Azambuja: Mundo não está preparado para fazer sacrifícios, diz negociador do Brasil na ECO-92
Às vésperas da Rio+20, Marcos Azambuja critica “fundamentalismo ecológico” e defende negociações pragmáticas
Às vésperas da Rio+20, Marcos Azambuja critica “fundamentalismo ecológico” e defende negociações pragmáticas
As expectativas para a realização da Rio+20 (Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável), são “bem mais modestas”, admite o embaixador Marcos de Azambuja, negociador-chefe do Brasil para a ECO-92, a maior reunião de chefes-de-Estado da história realizada há 20 anos, com a presença de 117 governantes de países em busca de soluções para o desenvolvimento sustentável e para a degradação ambiental.
Para Azambuja, que também foi secretário-geral do Itamaraty (1990 e 1992), o mundo vive hoje um “momento pior” do que viveu em 1992 para as negociações. O embaixador falou ao Opera Mundi sobre a difícil missão de “refazer um mundo através de negociações multilaterais baseadas na consensualidade”. O diplomata brasileiro salienta que não existe uma solução única para resolver a crise ambiental planetária e ainda rejeita a expressão ‘economia verde’, por tratar-se de uma simplificação e conter um radicalismo. Segundo Azambuja, “a sociedade de hoje não está preparada politicamente para fazer os sacrifícios”.
O embaixador, que participou do seminário “No caminho da Rio +20 – Componentes de um mundo sustentável”, organizada pela Fundação Konrad Adenauer, também criticou o radicalismo dos grupos ambientalistas. “O problema do fundamentalismo ecológico é que fecha os caminhos possíveis e tem a mentalidade que só existe uma única via”, disse.
Quais são suas expectativas para a Rio+20?
Bem mais modestas. O mundo vive hoje um momento pior do que em 1992. Há menos esperanças, menos dinheiro e a percepção que os problemas são menos complicados do que pareciam. É muito difícil refazer um mundo através de negociações multilaterais baseadas na consensualidade. As pessoas querem uma solução abrupta. Porém, não existe uma solução única, mas um somatório de acertos. Por outro lado, o clima tem levado a atitudes perversas, vindas de fanáticos e céticos. Existe hoje uma polarização perigosa, pois os grandes problemas fazem aflorar nas pessoas uma ideia apaixonada, quase religiosa.
Em sua opinião, quais foram os avanços alcançados desde a Eco-92?
A Rio 92 foi logo depois da Guerra Fria, da queda do muro de Berlim, o fim da União Soviética. Tudo parecia que ia dar certo, inclusive a ideia de casar o meio ambiente com o desenvolvimento, a sustentabilidade. Antes se tinha dois campos, os desenvolvimentistas como o Brasil, nas décadas de 1950 a 1970, e os ambientalistas. Havia a ideia de que toda a conversa sobre meio ambiente era uma conspiração. E pouco a pouco houve uma compreensão recíproca, os ambientalistas se deram conta que sem desenvolvimento não há proteção à natureza e os desenvolvimentistas se deram conta que estão destruindo a natureza e os prejudicados eram os países. A Rio 92 teve dois casamentos, o desenvolvimento com o meio ambiente e a relação mais fácil e fluida entre a sociedade civil e os governos. Foram duas conferências, uma no Aterro do Flamengo e outra no Riocentro. Os governos, que são quem decide, não podiam mais não ouvir a sociedade civil. Vinte anos depois, nós temos um quadro internacional mais difícil, a situação financeira na Europa somados os problemas ligados ao clima.
Um dos temas que será discutido na Rio+20 é a economia verde. Como discutir algo que ainda não tem uma definição clara?
As grandes negociações internacionais tem que começar enquanto as definições não são claras. Não sou contra discutir aquilo que apenas se conhece imperfeitamente. Mas não sou muito a favor da economia verde, não gosto de dar nomes coloridos às coisas, não gostava do perigo amarelo, de que o Oriente era vermelho, são simplificações. A economia verde tem foco na sustentabilidade e em maneiras não agressivas, mas a ideia da economia verde já contem, a meu ver, um radicalismo. O verde é como se fosse uma forma de radicalização das ideias, criar uma maneira de ser coletiva que corresponda a um cânone, como se tem nas religiões.
Como o sr. tem acompanhado a difícil negociação para se chegar a um consenso do documento final da Rio+20?
Um dos problemas da negociação é a sua velocidade, estamos criando um ritmo de negociação que leva mais à exasperação e à frustração que à conciliação. Até Durban tivemos 18 reuniões das partes, as COPs, e não houve resultados. O problema dos crentes é que não se dão pausas e querem cada vez mais uma aceleração do processo. A negociação multilateral se faz através de acomodação de interesses. É difícil conciliar o gradualismo moderado da negociação com o maximalismo das expectativas. O multilateralismo é o triunfo do possível, não a vitória do melhor. Favoreço um cadenciamento das negociações e metas intermediárias, etapas para o progresso. O problema do fundamentalismo ecológico é que fecha os caminhos possíveis e tem a mentalidade que só existe uma única via. Várias vezes tivemos perto de algumas soluções boas, mas a exigência era de ir além, não se pode ir além do que as pessoas estão preparadas. No momento, a sociedade de hoje não está preparada politicamente para fazer os sacrifícios.
A crise financeira na União Europeia e nos Estados Unidos pode ter um impacto negativo na Rio+20?
Sim, porque gera uma outra agenda mais urgente. Se estão sem dinheiro e sem emprego, esta será a preocupação primária. O egoísmo nacional cresce. Cada um cuida do seu, a solidariedade diminui e a disponibilidade de recursos para ações que tem um sentido generoso e humanitário.
A possível ausência de líderes mundiais como o presidente norte-americano, Barack Obama, que está preocupado com a sua reeleição, pode ter algum efeito sobre a conferência?
Os presidentes só devem vir a reuniões que já estão resolvidas, o presidente vem para por a cereja no alto do sundae e não para negociar.
Quais os desdobramentos para o pós Rio+20?
Em 1992, produzimos o documento chamado Agenda 21 para o século. Nós estamos em 2012 e o século 21 ainda tem 90 anos pela frente. Não quero cair no ceticismo, mas não é numa correria que se faz. Pela primeira vez o ser humano que, antes era dominado pela natureza, hoje tem condições de afetar o seu equilíbrio fundamental. É preciso uma nova atitude. Se for esperar para agir contra um câncer quando os sintomas forem tão visíveis, eu morro. Tem de agir quando há indicação que a coisa vai mal. Os oceanos estão mais sujos, o degelo em certas regiões é mais intenso, geleiras tem desaparecido mais depressa, há uma parte que é antropogênica. Sou um homem com grandes convicções de que o movimento ecológico é indispensável, mas quero injetar nele uma sabedoria. Quero ficar entre o pânico e o ceticismo, uma preocupação construtiva. O problema da projeção catastrófica é que sustenta sempre o ruim e não antecipa a capacidade humana de resolver. Temos de usar o tempo e não cair no pânico. A preocupação é construtiva e o pânico, paralisante.