A vitória de Sanae Takaichi no comando do Partido Liberal Democrático consolida o avanço da extrema-direita japonesa e acende o alerta para riscos à comunidade imigrante, inclusive a brasileira, analisa Miguel Kamiunten

Extrema direita ganha espaço no Japão: imigrantes podem ser os mais afetados
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No dia 4 de outubro, o Japão assistiu à eleição de Sanae Takaichi como nova líder do Partido Liberal Democrático (PLD), o partido no poder na maioria das eleições que ocorreram desde 1955. Ex-ministra dos Assuntos Internos e da Segurança Econômica, Takaichi derrotou Shinjiro Koizumi em votação interna e deve se tornar a primeira mulher a ocupar o cargo de primeira-ministra do Japão. Sua vitória não é apenas simbólica: representa também a consolidação de um discurso conservador-nacionalista em um momento de incertezas econômicas e sociais.

Enquanto parte do debate político se concentra em medidas fiscais, como cortes de impostos ou estímulos ao consumo, a pauta da imigração tem ganhado cada vez mais espaço. Takaichi prometeu endurecer regras de permanência de estrangeiros, intensificar a fiscalização e ampliar medidas de segurança em regiões turísticas e áreas com forte presença de residentes não japoneses.

Para o professor japonês Shunsuke Tanabe, especialista em política migratória da Universidade Waseda, “é uma abordagem oportunista. O país se beneficia do trabalho dos estrangeiros, mas não investe em integração nem garante seus direitos”. Esse posicionamento pode sinalizar maior vigilância e restrições administrativas, alimentando terreno fértil para episódios de xenofobia. O contraste é evidente: o Japão precisa de mão de obra estrangeira para compensar o envelhecimento populacional e a escassez de trabalhadores, mas ao mesmo tempo reforça discursos que dificultam a integração de comunidades imigrantes.

A guinada à direita também se reflete no crescimento do Sanseito, partido que conquistou recentemente 15 cadeiras no Parlamento. Inspirado no America First de Donald Trump, o lema “Japanese First” vem sendo usado para defender deportações rápidas, revisão de vistos, restrições à compra de imóveis por estrangeiros e leis de prevenção à espionagem.

Embora não tenha força suficiente para aprovar mudanças sozinho, o Sanseito conseguiu algo mais estratégico: influenciar a agenda dos grandes partidos, inclusive o PLD. Analistas alertam que essa normalização da retórica xenofóbica é hoje o maior risco político para as comunidades estrangeiras residentes no Japão.

Riscos para os imigrantes

O cenário projeta ameaças concretas para os 3,3 milhões de residentes estrangeiros no Japão, incluindo a comunidade brasileira, que já soma décadas de contribuição econômica e social. Entre os pontos de atenção estão:

Visto permanente: mudanças previstas para 2027 tornam o status mais vulnerável, atrelando sua estabilidade a pendências fiscais e previdenciárias.
Discursos políticos: maior associação entre estrangeiros e problemas de ordem pública, o que pode levar à estigmatização.
Mercado de trabalho: risco de aumento de barreiras e menor reconhecimento da contribuição de imigrantes.
Próximas gerações: maior dificuldade para descendentes de quarta geração (yonseis) obterem visto de residência.

Em resumo, cresce o risco de o imigrante se tornar bode expiatório para problemas estruturais: o envelhecimento da população, a estagnação econômica e a falta de reformas sociais profundas.

Resistência e mobilização comunitária

Em julho, o Movimento Brasileiros Emigrados (MBE), junto a 1.159 organizações, assinou a “Declaração Coletiva de Emergência das ONG contra o incitamento à xenofobia”. O documento alertou para o crescimento do discurso de ódio e reivindicou políticas de igualdade de tratamento para estrangeiros.

Entidades comunitárias defendem que a resposta a esse cenário passa pelo fortalecimento das associações de imigrantes, maior articulação com sindicatos e organizações japonesas, e diálogo constante com governos locais onde a presença de estrangeiros é mais visível no cotidiano das cidades.

Um paradoxo japonês

O Japão enfrenta um dilema: depende cada vez mais de trabalhadores estrangeiros para sustentar sua economia, mas avança em discursos que alimentam desconfiança e exclusão. Para analistas, o futuro será mais promissor se construído com integração, solidariedade e inclusão. Caso contrário, o risco é transformar imigrantes em bodes expiatórios de problemas estruturais, como o envelhecimento populacional, a estagnação econômica e a ausência de reformas sociais profundas.

Se a extrema-direita cresce no grito, nós precisamos crescer na organização, na construção e na voz coletiva.

Miguel Kamiunten é educador, cofundador do MBE – Movimento Brasileiros Emigrados. Mora em Tóquio e pesquisa a participação e representação política dos brasileiros emigrados. É filiado ao PT e integra militância petista no exterior.