Lô Borges: a despedida na esquina onde tudo começou
Foto: Arquivo Pessoal

“Aquela” esquina de Belo Horizonte voltou a cantar. No encontro das ruas Divinópolis e Paraisópolis, no bairro Santa Tereza, flores, velas e acordes marcaram o adeus a Lô Borges, um dos fundadores do Clube da Esquina e nome essencial da música brasileira. O cantor e compositor mineiro morreu no domingo (2), aos 73 anos, em Belo Horizonte, vítima de falência múltipla de órgãos após 18 dias de internação.

Antes dos primeiros acordes ressoarem, ouviram-se os aplausos. Foi com palmas e canções que fãs, amigos e familiares celebraram sua vida. O vão do casarão onde estão as placas que registram o nascimento do Clube da Esquina se transformou em altar. Em meio às flores, uma faixa amarela trazia a mensagem: “Celebramos a vida e a arte de Lô Borges”.

Entre os que se apresentaram, estavam os irmãos Marilton e Nico Borges, Toninho Horta, Makely Ka, Bárbara Barcellos, Flávio Boca, Marcelo Dande e Vito Mancini. Em coro, o público entoou “O Trem Azul”, “Tudo o que você podia ser”, “Paisagem da janela” e “Quem sabe isso quer dizer amor”.

O evento foi organizado por músicos e coletivos locais, como o Coletivo Alvorada, e se estendeu até o fim da noite. Portas e janelas abertas viraram camarotes improvisados. O trânsito foi bloqueado. A cidade, silenciosa e musical, parou para ouvir o eco de sua própria história.

Homenagens e despedida

O velório aconteceu nesta terça-feira (4), no Palácio das Artes, em Belo Horizonte. O Coral Lírico de Minas Gerais e o Coral do Senado cantaram em homenagem ao artista. O mineiro Maurício Tizumba apresentou “Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor” e “Trem Azul”. 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a primeira-dama Janja enviaram flores com a mensagem: “Sua partida deixa um silêncio. Mas não vamos chorar, é só a Lua”, citando versos de “Um girassol da cor do seu cabelo”.

O Governo de Minas Gerais decretou luto oficial de três dias. Em nota, o Ministério da Cultura destacou que “sua voz e composições traduziram o espírito mineiro em forma de poesia e melodia”. Lula escreveu: “As canções de Lô Borges nasceram nas esquinas de Belo Horizonte e ficaram gravadas na memória e no coração de milhões de brasileiros. O Brasil agradece a Lô Borges”.

Quem foi Lô Borges

Nascido em 1952, em Belo Horizonte, Salomão Borges Filho começou cedo na música. Foi com Milton Nascimento, Beto Guedes, Fernando Brant e Toninho Horta que ajudou a criar o Clube da Esquina — um dos movimentos mais inventivos da MPB, nascido entre os anos 1960 e 1970.

Seu primeiro álbum solo, de 1972, ficou conhecido como “o disco do tênis”, pela capa. No mesmo ano, lançou com Milton o histórico “Clube da Esquina”, um marco da música brasileira. Voltou à carreira solo com “A Via Láctea” (1979), que trouxe canções como “Vento de maio” e “Nau sem rumo”.

Ao longo das décadas, firmou parcerias com artistas de gerações diferentes — de Nando Reis e o Skank a Zeca Baleiro e Márcio Borges. Entre 2019 e 2025, lançou sete discos colaborativos. Todos carregam a marca que o tornou único: a capacidade de transformar o cotidiano em melodia e a melodia em eternidade.