COP30 e o desafio global da desinformação climática e a proposta do Brasil, por Frederico Assis
Em artigo para a Fundação Perseu Abramo, o enviado especial da Presidência da COP30 para Integridade da Informação, Frederico Assis, defende o combate à desinformação climática como condição essencial para a ação coletiva e a justiça climática
Frederico Assis

A integridade da informação climática é um tema desafiador e urgente, que vem ganhando tração no processo da COP30. Ela é hoje compreendida como uma questão transversal e de alta sensibilidade: a desinformação está impedindo a humanidade de vencer a luta contra as mudanças do clima. Impulsionados por interesses políticos, econômicos e ideológicos — e movidos por algoritmos opacos — conteúdos enganosos minam a confiança na ciência e nas instituições, enfraquecem políticas públicas, desmobilizam a opinião pública e alimentam narrativas que justificam a paralisia da ação coletiva.
Em um mundo hiperconectado e assolado por crises sobrepostas, a integridade da informação tornou-se uma base essencial para a construção de respostas coletivas aos desafios globais. Nenhum deles é tão incontornável quanto a emergência climática.
O Brasil reencontrou seu lugar no cenário global após um período de obscurantismo e isolamento internacional. Hoje, o país voltou ao centro das discussões multilaterais, impulsionado por uma diplomacia presidencial de alto nível sob a liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O país retoma sua tradição diplomática de construir pontes, reafirmando seu compromisso com o multilateralismo, a paz e a busca por soluções conjuntas aos desafios da humanidade. Essa reaproximação se expressa em eventos recentes, como as cúpulas do G20 e dos BRICS, e culminará em Belém, na conferência climática mais importante da década.
O Brasil é historicamente um protagonista da agenda climática. Possui a Amazônia, fundamental para o equilíbrio do planeta; uma matriz energética majoritariamente limpa; e um presidente respeitado nos quatro cantos do globo. Tudo isso ocorre no marco simbólico dos dez anos do Acordo de Paris, o que amplia ainda mais a responsabilidade do momento. Para corresponder a essa expectativa, o Brasil formou um time de excelência, liderado pelo embaixador André Corrêa do Lago e pelos high-level champions Dan Ioschpe e Marcelle Oliveira. As ministras Marina Silva e Sônia Guajajara, referências mundiais na defesa do meio ambiente e dos povos originários, e o ministro Fernando Haddad, que conduz o círculo de ministros da economia, também integram essa estrutura.
Um novo papel global
Nesse espírito, a Presidência da COP30 criou a figura dos Enviados Especiais — entre eles, o Enviado Especial para Integridade da Informação. A função é reunir demandas do setor e criar canais diretos com sociedade civil, especialistas, ativistas e comunicadores, fortalecendo o diálogo e a circulação responsável de informações. A missão é garantir que o debate público ocorra com responsabilidade, mobilizar influenciadores e romper bolhas, mantendo o tema vivo no debate público e sensibilizando as grandes plataformas digitais, as chamadas big techs. Como afirmou o presidente Lula, esta será a “COP da Verdade” — e sem verdade, não há confiança nem ação coletiva.
O Relatório de Riscos Globais deste ano, do Fórum Econômico Mundial, alerta: a desinformação é hoje o principal risco global no curto prazo, enquanto a emergência climática vem logo em seguida. Vivemos o que o Painel Internacional sobre o Ambiente da Informação define como “uma emergência dentro da emergência”. Nesse cenário, o Brasil ocupa posição singular. É protagonista tanto na agenda climática quanto na defesa da integridade da informação. Em reuniões preparatórias em Bonn, Londres, Rio de Janeiro e Cidade do México, o tema tem ganhado centralidade e reconhecimento internacional.
Informação confiável e ação coletiva
A atuação brasileira ocorre em duas frentes. A primeira é a promoção de informação confiável — um esforço por um debate público saudável, plural e responsável. Isso inclui valorizar o jornalismo profissional, fomentar a educação midiática e investir em campanhas de comunicação estratégica sobre temas prioritários. A segunda é o combate direto à desinformação. As campanhas de desinformação climática estão cada vez mais sofisticadas, minando consensos, polarizando o debate e tentando deslegitimar o processo da COP e seus atores. Enfrentar esse fenômeno é essencial para preservar a democracia e a própria possibilidade de ação coletiva.
Por isso, pela primeira vez, a integridade da informação integra a Agenda de Ação da COP, gerando compromissos concretos de implementação. A Presidência brasileira atua como facilitadora desse processo, articulando setores da sociedade civil e instituições internacionais em um verdadeiro mutirão global pela verdade climática.
Iniciativa Global pela Integridade da Informação
Entre as iniciativas destacadas está a Iniciativa Global pela Integridade da Informação, lançada pelo presidente Lula em parceria com a ONU e a UNESCO durante o G20 no Rio de Janeiro. O objetivo é oferecer uma resposta multilateral ao desafio da desinformação, com ações concretas e coordenação global. O projeto já conta com a adesão de países de diferentes regiões — França, Reino Unido, Dinamarca, Suécia, Chile, Uruguai e Marrocos — e o envolvimento direto da sociedade civil. Seus eixos de atuação incluem a produção de evidências sobre os impactos da desinformação, o desenvolvimento de estratégias de comunicação baseadas em ciência e o apoio ao jornalismo investigativo. Essas ações refletem um compromisso político com a verdade, a democracia e a sustentabilidade.
O avanço do negacionismo e seus riscos
Quando falamos em negacionismo científico, tratamos da recusa em aceitar as evidências sobre as mudanças climáticas. Essa negação, motivada por interesses políticos, econômicos ou ideológicos, assume novas formas — do ceticismo estratégico ao obstrucionismo climático — que buscam relativizar a urgência das soluções. O perigo é claro: o negacionismo atrasa medidas de prevenção e mitigação, desorienta ações diante de desastres e afeta, sobretudo, os mais vulneráveis. Estudos mostram que mentiras têm 70% mais chances de serem compartilhadas do que informações verdadeiras.
O Painel Internacional sobre o Ambiente da Informação alertou que existe uma rede global de desinformação, alimentada por grandes companhias, partidos de extrema direita e influenciadores, que sistematicamente minimizam responsabilidades ambientais e transferem a culpa para países mais pobres. Essa engrenagem global da desinformação corrói a convivência democrática e aprofunda desigualdades.
O papel das grandes plataformas
No centro desse debate estão as grandes plataformas digitais. As big techs são hoje atores políticos globais e não apenas empresas privadas. Seu modelo de negócios, baseado na disputa pela atenção, favorece a polêmica, a indignação e a mentira. A tecnologia não é neutra — ela premia o conflito e estimula a polarização. As soluções passam por três pilares: regulação inteligente, capaz de proteger a liberdade sem abrir mão da responsabilidade; transparência algorítmica, para que se compreenda como funcionam os mecanismos que determinam o que chega a cada usuário; e educação midiática, para formar cidadãos mais preparados diante desse ecossistema informacional.
Superar a desinformação é mais do que proteger fatos — é proteger vidas. Promover a integridade da informação climática é pôr em marcha nossa capacidade de enfrentar a maior crise da humanidade com diálogo, inteligência e coragem. A mensagem que o Brasil leva à COP30 é inequívoca: a integridade da informação não é um requisito técnico, é um compromisso político com o futuro do planeta.
Frederico Assis é Enviado Especial da Presidência da COP30 para Integridade da Informação.



