Relatório da Polícia Federal aponta que estrutura clandestina na Abin atuou para proteger aliados, espionar autoridades e alimentar desinformação nas redes. Além do ex-presidente, Carlos Bolsonaro e Alexandre Ramagem foram indiciados como líderes do esquema clandestino 

Abin de Bolsonaro virou máquina ilegal de vigilância e desinformação, diz PF
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O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi novamente indiciado pela PF, desta vez sob a suspeita de ter se beneficiado de uma estrutura clandestina dentro da Abin para espionar adversários políticos, ministros do STF e jornalistas. Também foram indiciados o deputado federal Alexandre Ramagem (PL), ex-diretor-geral da agência, e o vereador Carlos Bolsonaro (PL), apontado como chefe do “gabinete do ódio”, responsável por disseminar conteúdos com base em informações obtidas ilegalmente, além de uma rede de desinformação. Os três já são réus no processo da tentativa de golpe de Estado.

Segundo investigadores, a estrutura paralela alimentava as redes bolsonaristas com material colhido fora de qualquer protocolo legal. O relatório da PF será, agora, enviado à Procuradoria-Geral da República (PGR), que poderá denunciar os envolvidos, pedir novas diligências ou arquivar o caso. Até o momento, Bolsonaro e Ramagem não comentaram o novo indiciamento. Em declarações anteriores, ambos negaram a existência de estruturas paralelas ou qualquer envolvimento com atividades ilegais.

A PF identificou que o esquema funcionava com três núcleos interligados: a “presidência”, que abrigava Bolsonaro; o “vetor de propagação”, representado pelo gabinete do ódio, coordenado por Carlos; e a “estrutura paralela”, montada na Abin e liderada por Ramagem. Essa engrenagem clandestina permitia a espionagem em larga escala e, segundo a PF, servia à tentativa de manutenção de Bolsonaro no poder mesmo após a derrota nas urnas.

O relatório também cita o atual diretor-geral da Abin, Luiz Fernando Corrêa, como responsável por atrapalhar investigações em curso. Ele foi indiciado por obstrução de Justiça. A associação de servidores da Abin (Intelis) divulgou nota pedindo o afastamento imediato de Corrêa. “É inadmissível que indivíduos sobre quem pesam acusações graves de obstrução de justiça continuem ocupando cargos de comando na Abin”, diz o texto. 

Espionagem como política de Estado

Um dos pontos mais alarmantes do inquérito é o uso irregular do sistema israelense de geolocalização FirstMile, adquirido pela Abin em gestões anteriores. A ferramenta, segundo a PF, foi usada para rastrear até 10 mil celulares por ano, especialmente em 2021, véspera das eleições presidenciais, incluindo o monitoramento de opositores e jornalistas, espionagem clássica de um poder que buscaria, anos depois tentar um golpe de Estado – mesmo com engrenagens como essa, Bolsonaro perdeu a eleição no segundo turno para Lula.

A empresa responsável, Cognyte (ex-Verint), fornece o programa para uso em operações de inteligência, mas a Abin paralela teria burlado os protocolos legais de autorização para acessar os dados de localização de ministros do STF, parlamentares e jornalistas. Tudo sem ordem judicial. O uso do FirstMile foi um dos pilares técnicos que sustentaram o funcionamento do esquema ilegal.

Próximos passos

O relatório contém mais de 800 páginas e está agora nas mãos do ministro Alexandre de Moraes (STF), que deve encaminhá-lo à Procuradoria-Geral da República. Sem prazo definido, a PGR pode apresentar denúncia contra os mais de 30 indiciados, fazer denúncias parciais, requisitar diligências complementares ou arquivar o caso, ignorando os crimes cometidos contra o Estado brasileiro e cidadãos espionados. 

Se houver denúncia, caberá ao STF decidir pela abertura de processo criminal. O escândalo da “Abin paralela” escancara o uso político e ilegal das ferramentas de Estado durante o governo Bolsonaro. Espionagem, obstrução de Justiça, guerra de narrativas. A democracia segue contabilizando os estragos. Agora, resta saber o que fará a PGR e como o STF lidará com uma máquina que, tudo indica, trabalhou para proteger um projeto de poder à margem da lei, um caminho pavimentado para a tentativa de golpe fracassada de Bolsonaro e asseclas.