Para aprimorar a rede pública de saúde, o governo federal aposta em integração de dados, maior oferta de especialidades nos territórios, mutirões e novos equipamentos

Saúde aposta em programas nacionais, redução de filas e integração digital no SUS
Agência Brasil

Sancionada pelo presidente Lula na última terça-feira (7), a lei que cria o Programa Agora Tem Especialistas pretende reduzir o tempo de espera por consultas e procedimentos no SUS. A iniciativa faz parte de uma estratégia mais ampla do governo federal para integrar dados, ampliar a oferta de especialidades e modernizar a rede pública de saúde.

Anunciado em julho via Medida Provisória, o texto passou pela Câmara dos Deputados e pelo Senado e teve a sanção presidencial sem vetos. O presidente agradeceu o empenho do Congresso na tramitação e afirmou que está “realizando um sonho” com a materialização do projeto.

O programa concentra esforços em seis áreas prioritárias — oncologia, ginecologia, cardiologia, ortopedia, oftalmologia e otorrinolaringologia — e prevê a ampliação de serviços em parceria com clínicas privadas, por meio de incentivos fiscais estimados em R$ 2 bilhões anuais.

Além dos hospitais que integram o Sistema Único de Saúde, o SUS, o programa pretende credenciar clínicas e hospitais da rede privada e ampliar o horário de funcionamento das policlínicas aos finais de semana.

Outras estratégias englobam 28 carretas de pronto-atendimento que estão em circulação em 22 estados. Neste mês, integrando a campanha do Outubro Rosa, são ofertados exames como mamografia, ultrassonografia mamária e transvaginal, punções e biópsias. Há também uma frente voltada aos teleatendimentos, respeitando os princípios éticos e a proteção de dados dos usuários do SUS.

Com recursos do Novo PAC Seleções 2025, o Ministério da Saúde prevê a criação de 100 novos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), 31 policlínicas e 768 novas Unidades Básicas de Saúde (UBS).

Especialistas nos territórios

De acordo com dados do Ministério da Saúde, a maior parte dos médicos especialistas está concentrada no Distrito Federal, Rio de Janeiro e São Paulo. No total, são 244 mil médicos generalistas (40%), enquanto os especialistas somam 353 mil (59%), mas seguem ausentes nas regiões mais distantes e concentrados na iniciativa privada.

No fim de setembro, no âmbito do programa, o governo federal anunciou a chegada de 322 novos médicos em 156 municípios das cinco regiões. O Nordeste, historicamente com menor taxa de especialistas por habitante, recebeu o maior número de profissionais — 188 médicos. A segunda etapa de contratações está em andamento.

Saúde aposta em programas nacionais, redução de filas e integração digital no SUS
Ricardo Stuckert/PR

“Estamos levando especialistas onde há falta desse profissional, para o interior do país, e garantindo o atendimento da população. O objetivo não é colocar mais médicos onde eles já estão, mas levá-los para onde é preciso, reduzindo o tempo de espera no SUS”, explicou o ministro da Saúde, Alexandre Padilha.

Além da distribuição dos profissionais pelo território nacional, há também o investimento na formação de novos médicos. Foram oferecidas quatro mil bolsas de residência — três mil em especialidades como anestesiologia, radiologia e cirurgia oncológica, e mil em áreas voltadas à saúde da mulher e à saúde mental.

Desafios

“O programa é interessante. Pela primeira vez, nos 35 anos de SUS, entra na agenda a redução das filas. Isso significa fazer uma reforma no funcionamento dos hospitais e serviços especializados. A principal dificuldade, acredito, é a implementação junto às secretarias estaduais, muitas vezes administradas por governos de oposição”, avalia Gastão Wagner.

Professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Gastão Wagner foi um dos pioneiros na implementação do SUS. Atuou como secretário de Saúde de Campinas em duas gestões e foi secretário-executivo do Ministério da Saúde no primeiro governo Lula. É também um dos organizadores do livro Nas entranhas da atenção primária à saúde, publicado em 2021.

O Brasil, segundo o Ministério da Saúde, está dividido em 450 regiões do ponto de vista da oferta de serviços, e “as carências e dificuldades de acesso variam muito entre elas”, destaca o professor.

Ele cita como exemplo a disparidade no tratamento de câncer de mama na macrorregião de Campinas, que tem um ritmo que favorece as chances de cura, em comparação com a região metropolitana de Fortaleza, onde a oferta de serviços é mais escassa. “Por conta disso, é necessário que o diagnóstico do problema e as ações de planejamento também sejam elaborados regionalmente”, opina o médico.

Entre os exemplos positivos, Gastão Wagner destaca a rede de transplantes de órgãos, que integra hospitais públicos e privados sob coordenação do governo federal. “O sistema fornece até mesmo helicópteros para o transporte, com uma organização integrada e bastante transparente”, lembra.

Redução das filas

Apesar de marcada no senso comum como sinônimo de abandono, a chamada “fila do SUS” tem critérios bem estabelecidos de funcionamento. Uma reportagem do portal Outras Palavras abordou o tema em entrevista com os autores do artigo Listas de espera na atenção ambulatorial especializada: reflexões sobre um conceito crítico para o Sistema Único de Saúde, publicado nos Cadernos de Saúde Pública, da Fiocruz.

Um dos autores, Arthur Chioro, explicou ao site que “o SUS não trabalha com fila de balcão, mas com listas de espera reguladas, organizadas por risco, vulnerabilidade e critérios de justiça sanitária. Esse não é um detalhe técnico; é o coração da equidade no sistema”. Ele acrescenta que “o termo fila acaba funcionando como uma arma discursiva para desgastar o SUS, alimentando a ideia de desorganização e ineficiência”.

Chioro é presidente da Ebserh, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, responsável pelos hospitais universitários, que protagonizaram grandes mutirões nacionais. O mais recente, realizado em setembro, quebrou recordes ao realizar 34.290 atendimentos em um único dia.

Em entrevista à Focus Brasil, Chioro afirmou: “É um problema complexo, multifatorial, e o governo federal, ao conduzir o programa Agora Tem Especialistas, se depara com desafios em vários eixos, que envolvem gestão e organização. A fila, em si, não é o problema — e sim o tempo que as pessoas passam nela”.

O presidente da Ebserh destacou ainda o fato de as pessoas entrarem e saírem de diferentes filas no mesmo sistema. “A pessoa entra pela consulta com o clínico geral, depois vai para a fila do exame, e depois volta para a fila do especialista”, explica.

Nesse sentido, a ideia do governo federal é não apenas reduzir o tempo de espera, mas também integrar o histórico médico dos usuários. Para isso, o Decreto nº 12.560/2025 regulamenta a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS) e as Plataformas SUS Digital, visando modernizar o sistema por meio da governança de dados.

O decreto transforma a RNDS em política de Estado, eleva seu status jurídico, detalha o funcionamento das plataformas e estabelece as bases para a federação da rede, aprimorando a continuidade do cuidado e a integração das informações em saúde no Brasil.

Apesar dos desafios, a saúde pública no país segue com resultados positivos. Em 2024, o Brasil realizou cerca de 14 milhões de cirurgias eletivas, um aumento de 36% em relação a 2022. Segundo o instituto Ipsos, a proporção de brasileiros que consideram o SUS bom ou muito bom subiu de 18% em 2018 para 34% em 2025, na contramão da tendência mundial.