Relatórios internacionais mostram como redes antifeministas saíram do ambiente digital para influenciar eleições e reverter direitos de mulheres

Da internet às urnas: como o antifeminismo se tornou arma política internacional 
Fernando Frazão/Agência Brasil

Redes masculinistas usam algoritmos para organizar e monetizar campanhas antifeministas em escala global


 A ONU alertou, em 2023, que a violência digital contra mulheres crescia em todos os continentes, impulsionada por grupos antifeministas organizados online. Nesse contexto, o movimento masculinista — antes restrito a fóruns pouco visíveis da internet — transformou-se em instrumento político em diversos países, mobilizando jovens homens, influenciando eleições e impulsionando retrocessos nos direitos das mulheres. 

Segundo relatório do Observatório de Gênero e Geopolítica do think tank francês IRIS, o masculinismo ganhou força por meio de plataformas digitais cujos algoritmos aproximam usuários com visões semelhantes. Isso permitiu que redes organizassem, amplificassem e monetizassem campanhas antifeministas em larga escala. 

Nos Estados Unidos, o episódio conhecido como Gamergate, em 2014, catalisou o movimento ao reunir grupos distintos em torno do antifeminismo. Muitos expressavam hostilidade ao feminismo, ao Black Lives Matter e aos chamados Social Justice Warriors.  

Red Pill: perigo nada silencioso

O subgrupo masculinista The Red Pill, no Reddit, desempenhou papel importante ao mobilizar jovens homens para votar em Donald Trump — influência apontada pelo IRIS como relevante em sua primeira campanha presidencial. 

Esse repertório foi replicado em outros países. Na Coreia do Sul, o ex-presidente Yoon Suk-yeol atraiu jovens da comunidade Idaenam — homens na casa dos 20 anos que relatam frustrações sociais, afetivas e econômicas — para vencer as eleições de 2022. Uma de suas promessas centrais foi extinguir o Ministério da Igualdade de Gênero e Família, órgão responsável por políticas de proteção às mulheres em um país com algumas das maiores disparidades salariais e índices de feminicídio da OCDE. 

Na Argentina, mobilizações feministas — de marchas pró-aborto a protestos contra feminicídio — antecederam a ascensão de Javier Milei, ao mesmo tempo em que redes masculinistas passaram a influenciar o campo político da extrema direita.  

Nos Estados Unidos, direitos relacionados ao aborto e à população LGBTQ+ vêm sendo revertidos. Trump se aproximou de influenciadores masculinistas e incorporou pautas antifeministas à sua agenda pública. 

A diretora da ONU Mulheres para a Europa e Ásia Central, Belén Sanz, afirma que a impunidade online e a cultura incelestão ampliando riscos para mulheres e meninas. “A violência online é violência real e impacta mais as mulheres”, alertou.  

Segundo reportagem da Euronews, o ódio digital tem ampliado tensões de gênero e criado ambientes hostis para jovens mulheres em diferentes países. 

Dados alarmantes 

Estudo da Economist Intelligence Unit (2021) revelou que 74% das mulheres na Europa já sofreram violência online ou testemunharam agressões contra outras mulheres. A pornografia de deepfake, que usa imagens reais em montagens sem consentimento, é uma das formas mais graves de abuso digital. 

Relatório da empresa Home Security Heroes (2023) aponta que vídeos pornográficos de deepfake representam 98% de todo o conteúdo do tipo na internet — e 99% dos alvos são mulheres. 

Campanha global de resposta 

A ONU lança nesta terça-feira (25/11) a campanha “16 Dias de Ativismo contra a Violência Baseada em Gênero”, dedicada ao combate à violência digital. Para Sanz, o ambiente online tornou-se “um novo front na luta pelos direitos das mulheres”, onde a misoginia se organiza, se profissionaliza e tenta ganhar legitimidade pública. 

Pesquisadores alertam que o avanço internacional do masculinismo vem sendo instrumentalizado por líderes populistas como recurso político para mobilizar eleitores e reverter conquistas feministas.