Relatora da ONU alerta para proibição de celebrações por palestinos e cita apartheid; governo palestino afirma que mais de 10 mil permanecem detidos ilegalmente

Acordo de Gaza: comunidade internacional apela para que vigilância seja mantida
Foto: Arte Focus Brasil

As imagens da festa em Tel Aviv pela libertação dos reféns israelenses contrastam com o cenário de destruição total em Gaza. Cerca de 80% dos edifícios da Faixa foram danificados e, na capital, Cidade de Gaza, o número chega a 92%. 

As cenas de grupos avançando entre escombros são devastadoras: ao menos 55 milhões de toneladas de destroços precisam ser removidos. 

De acordo com a Agência da ONU para os Refugiados Palestinos (UNRWA), 88% das empresas da região foram completamente ou parcialmente destruídas.

A relatora especial das Nações Unidas para os territórios palestinos ocupados, Francesca Albanese, manifestou preocupação com a proibição imposta por forças israelenses a celebrações pela libertação de prisioneiros na Cisjordânia ocupada.

Em publicação na rede X, Francesca afirmou que, embora “chamem de paz” o acordo, “para os palestinos, isso se aproxima do pior apartheid”. Segundo ela, “todos os olhos devem permanecer voltados à Palestina. Povos do mundo, não desviem o olhar agora”.

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Foto: Reprodução do X

O professor de economia Yanis Varoufakis endossou as críticas, escrevendo na mesma rede que, “enquanto israelenses celebram a libertação de seus reféns, famílias palestinas são aterrorizadas com a possibilidade de sofrer represálias caso ousem comemorar. Isto não é paz, é apartheid em sua forma mais crua”.

Palestinos ainda detidos em Israel

Segundo a Autoridade Palestina, mais de 10 mil palestinos permanecem detidos ilegalmente em Israel, apesar da troca de capturados realizada na segunda-feira (13). Dados oficiais indicam que 1.968 prisioneiros palestinos foram libertados desde o início do acordo.

Adicionalmente, registrou-se a morte de pelo menos 77 palestinos em centros de detenção israelenses nos últimos dois anos, enquanto 360 crianças continuam encarceradas.

O chefe da UNRWA, Philippe Lazzarini, somou-se aos apelos pelo acesso de jornalistas internacionais à Faixa de Gaza, argumentando que eles podem “apoiar e prestar tributo ao trabalho heroico dos profissionais de imprensa locais”.

Lazzarini defendeu ainda a urgência de garantir educação e assistência humanitária ao território, além de “paz por meio de cura, justiça e reconhecimento mútuo”. O dirigente saudou as reuniões entre famílias israelenses e palestinas realizadas na segunda-feira, classificando-as como “um raio de esperança após mais de dois anos de escuridão total”.

Urbicídio e destruição deliberada

O professor de Relações Internacionais da PUC-SP, Reginaldo Mattar Nasser, utiliza o conceito de urbicídio para compreender a estratégia de Israel em Gaza, que ele descreve como uma tática deliberada de destruição da vida civil e do ambiente urbano.

“Em algumas situações históricas de genocídio há eliminação da população, mas certa preservação do espaço de vida. Em Gaza, há um cercamento desde 2005. Por volta de 2011, uma comissão da ONU avaliou que, em dez anos, seria muito difícil viver ali”, explica.

O termo urbicídio foi cunhado pelo sociólogo e politólogo italiano Francesco Mazzucchelli, em estudo sobre os efeitos da destruição e reconstrução de cidades. Nasser insiste que Israel agiu para promover o genocídio e o urbicídio. 

“Não existe exército do Hamas. O Hamas não tem blindados, não tem força aérea, há muito tempo não tem mísseis. Se quisesse atacar o Hamas, não havia necessidade militar de bombardeios que arrasam tudo. Não havia necessidade de terra arrasada”, afirma.

Reconstrução e o futuro de Gaza

O professor avalia que a situação é gravíssima e que é preciso concentrar todos os esforços na reconstrução — e, sobretudo, em atender ao anseio do povo palestino. “Vamos ver como vai ser essa reconstrução e para quem ela será feita”, pondera.

Ele alerta para “estratégias e discussões que desviam a atenção do que é realmente urgente”, acrescentando que “a discussão sobre a solução de um ou dois Estados é uma bobagem estéril, sem concretude”.

Nasser cita como exemplo a recém-anunciada entrada da Palestina em blocos como o BRICS. “Esses temas nos atraem, mas desviam do concreto. Se eu reconheço a importância de uma pessoa, mas ela está passando fome, presa ou sendo torturada, o reconhecimento não adianta nada. Há cerca de 150 nações que reconhecem o Estado da Palestina, mas e daí?”, provoca.

O especialista conclui que a prioridade deve ser garantir educação, reconstruir escolas e hospitais e oferecer condições reais de vida. 

“Devemos concentrar a luta naquilo que é possível reconstruir em Gaza, o que é o anseio do povo palestino que ali reside. Eu preferiria que a agenda fosse sobre o envio de bilhões de dólares em alimentos, remédios e ajuda humanitária, em vez de discutir abstrações e generalidades”, finaliza.