Contra truculência de Tarcísio, governo federal faz acordo para dar moradia a quem vive na favela do Moinho
Acordo anunciado pelo Ministério das Cidades garante uma unidade habitacional a todas as famílias que recebem até R$ 4.700 e põe fim à violência policial que atingia os moradores desde 22 de abril

O governo federal anunciou, em 15 de maio, um acordo firmado com o governo do Estado de São Paulo que garante aos habitantes da Favela do Moinho a compra de imóveis de até R$ 250 mil, sem necessidade de pagar financiamento. Enquanto não se mudam para o endereço definitivo, terão direito a R$ 1,2 mil de aluguel social. A remoção dos moradores, que havia sido iniciada em 22 de abril por ordem do governador Tarcísio de Freitas, foi marcada pela brutalidade das ações policiais, com uso de ameaças, bombas e várias violações de direitos humanos.
A solução apresentada tomou lugar de uma primeira, que oferecia à comunidade o financiamento de imóveis com teto de R$ 250 mil para casas e apartamentos da zona central e limite de R$ 200 mil para outros locais. Com a revisão da proposta, o governo federal contribuirá com R$ 180 mil e o estadual com R$ 70 mil, ambos como fundo perdido, ou seja, será um dinheiro tirado do orçamento público, sem que os moradores precisem pagar nada. O ministro da Cidades, Jader Barbalho Filho, afirmou que, para que o acordo seja mantido nos atuais termos, o governo federal não vai tolerar agressões e violações dos direitos.
O Secretário Nacional de Habitação, Augusto Henrique Rabelo, que esteve na comunidade no último dia 15 como integrante da delegação do governo federal, explicou em seu pronunciamento que a compra assistida foi criada para atender as vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul e não existia até então na política habitacional. Os recursos vão sair do Minha Casa Minha Vida, que havia sido extinto por Bolsonaro e foi recriado em 2023, pelo governo Lula.
“Desde o primeiro momento em que ficamos sabendo dessa situação, no Ministério das Cidades, nossa preocupação era resolver o problema. Nos preocupamos não só com a situação (de violência) que foi relatada aqui, mas com o destino das famílias, por isso estamos trazendo essa solução criada diante da tragédia do Rio Grande do Sul para atender a população da favela do Moinho, em situação emergencial”, afirmou.
Cenário de guerra – Moradora da comunidade há 16 anos e funcionária de um bar na favela do Moinho, Naiana Xavier descreve o cenário de guerra instaurado no local nas semanas anteriores. Ela guardou uma coleção de cartuchos de bombas de gás usados contra ela e outros moradores durante os ataques. “No domingo de Páscoa, no café da manhã, a polícia jogou bombas aqui por esse portão que fica na entrada. Ficamos presos, quase sem poder respirar”, relata.
O jovem Michael, de 21 anos, morador do moinho desde 2016, descreve momentos de terror e repressão policial vividos no local. “Estavam querendo derrubar os barracos de todo mundo aí, sem possibilidade de escolha. Muita gente saiu por causa disso. Quem tinha família, pessoas com deficiência já estavam se retirando. Na sexta-feira santa eles entraram aqui por volta de 11h oprimindo a população com gás, bomba e spray de pimenta”. Ele diz que preferiria sair sem nada e morar na rua a assumir uma dívida de 30 anos que nunca conseguiria pagar, por isso resistiu, e, agora, comemora o novo acordo. “Ficou ótimo pra mim. Vamos poder escolher nosso apartamento em qualquer região de São Paulo, chave na chave, e quem preferir morar de aluguel até o novo apartamento sair vai receber R$ 1200”.


Marcus Vinícius, de 23 anos, lembra que já houve outra expulsão de parte dos moradores tempos atrás e os que ficaram criaram o movimento “Favela Resiste”. “Muitas pessoas cederam à pressão da CDHU por medo de sair sem nada, mas eu coloquei pé firme. Com os protestos e as manifestações, melhorou a nossa situação e já assinei os papéis para receber auxílio aluguel”, afirma.
Um morador que reside no moinho há 28 anos e preferiu não se identificar não teve a mesma sorte. Quando soube do acordo da carta de crédito para compra do apartamento se recusou a assinar, mas foi ameaçado pela polícia. “Veio a CDHU e conversou comigo sobre o valor a se pagar, achei injusto. Mas, antes disso, fui pressionado pelo Baep (Batalhão de Operações Especiais da Polícia) e outros policiais. Por eu morar em frente a um ponto de tráfico, me ameaçaram e falaram que não iam se responsabilizar pelo que acontecesse comigo, talvez tortura, como já aconteceu com um jovem que conheci e cresceu aqui. Eu me senti acuado, assinei e saí prejudicado. Se houvesse respeito pelos direitos humanos, esse acordo deveria ter sido feito desde o começo, para todos saírem com dignidade”, diz.
Equipes da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos e da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos estiveram no local para acompanhar a situação, ouvir moradores afetados e reunir informações para eventual atuação institucional. E o Ministério dos Direitos Humanos divulgou nota afirmando que a operação teve grave impacto sobre crianças, idosos e demais moradores, violando princípios básicos de dignidade e proteção.