Romper o cerco dos donos da bufunfa e seus aliados, por Alberto Cantalice
As origens históricas da desigualdade e o poder político do agronegócio e do mercado financeiro, escreve o diretor de comunicação da FPA, Alberto Cantalice

No Brasil, a perversa concentração de rendas e riquezas nos coloca na vexaminosa posição de uma das dez economias mais desiguais do planeta. Essa concentração vem desde as capitanias hereditárias, na época da colonização, e se espraiou pelo Império, pela República Velha e persiste até os dias atuais. Incontáveis historiadores, sociólogos e antropólogos identificam a herança da colonização escravocrata por trás das iníquas condições de vida a que parte da população brasileira é submetida.
Os bolsões de pobreza nas áreas das grandes cidades, a ocupação de morros e encostas são frutos da ausência de uma reforma agrária no período da abolição da escravatura, da derrubada dos cortiços para a modernização das cidades, sem a preocupação de alocar essa população em espaços com um mínimo de condições de habitabilidade.
Esses bolsões de miséria foram engrossados pela grande migração interna, onde a fuga das áreas de seca e de ausência de trabalho com a falência da monocultura do açúcar, e a busca por uma vida melhor no Centro-Sul do país, movimentaram milhões de brasileiros. Um dos movimentados foi Luiz Inácio Lula da Silva. Nascido no agreste pernambucano, foi trazido para São Paulo junto com os irmãos por Dona Lindu, na tentativa de recomposição do núcleo familiar, já que seu pai tinha migrado antes.
Lula, tal qual milhões de nordestinos no século XX, viveu as mesmas agruras que sofreram os negros e negras libertos: a ausência de uma moradia digna ou de um pedaço de terra onde pudesse iniciar a vida.
Fome, más condições de vida, enchentes e subemprego eram o que se apresentava como panorama para os deserdados da terra no Brasil. Mesmo a Revolução de 30, liderada por parte das oligarquias e dos tenentes e tendo como “chefe” Getúlio Vargas, criou a CLT para os trabalhadores urbanos e excluiu os trabalhadores rurais, já que não conseguiu se contrapor à força do agrarismo.
Só recentemente, com a Constituição de 1988, se conseguiu a inclusão dos trabalhadores rurais na Previdência Social, tendo a União que suportar um grande passivo social, que naturalmente seria uma dívida dos patrões.
O agrarismo, transmudado hoje para agronegócio, cresceu e se tornou a potência econômica que é graças aos financiamentos do Banco do Brasil e à excelência da empresa pública Embrapa: com sua expertise em uso do solo, melhor aproveitamento das sementes e da irrigação.
O tal agronegócio, apesar de representar algo em torno de 5% da economia nacional (podendo chegar a 20% se incluir a cadeia de beneficiamento, agroindústria), controla quase a metade do Parlamento brasileiro. Um contrassenso.
Com lucros exorbitantes e pouco tributo, o setor hoje é um dos grandes investidores no mercado financeiro e de títulos públicos, via aplicações bancárias. É esse casamento de interesses que transforma a bancada ruralista em defensora intransigente dos interesses do mercado financeiro. É a consagração do “legislar em causa própria”.
Foram também setores do “agro” que financiaram a ocupação de portas de quartéis e aluguéis de ônibus para o 8 de Janeiro.
Logicamente, a ramificação do andar de cima não se reduz aos empresários do agro. Os banqueiros, os especuladores da moeda, os donos da jogatina, os operadores de plataformas das big techs, entre outros, é que são os donos da bufunfa. Eles são poucos perante os 210 milhões de brasileiros. Porém, detêm o poder econômico e tentam, pela manipulação midiática, controlar a narrativa de que o governo é gastador.
Esse discurso mentiroso, se confrontado com a realidade das isenções tributárias do andar de cima, não para em pé. É contra esses interesses que estamos lutando. Não é pouca coisa!