O envelhecimento da população LGBT+ é tema da Parada do Orgulho no próximo final de semana em São Paulo; a ativista travesti destaca subjetividades e a necessidade do fortalecimento das políticas públicas 

Mulheres trans e travestis idosas querem o bem-viver, diz Keila Simpson
A ativista travesti, fundadora da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, Keila Simpson. Crédito: Divulgação


O Brasil, assim como a maior parte dos países, apresenta um cenário de transformação da sua pirâmide etária, que aponta como tendência o envelhecimento acelerado da população. Somente no período entre 2000 e 2023, o número de idosos no país quase duplicou, de acordo com o IBGE.

As previsões do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística sinalizam que até 2070 os idosos irão representar 38% da população, chegando a uma massa de cerca de 75 milhões de brasileiros. Segundo as projeções, a idade média no Brasil deve atingir os 51 anos, frente à média atual, que é 34 anos.  

Ao analisarmos os dados, a associação imediata seria com aquela máxima de que “a velhice chega para todos”, porém, o quadro não é exatamente assim. Existe uma população ainda bastante marginalizada no quesito expectativa de vida: as pessoas trans – transexuais e travestis. 

Para esse grupo, chegar à terceira idade e ter a chance de debater qualidade de vida dentro da comunidade é algo relativamente novo. Isso porque o Brasil segue, pela 16ª vez consecutiva, como o país que mais mata travestis e transexuais no mundo.

No ano passado, 122 pessoas trans foram assassinadas, sendo a vítima mais nova, uma jovem de 15 anos. Os dados são da ANTRA, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais

O levantamento da entidade reforça que a maior parte das mortes, em geral por decorrência de agressões com uso de extrema violência, tem prevalência entre pessoas negras e periféricas. A expectativa de vida para essa população ainda é de 35 anos, bem abaixo da média nacional, 76 anos. 

Traviarcas

Apesar de reconhecer a importância de denunciar essa situação alarmante, existem pessoas trans envelhecendo, e falar da necessidade de inserção delas nas políticas públicas voltadas às pessoas idosas é necessário. Nesse sentido, no ano passado, foi iniciado um trabalho de campo, promovido pela ANTRA, intitulado como Traviarcas. 

A pesquisa, que está em fase de consolidação dos dados e deve ser divulgada em breve, contou com oficinas em 15 capitais, além de questionários online, com foco em travestis e mulheres transexuais acima dos 45 anos. O termo “traviarca” pode ser usado para se referir a travestis mais velhas, líderes de suas comunidades, que servem como referências e exemplos de resistência. 

Mulheres trans e travestis idosas querem o bem-viver, diz Keila Simpson
Fotografia da mostra “O mais profundo é a pele” em cartaz no Museu da Diversidade Sexual, em São Paulo. Crédito: Rafael Medina

Segundo a associação, a investigação buscou ouvir “as experiências, necessidades e desafios desta parcela da população que envelhece diante de um cenário de inúmeras privações e violações de direitos”. 

Visão de futuro

“Nas oficinas, nós discutimos amores, cultura e nossas liberdades, já que muitas de nós passamos a vida toda com limitações de participação, de pertencimento e de ocupação dos espaços”, comenta Keila Simpson, fundadora da ANTRA.

A primeira travesti a receber um título de doutora Honoris Causa pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Keila Simpson destaca o perfil do grupo pesquisado.

“Encontramos uma população que não está envelhecendo bem. A maioria não tem trabalho formal, com baixa escolarização, algumas vivem de programas sociais, outras permanecem em situação de rua”, afirma Simpson. 

“A meta antes era poder envelhecer, o desafio agora é envelhecer com qualidade”, destaca a ativista. Keila Simpson lembra que as cidades brasileiras já não são preparadas para a realidade dos idosos, o que deixa a realidade ainda mais difícil para as pessoas trans, que têm que conviver com uma camada a mais, relacionada ao estigma e discriminação.

Keila Simpson defende que as políticas públicas voltadas às pessoas idosas também possam compreender a realidade das pessoas trans. E que seria importante que as travestis e transexuais pudessem ser incluídas mais cedo na aposentadoria via BPC, o Benefício de Prestação Continuada, a partir dos 50 anos. Segundo ela, a documentação da pesquisa realizada recentemente auxilia em um possível processo, via ação judicial.

“Muitas, de fato, morreram no meio do caminho, mas as que sobreviveram e estão entrando na fase idosa não estão se permitindo sucumbir a uma negatividade, elas querem viver em alto astral, estão pensando em futuros promissores, mesmo em situações muito adversas”, conta a fundadora da ANTRA.

Parada do Orgulho 

No próximo domingo (22), a 29ª edição da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo vai trazer a temática “Envelhecer LGBT+: Memória, Resistência e Futuro” e deve atrair milhões de pessoas para a Avenida Paulista.  

Mulheres trans e travestis idosas querem o bem-viver, diz Keila Simpson

Além disso, está em cartaz até 31 de agosto, no Museu da Diversidade Sexual, que fica na estação República do metrô, uma exposição que provoca reflexões sobre as velhices LGBT+, o tempo, o corpo e a memória. Intitulada “O mais profundo é a pele”, a mostra apresenta uma série de retratos de 25 pessoas, por Rafael Medina.

Para além das imagens, o público pode assistir a vídeos com depoimentos dos participantes, que compartilham as marcas físicas, sociais e afetivas deixadas pelo tempo.