Papa Leão XIV: a renovação da esperança, por Gleide Andrade
Num mundo em convulsão, o novo papa herda a missão de conciliar tradição e justiça social”, escreve Gleide Andrade, Secretária Nacional de Planejamento e Finanças do PT

A eleição de Leão XIV para a cátedra de São Pedro, no último dia 8 de março, inicia um novo capítulo na história milenar do catolicismo, suscitando expectativas entre fiéis, observadores, teólogos, lideranças políticas e religiosas em todo o mundo.
A mudança do substituto de São Pedro ocorre num momento em que grandes desafios seculares – dentre eles, a ascensão do fascismo, a eleição de lideranças autoritárias promotoras de guerras e conflitos em diferentes partes do globo, popularização das redes sociais e digitais, evangelização de adolescentes e jovens – exigem respostas e alternativas por parte da Igreja.
Nessa direção, é necessário lembrar a exortação de Agostinho de Hipona ao afirmar que “A medida do amor é amar sem medida” para explicar à comunidade como podemos nos fortalecer no discipulado do Divino Mestre no cumprimento de nossa missão na terra.
A Igreja se funda em suas tradições, nos ensinamentos dos santos padres, dos doutores da Igreja, nos exemplos de seus santos e santas mártires como testemunho permanente da ação do Espírito Santo no mundo, mas precisa oferecer plausibilidade e respostas às complexas realidades contemporâneas.
O aggiornamento, ou atualização (renovação), é uma exigência da Igreja do século XXI em sua ação pastoral, missionária, profética e doutrinária. Seu caminhar deve realizar-se em estreita comunhão com a “opção preferencial pelos pobres” estabelecida no Concílio Vaticano II, na esperança de que ela continue a ser um referencial através dos tempos para todos os povos e nações.
Como dito antes, a gênese do pontificado de Leão XIV ocorre em um momento de intensas transformações tecnológicas, comunicacionais, culturais e de desafios globais, nos quais a Igreja Católica busca reafirmar sua relevância espiritual e moral sem romper com suas raízes.
Cientes das exigências e desafios contemporâneos, a eleição do cardeal agostiniano Robert Prevost, descrito como um profundo conhecedor do arcabouço teológico e, ao mesmo tempo, aberto à dinâmica da dimensão pastoral, reúne erudição à prática do serviço religioso, fruto de uma formação intelectual sólida aberta à ação cristã, reproduzida e solidificada em décadas de atuação episcopal em contextos periféricos. Isso o torna um líder com potencial para construir pontes entre uma Igreja atenta aos que sofrem, aos marginalizados, aos esquecidos e a sociedade que continuamente se moderniza, mas que também exclui e marginaliza, elemento essencial que chamou atenção no papado de Leão XIII, ao inaugurar o Magistério Social da Igreja por meio da publicação da encíclica Rerum Novarum: sobre a condição dos operários (1891).
Diante dos desafios impostos à Igreja e ao mundo contemporâneo, Leão XIV terá a chance de avançar para águas mais profundas por meio de uma postura de escuta, através de sínodos mais participativos e do fortalecimento do papel dos leigos e leigas, sem ceder a pressões que possam radicalizar a doutrina.
Mais uma vez, as palavras de Cristo devem ser a bússola a orientar o caminho da Igreja a partir do sermão das bem-aventuranças, no qual está inscrito o caminho para o discipulado e também o modelo de ação para quem quiser dar testemunho de sua fé, pois elas retomam e completam as promessas de Deus feitas no Antigo Testamento. Respondem ao desejo da felicidade que Deus colocou no coração do homem e desvendam o objetivo da existência humana. Deus nos chama à sua própria bem-aventurança, ao seu Reino, à vida eterna. Por isso mesmo, as bem-aventuranças nos colocam diante das escolhas decisivas em relação aos bens terrenos e purificam o nosso coração, para que aprendamos amar a Deus sobre todas as coisas.
O novo papa traz na sua capacidade de diálogo, demonstrada em seu histórico como mediador de tensões em dioceses multiculturais e em realidades sociais, políticas e econômicas distintas, um instrumento de amor e doação que poderá gerar frutos de otimismo, abertura e acolhimento a todas as pessoas, na transformação da estrutura institucional da Igreja permitindo que ela seja mais inclusiva, plural, acolhedora, com um olhar cuidadoso para todos os povos.
O atual pontífice atuará num mundo marcado por crises ambientais, desigualdades sociais, guerras e o avanço de extremismos violentos. Nossa expectativa é que Leão XIV atue na ampliação do papel diplomático da Santa Sé, utilizando sua influência moral para promover e consolidar a paz, o cuidado com a casa comum e os direitos humanos. Há indicativos de que ele pretende pautar a ecologia integral no centro da ação missionária da instituição religiosa que agora lidera. Essa dimensão amplia o nosso esperançar, pois representa uma visão que une o zelo pelo meio ambiente ao compromisso com a justiça social, gerando comportamentos positivos para toda a natureza.
Outro campo onde se espera inovação é o da comunicação, já que Leão XIV compreende a importância das mídias digitais e do engajamento direto com as juventudes. É especialmente no terreno das redes sociais que perspectivas de intolerância, fundamentalismo, polarização e radicalização se constituem e se difundem. Para isso, será necessária uma evangelização digital que una a tradição catequética a uma linguagem moderna, alcançando um público cada vez mais distante das estruturas eclesiais tradicionais.
O Papa também será desafiado a tratar de temas que marcam o contexto atual: a ampliação da participação das mulheres nas atividades administrativas da Igreja, o trato mais próximo com as comunidades LGBTQIA+, as novas configurações familiares e a unidade na diversidade.
Confiantes na capacidade de escuta, de equilíbrio, no domínio teórico e a ação pastoral de Leão XIV, espera-se que elas se tornem fontes de respeito e discernimento diante dos novos ventos capazes de arejar ideias e práticas de compaixão, elemento central do cristianismo.
Assim, as perspectivas do papado de Leão XIV apontam para um pontificado que buscará a harmonia entre o respeito à tradição católica e a sensibilidade às exigências do tempo presente. Mais do que a continuidade das mudanças iniciadas pelo Papa Francisco, projeta-se uma condução pautada pela dialogia e pelas virtudes teologais: fé, esperança e caridade. Em tempos de polarização e desorientação moral, Leão XIV poderá ser eternizado como o papa da escuta, do encontro, do diálogo e da esperança prudente.
Gleide Andrade, graduada em Filosofia, especialista em Ensino Religioso e atualmente Secretária Nacional de Planejamento e Finanças do PT