Fernando Morais: ‘Sou um insatisfeito perene com o que escrevo, mas isso é bom para o leitor’
O escritor, jornalista e biógrafo de Lula, Fernando Morais, trava batalha judicial nos EUA e aguarda informações das agências de inteligência norte-americanas para concluir o segundo volume da biografia do presidente

Com a colaboração da esposa, “que é muito criteriosa” e faz a primeira leitura de seus “manuscritos” (usando suas palavras), “se tudo correr direitinho, até setembro, outubro”, o escritor Fernando Morais planeja concluir os originais do segundo volume da biografia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao completar 50 anos de carreira como escritor, ele exalta as vantagens dos livros digitais. Com seu bom humor característico, afirma que “alguém vai fazer um livro Kindle com cheiro de livro impresso” para agradar aos mais conservadores.
Morais revela que o segundo volume começa descrevendo uma conversa entre Fidel Castro e o torneiro mecânico, trazendo “um flashbackzinho da eleição para governador”. Ele escreve em ordem cronológica para “facilitar a vida do leitor”. O biógrafo relata os detalhes do encontro entre eles, quando Lula “estava ainda sob os efeitos da derrota e chega à conclusão, apressadamente, (que a política) não é a praia dele” e que iria voltar para o sindicalismo, “onde ele nadava como um peixe”. Foi dissuadido pelo líder cubano, que argumentou que nenhum operário havia recebido mais de 1.200 milhões de votos “sem máquina, contra os grandes veículos, contra as redes de televisão”.
Comemora o interesse que o primeiro volume despertou em outros países. Como era de se esperar, nos Estados Unidos, “o interesse foi pequeno”. Já na América Latina e Europa, as vendas são mais expressivas. “Eles querem conhecer a história de um personagem tão importante quanto o Lula”, explica. A versão em chinês acaba de ser lançada.
O biógrafo e o jornalista
Fernando Morais começou na atividade jornalística muito cedo. Virou “repórter por acaso” e não largou mais. Com mais de 65 anos de carreira, segundo suas contas, lamenta a atual situação da mídia hegemônica. Propõe uma solução simples para o problema: “nós, profissionais, talvez devêssemos, nesse momento, aproveitando até essa revolução para trás que está havendo no mundo a partir do Trump, fazer como fizeram os jornalistas na França depois da Segunda Guerra Mundial, e fazer um jornal de jornalistas”.
Além de jornalista e escritor, Fernando Morais acumulou larga experiência política. Manifesta preocupação com a conjuntura e afirma que “se você não tiver mobilização popular, pode tirar o cavalo da chuva, vão eleger o Tarcísio presidente da República”. Alerta para o uso político que alguns fazem da religião: “você tem que convencer essas pessoas de que elas estão sendo vítimas de um embuste, de uma tramoia, de uma arapuca”. Abaixo, a entrevista completa.

Você, como jornalista e escritor, é daqueles que, quando entrega ou dá por encerrado um trabalho, quer passar logo para o editor para evitar a vontade de mexer de novo nos originais?
Olha, eu vou confirmar a sua pergunta: eu nunca li um livro meu. Às vezes, sou obrigado a ler trechos como referência. Então, vamos supor que, no livro do Lula, eu tenha que fazer uma referência sobre o início da televisão no Brasil, eu pego o meu Chateau e folheio algumas páginas e digo: se eu tivesse uma caneta na mão aqui, eu já cortaria isso, já acrescentaria isso e aquilo. Então, eu sou um insatisfeito perene com as coisas que eu escrevo. Acho que essa minha obsessão é boa para o leitor, porque ele já pega o livro mastigadinho, já pega o texto pronto para ser lido. Procuro usar uma linguagem elegante, evitando lugares comuns e clichês.
Está aqui ao meu lado o Moreno, Alcides Moreno, que é a minha mão direita no trabalho, ou melhor, minha mão esquerda, porque ele pode ficar ofendido se eu disser que ele é a minha mão direita. Eu fiz uma pesquisa com as pessoas que estavam por aqui para saber se elas sabiam o que significava a palavra curé. Você sabe o que é curé? Vocês sabem?
Não sei, não…
Pois é, ninguém sabia. Curé é uma jogada de dama. Quando você encurrala o adversário e ele não consegue mais mexer; pois se ele mexer, ele perde o jogo. A dama tem alguma similitude com o xadrez, mas só no tabuleiro e no número de peças, porque é como se você desse o xeque-mate; o curé é o xeque-mate da dama. Aí eu falei: não, eu não vou usar curé. Eu estava querendo dizer que o PT tinha sido colocado em uma determinada circunstância, que tinha sido colocado num curé. Mas eu troquei por sinuca de bico; sinuca de bico todo mundo sabe o que é: é a jogada que você não sai dela, que não tem jeito: a bola do jogo encosta no canto da caçapa, e ali a única alternativa é o suicídio, você empurrar a bola para dentro da caçapa e perder o ponto.
Então, eu procuro não usar [palavras obscuras], porque eu me lembro do doutor Julinho, doutor Julio de Mesquita Filho, o velho. O número zero da família, pai do Julio Neto (Júlio de Mesquita Neto), do Ruy (Mesquita), pai do Carlão (Luiz Carlos Mesquita). Uma vez, alguém disse para ele — e eu tive o privilégio de conviver com ele, que era um sujeito especial, um personagem especial… eu nunca vejo as pessoas só como elas são, mas como personagens; adoraria escrever a história do Estadão. Cheguei perto de escrever, aí me vetaram, uma parte da família me vetou.
Mas alguém, uma vez, o advertiu de que ele usava palavras pouco comuns nos editoriais que assinava, e ele falou: “mas tudo bem, não tem importância; obriga o sujeito a ir ao dicionário e ver o que a palavra significa”. Eu procuro evitar isso, não vulgarizo o texto. Vocês podem me acusar, os meus leitores, podem me acusar de tudo, menos de vulgarizar o texto, de fazer um texto barato, rasteiro, pedestre. Não, eu procuro elaborar.
Quando se fala de jornalismo literário, muita gente confunde com jornalismo ficcional; não é isso. É jornalismo factual, mas com um tratamento formal, elegante, literário. É por isso que minha mulher puxa a minha orelha de vez em quando e diz: “o Machado de Assis não escreveria jamais um parágrafo como esse; o Gabriel García Márquez jamais usaria tal expressão”. Então, é nesse sentido: é na forma, não no conteúdo.
No conteúdo, eu brigo com arquivos, brigo com documentos para evitar cair em armadilhas que são muito comuns. Ouvi dizer que o Lula fez tal coisa, assim, assim. Bom, eu tenho que ouvir mais uma pessoa que estivesse junto. Se o fato é importante e há mais de uma versão, eu, em geral, dou as duas. O fulano garante que viu tal coisa assim; a ciclana que estava junto disse que não foi bem assim, que foi assado, foi de outro jeito. Se o fato não tem relevância, não tem importância, fica por isso mesmo.
O que é que te move quando você tem um personagem, e como é que fica essa relação com o biografado, porque afinal de contas você fica exposto de certa forma? Enfim, como é esse trabalho?
Olha, eu, depois que fiz a biografia do Paulo Coelho, prometi publicamente que não escreveria mais sobre gente viva. Primeiro, porque gente viva muda, e morto não; morto está lá enterradinho. Como eu não acredito em reencarnação, ele liquidou, está enterrado, foi para a eternidade. Agora, vivo não.
Tem uma outra dificuldade que é o seguinte: em nenhum caso — nenhum, e esse aqui vai ser o meu 11º livro — nenhum deles o personagem leu, e tem livro que é sobre mais de uma pessoa. O Lula não leu um parágrafo, uma sílaba. O primeiro exemplar que eu recebi, eu me lembro, ele estava embarcando para um encontro com a Merkel, com a chanceler alemã. Na escada do avião, pedi a alguém da escolta, não recordo quem, para entregar o livro ao presidente. Ele nunca me disse uma sílaba se gostou ou não gostou, e nunca fez nenhuma declaração.
Eu entendo isso, porque, se ele disser que gostou, o livro vai ser taxado de chapa branca; se ele disser que não gostou, vai ficar uma coisa desagradável, vai parecer uma coisa desagradável na nossa relação. Se ele dissesse “eu não gostei”, seria natural. Tem livros de gente importante, de autores festejados, que eu não gosto. Tem livros meus que acho que estão aquém da minha capacidade.
Contudo, procuro me cercar de segurança, que é uma boa herança do meu período como repórter e jornalista. Isso significa garantir a segurança mais absoluta possível, antes de escrever e depois de mandar para o editor. Eu já pedi a um assessor do presidente para que, quando o presidente vier passar um fim de semana em São Paulo — ele está ficando quase todos os fins de semana em Brasília, tem vindo muito pouco aqui, e quando vem, vem para alguma atividade, nem passa em casa, ele vem e vota na mesma semana.
Há pouco tempo, ele esteve duas vezes em São Paulo, as duas em Sorocaba, ele não passou por São Paulo, mas estou querendo pegá-lo aqui. Eu tenho meia dúzia de buracos no livro que eu preciso confirmar com ele, coisas que só ele pode me confirmar. São informações que eu obtive ou em arquivos, ou em declarações de alguém que o envolvem pessoalmente e a única pessoa capaz de dizer se é falso, se é verdadeiro, é ele próprio.
De vez em quando, eu faço isso, como quando encontrei o nome dele na lista de dedos-duros da Volks, do pessoal da polícia que trabalhava lá dentro. A Volkswagen contratou um nazista para chefiar o serviço de vigilância interna. Não um nazista de quinta categoria; contrataram o (Franz) Stangl, que foi comandante de Sobibor e de Treblinka, onde mataram 400 mil judeus.
Eu mostrei para ele que seu nome estava na lista, e ele nunca trabalhou na Volkswagen. Ele olhou, e, por sorte, eu filmei a fala dele ao ver o pedaço de papel que levei; ele olhou e disse: “eu já tinha visto isso, é verdadeiro”. A diretoria inteira do sindicato sabia que a Volkswagen adotava métodos nazistas para fiscalizar os ativistas e militantes lá dentro.
Então, estou tentando checar com ele meia dúzia de coisas, para que, na hora em que eu entregar os originais, os manuscritos — como se dizia no século passado — para o Luiz Schwarcz, eu possa ir dormir de cabeça leve.
Você que está há muitos anos na imprensa, acompanhou o auge e também a decadência da imprensa escrita, dos jornais. Você prognostica o mesmo futuro para o livro? Eu, por exemplo, só gosto de livro impresso. Conheço muita gente, inclusive jovens, que não gostam também de ler nesses Kindles da vida. Mas você acha que essa coisa da inteligência artificial, da superprodução de livros por meio digital, isso pode atrapalhar o futuro do livro impresso?
Olha, se você olhar bem no futuro, lá no horizonte, você verá que a lógica nos empurra para acreditar que o livro digital vai vencer o livro impresso. Eu falei isso num debate em Ribeirão Preto, anos atrás, e um sujeito se levantou na plateia e falou: “mas eu gosto do cheiro do livro de papel, gosto do cheiro da tinta”. Eu respondi: não se preocupe que o Mark Zuckerberg, ou seja lá quem for, vai fazer um livro Kindle com cheiro de livro impresso, você vai cheirar o aparelho e vai sentir o cheiro de livro impresso.
Quais são as vantagens do livro impresso? Primeiro, que você pode carregar 50 livros num negocinho desse tamanho aqui. Eu tenho um Kindle por aqui, você pode carregar 20, 30 livros num aparelhinho que você toca o dedo e aparece o que você está querendo.
A outra coisa é que, veja os livros do Hélio Gaspari, por exemplo, no quinto livro da série dele, ele fala do discurso do Getúlio Vargas no Campo de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, em um 1° de maio; você põe o dedo em cima de um ícone e ouve o discurso do Getúlio, na voz do Getúlio.
Eu odeio nota de pé de página. Eu falei, por exemplo, na disputa do colégio eleitoral entre o Maluf e o Andreazza, aqui no Livro do Lula, e eu tive que gastar alguns parágrafos para explicar para o leitor quem eram Mario David Andreazza e Paulo Salim Maluf, o que me tirou um pedaço do espaço que eu deveria dedicar ao Lula. Para quê? Para dar ao leitor a oportunidade de entender.
Se você falar em Andreazza hoje, não sei se vocês têm filhos, se você falar com filhos; eu tenho netas, se você falar com seus netos de Andreazza, eles vão perguntar se é uma fábrica do Antônio Alves, uma mulher, tinha uma mulher, dona Andreazza. No livro digital, você coloca o dedo em cima de Andreazza, abre uma janela, e na janela você vê o verbete: Mario David Andreazza era um coronel do exército, nascido nos porões dos serviços de informação, no bisavô da ABIN, que deu lugar ao SNI, e que depois deu lugar à ABIN.
Tem todas essas vantagens. Por exemplo, o meu livro sobre Chateaubriand, para falar de novo de um livro meu, é um tijolo de 800 páginas. Ler na cama, por exemplo, é um inferno. Não tem posição. Você dorme de lado, dorme de barriga para cima, você fica segurando aquele tijolo, se aquilo cair no seu rosto, é capaz de te machucar.
Então, você poder carregar 10, 20, 100 mil Chateaux num aparelhinho que pesa 20 gramas, 30 gramas, uma coisa assim, é uma vantagem indiscutível. As remissões, aquele índice onomástico que a gente é obrigado a fazer, o sujeito vai lá no fim e lê: A, B, C, Fulano de Tal está nas páginas 18, 24, 39 e 96. Você tem que segurar com um dedo aqui e, com o outro dedo, ir à página 18 para ver se é o que interessa. Não é? Então, você vai lá com o dedo de cá e corre na página 24. É um processo trabalhoso.
Agora, tem gente que tem prazer nisso. Eu, pessoalmente, gosto de ler em papel. Estou lendo atualmente um livro em papel. Estou lendo com um enorme atraso Os Engenheiros do Caos, um livrinho até fino. Para saber onde é que eu estou, eu ponho um cartãozinho aqui do chinês que conserta relógio para marcar para mim.
No Kindle, você liga o start, já cai na página que você estava, a menos que você não queira. Você faz anotações, você faz o highlight que a gente faz no computador na hora de escrever, você pode fazer com o dedo no livro. E outra coisa: quantas árvores você precisa derrubar para imprimir uma edição de 100 mil exemplares de um livro de 800 páginas?
Os livros do Fernando Henrique, por exemplo, os livros de memórias dele, os diários da presidência, são cinco exemplares, cada um deles com 1.200 páginas, então, são 6 mil páginas. Não sei qual foi a tiragem desses livros, mas quantas árvores precisou derrubar para imprimir os livros de Fernando Henrique? Quantos litros de petróleo?
Isso vai acabar entrando em consideração. Vai ser colocado na balança quando você for pesar e medir o que é melhor para a sociedade. Às vezes, pode ser que o livro digital venha a triunfar sobre o livro de papel, mas por algumas razões nobres também. Eu não sei dizer, confesso a você que não sei dizer. Acho que não será para a minha geração; a mudança, seja ela qual for, virá para as próximas gerações.
Este ano você está completando 50 anos de carreira. Seu primeiro livro foi lançado em 1975, A Ilha. Você disse que tem 10 livros escritos, mas você também é autor de inúmeros artigos, inclusive com contribuições para a Fundação Perseu Abramo. Com relação à sua produção literária, você está levando em conta, já que você está tão conectado com esse mundo digital, você começa a pensar que os seus livros podem virar filme, até tendo em vista esse super sucesso que foi o livro adaptado de Ainda Estou Aqui?
Olha, com toda a sinceridade, eu escrevo para ser lido, eu não escrevo para ser visto. A despeito disso, Olga virou filme, Os Últimos Soldados da Guerra Fria virou filme, Corações Sujos virou filme, Chateau também. Já vendi o Montenegro para cinema, vendi para um produtor e já vendi o Lula, não posso revelar o nome da produtora que comprou, mas eles ainda não sabem — vai depender do volume 2 — se vai fazer um longa-metragem ou uma minissérie para streaming.
Eu não escrevo para ser filmado, mas acredito que, por um vício positivo, um cacoete positivo que trago da minha profissão de jornalista, e sobretudo pelo fato de eu ter escolhido passar quase toda a minha carreira como repórter. Embora eu tenha sido editor, pauteiro, revisor, enfim, eu ocupei vários cargos levando em consideração a remuneração também, porque a promoção significa uma melhoria do seu salário, mas, às vezes, não compensava ser editor e passar o dia com a bunda sentada na redação e o mundo correndo lá fora, sabe?
Os fatos acontecendo, e você tendo que mandar os outros cobrirem: fulano, teve um crime em tal lugar assim, pega o fotógrafo e vai cobrir. Aquilo me deixava muito frustrado. Por quê? Porque eu fui educado na arte de sujar a sola do sapato, na arte de ir lá, de ver de perto. Não chego ao cúmulo do repórter que queria dizer quantos centímetros teve a facada e tira o punhal do peito do cadáver, mede, e enfia de novo, para dizer: “uma facada de oito centímetros de profundidade”.
Esse caso é verdadeiro, aconteceu no (jornal) Notícias Populares, e acabou absorvendo o assassino, porque o advogado, muito bom, chegou à conclusão de que não era possível provar que o que matou a vítima foi a primeira facada dada pelo assassino, ou se foi o ato de reenfiar o punhal no peito dele.
Tudo isso faz da profissão de repórter a melhor profissão do mundo, Gabriel Garcia Marquez já disse isso, não estou falando nenhuma novidade, é a melhor profissão do mundo. Eu, se acreditasse em reencarnação, gostaria de voltar eu mesmo e repórter.
Agora, você tromba muito, apurar é uma dificuldade, apesar da internet. Uma das razões pelas quais o volume dois do livro do Lula está atrasado é que estou enfrentando uma pendência com o Departamento de Estado e o Departamento de Defesa dos Estados Unidos.
Consegui, por meio de pressão judicial, que eles confessassem que os órgãos de segurança dos EUA, principalmente a CIA, o FBI e a NSA, possuem nada menos que 619 registros do presidente Lula. No entanto, eles não querem me entregar isso. A lei americana, a FOIA — a lei de transparência e livre acesso à imprensa — me beneficia.
Estou com advogados, os mesmos que ganharam a causa contra a Vale, sobre Mariana e Brumadinho, os mesmos advogados do escritório britânico com representação no Brasil, estão trabalhando para mim, nos Estados Unidos, para a editora, na verdade, porque é a editora que cuida dessas coisas, mas foi por meu intermédio, pois fui eu quem indiquei, para acessar o conteúdo desses 619 registros.
Estou usando, inclusive, esse argumento, dizendo que o livro está atrasado, que não saiu até hoje, por causa deles, única e exclusivamente, por causa do departamento de defesa. Descobri que até o departamento de cibernética do exército norte-americano tem registro do Lula.
O que é que o serviço cibernético do exército das forças armadas dos Estados Unidos bisbilhotou na vida do Lula, desde o governo Biden? A burocracia está tentando segurar isso. Alguém poderia dizer que isso é coisa do Trump contra o Lula ou o PT, mas não; desde o governo Biden, um governo democrata, eles estão acompanhando Lula. E isso só aumenta o meu apetite, porque, se estão querendo segurar, é porque tem coisa boa.
E por que eles gravariam a Dilma, e não fariam com o Lula? Não faz sentido.
Claro, claro, é isso. O espaço de tempo que eu delimitei não permite que você chegue e peça: “quero tudo”. Não, você tem que dizer: “olha, eu quero entre tanto e tanto”.
Existem 16 agências de segurança dos Estados Unidos; a maioria pensa que são apenas a CIA e o FBI, mas são 16 agências. Quando o Lula estava preso, fui à cadeia e consegui dele 16 procurações; ele assinou em branco para que eu preenchesse com a linguagem exigida pelas autoridades norte-americanas. O Moreno levou essas procurações para mim em São Bernardo do Campo, ao cartório onde o Lula tem firma, para reconhecer as 16 assinaturas nas autorizações que ele me dava para pesquisar.
E os caras estão endurecendo, estão ensebado. Isso é evidente que é uma bobagem deles, porque se estão esperando e me pressionando, me dando um curé, colocando-me em curé para eu não ter tempo de colocar isso no livro, não tem importância; eu faço o volume 3 só com o material de lá, ou um anexo do volume 2, só com o material vindo dos Estados Unidos.
Então, como não pretendo morrer tão cedo, fazer como o Roberto Marinho — ele dizia: “se algum dia eu vier a faltar” — eu realmente não tenho planos de morrer logo. Se não for para esse livro, eu lançarei o volume 3 só com o meu texto de abertura e os 619 registros das bisbilhotagens deles sobre o presidente de um país amigo.
Não é que estão bisbilhotando Fidel Castro ou Raul Castro; estão bisbilhotando Lula, de um país que tem relações da melhor qualidade com os Estados Unidos. É duro, é difícil; o leitor é o que menos ganha no preço de um livro, apenas 10% do preço de capa. Mas compensa.
Compensa a alegria de ver um livro impresso do jeito que você queria que fosse. Mesmo que, se você abrir, queira meter a caneta, acho que isso acaba se tornando irrelevante perto da alegria de ver seu livro em chinês. Está aqui (mostrando o exemplar) o Olga em chinês, olha que lindeza!
Aqui tem livro em línguas que eu não sei ler. Lembro que, quando saiu, não sei se foi o Olga ou o Paulo Coelho, saiu em búlgaro. Como a Dilma é descendente de búlgaro, eu levei um exemplar para ela. Você sabe que nem ela nem eu conseguimos distinguir na capa do livro — que está por aqui — o que era o meu nome e o nome do livro, porque são caracteres parecidos com o cirílico. Não sei qual é o nome do alfabeto búlgaro; se é pura e simplesmente búlgaro.
Então, é uma alegria sem… e não se trata de vaidade nem de riqueza. Eu, por exemplo, vou fazer 80 anos daqui a dois anos, e não tenho nada; apenas uma motocicleta e um carro, um carro Volkswagen.
Dizer que fiquei rico porque vendi 6 milhões de livros em 38 países é uma ilusão; não estou colocando dinheiro na conta. O que eu ganhei, eu gastei; eu não uso drogas, não tenho apartamento em Paris, não sustento duas famílias. Ganhei e gastei; gastei com o quê? Com motocicletas e viagens.
Teve uma época em que minha mulher e eu resolvemos passar um período em Paris; fomos para lá e ficamos dois anos, e eu vendi tudo. Tinha um carro lindo, tinha uma motocicleta de último tipo; a motocicleta é o meu único vício. Agora, que não posso mais fumar charutos, a motocicleta se tornou a minha única dependência química.
Mas vale a pena, a satisfação de ver um livro, como a Veja, por exemplo, que não deu nada sobre o livro do Lula. Eu entrei na Veja pela porta da frente, pela lista dos mais vendidos.
Então, falando sobre essa questão de mídia hegemônica, você foi muito crítico na ocasião, quando aconteceu aquele escândalo do Moro, você disse, “é inacreditável o silêncio obsequioso e cúmplice da grande mídia sobre o escândalo envolvendo o ex-juiz Sérgio Moro”. Qual é a sua avaliação atual dessa mesma mídia quanto ao plano de assassinato do presidente, do seu vice e do presidente do STF?
Olha, a grande mídia — os jornalões, os canais de televisão e as revistas semanais — se tornaram um lixo, lixo. Com uma ou outra exceção aqui e ali, nada é absoluto; viraram um lixo.
Eu ia falar, na semana passada, num seminário da USP, mas acabei não indo porque a pessoa que vinha me buscar se esqueceu, e não vieram me buscar. Já tinha me preparado para falar que talvez devêssemos, nós, profissionais, nesse momento, aproveitar essa revolução que está ocorrendo no mundo a partir do Trump — um retrocesso — e fazer como fizeram os jornalistas na França depois da Segunda Guerra Mundial.
Eles se uniram em um grupo e criaram um jornal de jornalistas, o Le Monde, que está aí até hoje. Já não é mais um jornal cooperativo, agora é propriedade de algumas pessoas, mas está aí, está vivo e é um jornal confiável; é um dos mais confiáveis do mundo. Você pode contar nos dedos de uma mão e terá que colocar o Le Monde, se não estiver em primeiro lugar.
Então, quando eu falo isso, que a época é propícia, alguém vai dizer “ah, não, mas isso já foi tentado”. O Raimundo Pereira já tentou isso com o Movimento, o Fernando Gasparian tentou com o Opinião, mas a época era outra, tinha censura!
Hoje, a internet é cada dia menos confiável, por quê? Porque cada um senta na cadeira dele e escreve o que lhe der na telha. Você não conhece a pessoa, você não sabe se ela é séria, se ela apurou, se ela é confiável, se ela está a serviço de algum interesse escuso.
Quando eu vejo alguma coisa na internet, eu espero para checar, para ver a repercussão, o que era para ser uma coisa urgente, telegráfica, acaba sendo uma coisa lenta. Se não fosse pelo tempo ser curto, eu poderia passar aqui por dez sites e blogs e ler as manchetes e perguntar, será que isso é verdade? Ou será que isso é wishful thinking, se é manifestação de desejo do titular do blog?
Agora, isso só prova que, ao contrário do que a nossa esperança alimentava, a internet não está substituindo a grande imprensa com a credibilidade que, veja você, com a credibilidade que a grande imprensa tinha. Eu trabalhei na grande imprensa a minha vida inteira. Tem um hiato aí, que é o Nocaute, um blog que eu fiz, e que adotava nele os mesmos princípios que eu adotei quando trabalhava nos jornais de papel: seriedade, apurar com obstinação.
Agora, eu acho que está na hora de termos algum jornal independente com preocupação social. Um jornal com preocupação social, estou convencido, fará sucesso. E mais do que isso, minha ambição é maior: criar um jornal que possa circular no sul global, nesse enorme território mundial dos países em desenvolvimento, e alguns países já desenvolvidos, como a China.
Um jornal que possa cobrir América Latina, América Central, Europa e países desenvolvidos, que fazem parte do sul global. Tenho certeza absoluta de que estará fadado ao mais absoluto e completo sucesso.
Agora, como fazer isso? Juntando gente, jornal não é feito de máquinas. Bom jornalismo não é feito por uma rotativa, não é feito por um sinal de internet, o bom jornalismo é feito por bons jornalistas. E nos momentos perigosos, você tem que ter jornalistas bons e corajosos, momentos perigosos exigem jornalistas corajosos, você tem que enfrentar.
Você vê aí perseguição, como a da Patrícia Campos Melo, da Folha, filha do Helinho (Hélio Campos Melo). Ela está sendo perseguida por todos os lados. Por quê? Porque escreveu o que apurou, não porque insultou alguém ou falou mal da mãe de alguém. Não, ela está sendo perseguida pelas verdades que disse.
Por exemplo, temos a Janaína (Paschoal), essa maluca que assinou o impeachment da Dilma. Isso é fruto da mente doentia da Folha de S.Paulo, ela foi descoberta pela Folha, que a tirou do anonimato como professora obscura da PUC e começou a publicar seus artigos. Deu no que deu!
Agora, por que a Folha não convida, em meio ao massacre de palestinos em Gaza, a professora Arlene Clemesha para ser colaboradora regular? Porque ela tem uma posição independente, enfia o dedo na ferida do sionismo.
A Folha tenta não parecer comprometida com a direita, com os conservadores, pendurando alguns São Jorge na parede, entre eles, o meu querido amigo Breno Altman, que, vez por outra, é chamado para escrever contra o sionismo e a brutalidade de Israel, denunciando a verdadeira ORCRIM, Organização Criminosa, em que o Estado de Israel se tornou nas mãos de Bibi Netanyahu.
A imprensa não é para servir seus amigos, é para servir o leitor, e não tem ninguém que faça isso. A Folha só fazia isso na campanha publicitária: “Folha, o único jornal de rabo preso com o leitor”, mas imagina, quer enganar quem?
Digo isso por experiência, vou fazer 80 anos em breve, já são quase 65 anos de carreira, porque eu comecei muito pequeno, muito jovem, comecei com 15 anos, virei repórter por acaso e não larguei mais.
Como você é um observador da cena, com essa visão jornalística, você consegue cotejar o golpe de 1964 com toda essa tentativa de golpe que os milicos liderados pelo Bolsonaro tentaram dar agora?
Olha, o que tentaram fazer aqui foi dar um golpe sem precisar pôr tanque na rua, sem precisar prender ninguém, sem precisar recorrer ao pau de arara. Tentaram dar um golpe branco, como deram na Dilma.
O que houve contra a Dilma, o crime que a Dilma cometeu, a chamada “pedalada”, eu pedalei, eu cometi quando eu era Secretário de Educação. Chegava no fim do mês, não tinha recurso para pagar o salário dos professores, eu comprometia a arrecadação de ICMS do mês seguinte, pegava o dinheiro no Banespa e pagava os professores.
Quando vinha a arrecadação de ICMS e a cota parte que era da educação, pagava a dívida com o Banespa. Então, eu pedalei, isso nunca foi crime. Usar o recurso de uma instituição em outra instituição, não causa prejuízo ao erário público, às burras do governo.
O que se deu com a Dilma foi um golpe branco com a cumplicidade do postiço Michel Temer, está declarado, está gravado, o dono da Friboi gravou.
Acho que esse golpe que está sendo julgado — é preciso dizer que o (Alexandre) Moraes, de quem eu não tinha boa impressão, está se revelando um sujeito corajoso e certeiro. Eu bato no peito e faço minha culpa: eu realmente não tinha uma boa impressão do Moraes.
Ele já foi vitimado pessoalmente, foi humilhado, provocado, ele e a família em um aeroporto na Europa, acredito que ele está agindo com toda correção, com todo rigor, dentro da lei. Por quê? Porque deve ter visto o que o primeiro chefe dele, Michel Temer, fez com a Dilma.
O Michel não tinha o direito de aceitar ser vice-presidente, ele tinha que obrigar os caras a dar o golpe. Agora, a partir do momento que ele aceita, ele como vice aceita suceder uma presidente que está sendo caçada, entre aspas, dentro da Constituição, ele está revalidando o golpe, está dando foros de verdade a um impeachment que, na verdade, foi um golpe de Estado.
O 8 de janeiro teria o quê? Aquilo que está escrito, aquilo que eles planejaram. Balbúrdia, os três poderes derrubados, fisicamente derrubados, pela turba-multa. O que se pretendia era dar um golpe, sim, não tem nenhuma dúvida, só um ingênuo, só uma criança, um bebê, e esses malucos que se cobrem com a bandeira do Brasil e vão para passeatas e rezam para pneu.
Fora esse povo aí, qualquer pessoa que tenha um mínimo de discernimento sabe que estava sendo preparado um golpe. Está escrito, tem documentos que circulou entre eles, preparando tudo.
O ministro do Exército, o ministro da Marinha, o tenente, ajudante de ordens do presidente da República, o presidente da República, todos eles envolvidos, o ministro da Defesa, todos eles envolvidos. O plano era dar um golpe branco, um golpe que não tivesse cara de golpe, que fosse aceito no dia seguinte pela ONU, pela OEA, pelos Estados Unidos.
A partir do momento que você é reconhecido por três ou quatro países, salvo quando se trata de algo circense, como o Guaidó na Venezuela, que saiu vestido de presidente pelo mundo. Eu posso mandar fazer uma faixa aqui em São Paulo, tem uma loja no Bom Retiro que faz essas faixas, eu posso mandar fazer uma verde e amarela para mim, botar um terno azul marinho, um Armani bonito, sair dizendo que o novo presidente do Brasil sou eu.
Tem uma entrevista sua de 2021 que você disse que não bastava eleger o Lula, que era preciso uma bancada que o ajudasse a governar, que dialogasse com a discussão de eleger um congresso forte, como fez o México e o Uruguai. Qual é o caminho para consolidar esse congresso quando precisamos da coalizão de forças? As eleições estão se aproximando e acabamos de acompanhar esse episódio trágico, perigosíssimo, com relação ao deputado Glauber Braga, que envolveu uma questão muito delicada para o governo, inclusive, com uma possível cassação do deputado. Qual a sua leitura sobre esse momento que estamos vivendo? Porque você também não é só escritor, não é só jornalista, foi um brilhante político também, é uma marca da sua trajetória.
Olha, é preciso que se diga em primeiro lugar, só para não ficar sem uma reflexão sobre o Glauber Braga: ele está sendo perseguido por uma única razão, porque denunciou as falcatruas do Lira, só isso, as emendas secretas, as emendas pix, essa é a única razão pela qual estão perseguindo Glauber Braga.
Agora, só tem uma maneira de conseguir maioria no Congresso: mobilização popular, é preciso tirar a bunda da cadeira. Eu faço críticas ao PT pois eu sou muito próximo do PT. Às vezes, em debates, eu sou obrigado a dizer que não sou do PT, para que não confundam, só por uma questão de fidelidade aos fatos.
Eu acho que o PT engordou com a chegada ao governo, engordou.
Então, acho que é necessário ter mobilização popular. Cadê os movimentos populares? Cadê o MST, o MTST? Cadê a CUT? Cadê a CONCLAT? Cadê os sindicatos?
Tudo bem, eles foram muito esvaziados, mas é preciso lutar para que eles sejam recuperados em primeiro lugar e mobilizar as pessoas. O pessoal da Força Sindical é obrigado a sortear automóvel para reunir pessoas no 1º de Maio. Se não sortear automóvel, teremos o que aconteceu no ano passado: vão meia dúzia de gatos pingados assistir à manifestação.
Não vejo, não acredito que haja duas saídas; acho que só existe uma saída, que é a mobilização popular. Para isso, você precisa ter veículos de comunicação comprometidos com o Brasil, não com um Brasil.
Não com o Brasil da Faria Lima, o Brasil do agronegócio, o agronegócio pode ser pop, mas não é popular, é para atender aos interesses de meia dúzia de grandes latifundiários.
Quando João Pedro Stédile fala em reforma agrária, esse povo se arrepia e treme nas bases. Mas, veja, a reforma agrária é algo absolutamente indispensável para libertar um país. Tanto que, no Japão, a reforma agrária só foi realizada, porque lá também era dominado por latifundiários — um país com uma população maior que a do Brasil e um território igual ao estado de São Paulo — a reforma agrária foi feita à mão militar e pelo general MacArthur, no período em que o Japão era quase uma possessão norte-americana, no pós-guerra, quando se revelou que o imperador não era uma divindade.
Então, se você não tiver mobilização popular, pode tirar o cavalo da chuva, porque vão eleger o Tarcísio presidente da República. Meu Deus! Até eu, que não acredito nele, sou obrigado a dizer isso.
Respeito, respeito todas as religiões, respeito os evangélicos. Só não posso respeitar o sujeito que transforma a religião em uma guitarra, em uma máquina de imprimir dinheiro. Aquela cena célebre do pastor Macedo entrando no helicóptero com sacos de dinheiro. Isso é religião? Aquilo é armazém de secos e molhados.
Você não pode fingir que existe um Brasil da sua cabeça quando há outro Brasil real. Você tem que convencer essas pessoas de que estão sendo vítimas de um embuste, de uma tramoia, de uma arapuca. É isso. Não tem outra forma.
Se alguém aqui souber de outra maneira de fazer uma maioria no Congresso, conta. Vai ganhar o prêmio Pulitzer, vai ganhar o prêmio Nobel.