maior revista de medicina e saúde pública do mundo, de origem inglesa, hoje com escritórios editoriais em Londres, Nova Iorque e Pequim. Com o título “Covid-19 no Brasil: e daí?”, o seu editorial foi duro como nunca antes com um governante na resposta a uma epidemia, indicando explicitamente em sua conclusão que o País como um todo precisa unir-se numa resposta ao seu presidente, que necessita mudar drasticamente a sua conduta, sob risco de ser “o próximo a ir”.
A trajetória de Jair Bolsonaro no poder é a imagem-espelho do comportamento de Benito Mussolini e Adolf Hitler. A guerra semântica e o uso da linguagem por ele empregada evocam fortemente o fascismo e, estranhamente, parecem eficazes na promoção da sua política do “nós contra eles”, pelo menos na sua base de fervorosos seguidores. O imaginário da conspiração, presente no discurso de Hitler, marca também a retórica bolsonariana. A exemplo da ascensão nazista ao poder, Bolsonaro também chegou por meio de um sucesso eleitoral (fraudado), na esteira de uma sucessão de violências políticas – o golpe contra Dilma Rousseff, a inexplicável prisão de Lula, em tempos de grande depressão econômica. Ascende assim ao poder uma tropa de insanos, embalada pelo obscurantismo, por ideias preconceituosas, pela beligerância, pelo culto às armas, pela pseudociência, pelo desprezo aos direitos, às minorias, à cultura.
As ações do chefe de estado brasileiro, moralmente intoleráveis e tomadas ao arrepio da lei, bem como o discurso que anima essas ações, permitem antever para onde se dirigem os seus efeitos maléficos. Por quanto tempo permaneceremos inertes a essa atuação tão catastrófica?
Em LTI: A Linguagem do Terceiro Reich, Victor Klemperer, acadêmico judeu sobrevivente da II Guerra Mundial, descreveu como o nazismo “permeou a carne e o sangue da população por meio de palavras únicas, expressões idiomáticas e estruturas de sentença que eram impostas por um milhão de repetições incorporadas mecânica e inconscientemente”. Como Victor Klemperer no nazismo, muitos dos brasileiros não eleitores de Bolsonaro viram inicialmente no poder uma loucura passageira. Continuando, de modo análogo ao que ocorreu no nazismo, o que vemos no Brasil é um regime de crescente embrutecimento, o encorajamento da impiedade e da violência.
É incompreensível a permanência de Jair Bolsonaro no poder. Ele encarna o mais vil desrespeito à nação e ao povo brasileiro. A sua escatologia é reproduzida às claras e amplamente publicizada, como no abominável vídeo divulgado sábado, dia 09 de maio, quando o churrasco presidencial foi trocado por um passeio de jet ski, que celebrou a marca das 10 mil mortes no país.
O professor da PUC-MG, Carlos Eduardo Araujo, descreve o governo Bolsonaro, “que segue em sua sanha destrutiva por todos os quadrantes da vida nacional. Destruição dos nossos direitos a uma previdência social pública, destruição dos nossos direitos trabalhistas, da nossa educação pública de qualidade, do nosso direito a um ambiente ecologicamente equilibrado (com a destruição da Amazônia em tempo acelerado). Some-se a isso a entrega de nossas riquezas, a escalada da violência institucionalizada, o recrudescimento da violência urbana, a perseguição a grupos defensores dos direitos humanos, os ataques aos movimentos sociais, aos LGBTI, aos quilombolas, aos indígenas, sem que panelas tilintem, sem que os brasileiros, tão ciosos do seu verde amarelo, esbocem reação. Nepotismo e corrupção sendo naturalizados e nada! Tudo tão desolador, tudo tão carregado de angústia, de tamanha letargia, de desalentado desamparo, de atormentado desespero”.
Acorda, Brasil!
(*) Henry Campos é professor e ex-Reitor da Universidade Federal do Ceará–UFC.
(**) Nahuan Gonçalves é estudante do Curso de Ciências Sociais da UFC.