Com novo breque aprovado, categoria mantém reivindicação de aumento na tarifa e participa de atos do 1 de maio; confira a entrevista com Nicolas Santos, do Comando Nacional da paralisação

“O custo das condições ruins para os entregadores é alto para toda sociedade”, diz liderança do movimento
crédito: Sergio Silva – FPA

Em plenária virtual, na última quarta-feira (9), com a participação de mais de 200 trabalhadores, o Comando Nacional do Breque dos Entregadores deliberou a construção de uma nova paralisação, ainda sem data definida. Segundo o movimento, a pauta será a mesma da última mobilização, realizada no início do mês: reivindicar que as plataformas paguem tarifas mais justas pelas entregas (uma taxa mínima de R$10 por corrida). 

Na avaliação de Nicolas Souza Santos, uma das lideranças dos motoboys, o breque dos dias 30 de março e 1 de abril foi considerado vitorioso, pois houve um aumento na adesão nacional, além de maior impacto perante a opinião pública, com mais destaque na mídia e nas redes sociais. “Entendemos que não se trata de atacar o lucro, mas sim a imagem da plataforma”, afirma.

Integrante da ANEA, Aliança Nacional dos Entregadores por Aplicativos, o motoboy explica que o movimento acumulou muitos aprendizados na organização da paralisação e que, aos poucos, a indignação está se transformando em pautas mais concretas. Segundo Nicolas Santos, a ideia não é dialogar com a sociedade em uma perspectiva de “coitadismo”, mas sim de alertar sobre os riscos que os trabalhadores sofrem nas ruas e que o aumento com os gastos com esses profissionais no Sistema Único de Saúde impactam todos os brasileiros. 

Além disso, o movimento anunciou que vai se somar a diversos atos organizados por sindicatos no 1º de maio, Dia do Trabalhador. Em nota, o Comando afirma: “o objetivo é reafirmar que os entregadores por aplicativo são trabalhadores, sujeitos a jornadas exaustivas, ausência de direitos trabalhistas, insegurança e desvalorização”. 

Confira a entrevista: 

Qual foi a avaliação do movimento sobre o último Breque dos Apps? Como foi a construção junto à categoria?

Eu sou de uma associação aqui em Juiz de Fora, e também faço parte de um coletivo chamado Aliança Nacional dos Entregadores por Aplicativo, que tem lideranças locais de diversos lugares. E enquanto isso somos trabalhadores, temos a vivência da pista, sabemos do que a categoria realmente reclama, vamos levantando os problemas no bate-papo. A pauta do último breque foi muito justa e isso fez com que as pessoas aderissem e foi uma coisa muito louca porque superou as nossas expectativas. Tem cidade que parou que eu não faço ideia da onde fica. E isso foi muito por conta do acerto da pauta. Então a gente vem fazendo essa discussão dentro da Aliança desde o final de dezembro, de que existia essa insatisfação das ruas e a gente começou a trocar essa ideia com pessoas de fora da Aliança, outras lideranças da categoria, era urgente que a gente conversasse e construísse conjuntamente a pauta. Isso formou uma frente chamada Comando Nacional do Breque. E o Comando Nacional do Breque, desde que se organizou em torno de fazer essa mobilização, se reuniu, definiu a data e a pauta. Isso também foi uma coisa interessante, uma mudança com relação aos anos anteriores, que foi essa posição das lideranças de fazer a construção mesmo, a organização toda, arregaçar as mangas e trabalhar. E, é claro que com os breques anteriores a gente veio amadurecendo, construindo pontes, podendo conversar com outros movimentos, conversamos com a mídia, tivemos esses contatos bem estabelecidos. Então, tudo isso acabou contribuindo para realmente ser o maior breque que a gente já fez, em matéria de alcance, né?

Embora a mídia tenha dito 18 capitais, na verdade foram todas, foi noticiado em torno de 59 cidades, mas, na verdade, nem a gente sabe quantas foram, a gente estima que foi uma centena, muitas cidades do interior aderiram e ficamos sabendo depois. E nós entendemos que esse crescimento foi pela justeza da pauta, ela é inconfundível. Não tem um motoboy que vai virar e falar: ‘não, não quero’. E, na nossa avaliação, foi um acerto tático a gente ter mudado a data para segunda e terça, mesmo sendo dias de movimento mais fraco do iFood. Pensamos: ‘beleza, no final de semana o movimento é mais forte, é quando a gente tem que parar para provocar maior impacto financeiro’. Só que houve um amadurecimento também no sentido de pensar que a gente não tem condição hoje de provocar impacto financeiro porque a disparidade é muito grande. A receita do iFood no ano passado foi de 7 bilhões de reais. A taxa que a gente tá discutindo é de 6,50. A gente trocou ideia sobre isso com as pessoas. Falamos: ‘cara, 6,50, se eu fosse contar moedinhas de 1 real, uma a cada segundo, eu ia gastar seis segundos e meio para poder contar as moedinhas. Para contar 7 bilhões, eu gasto 220 anos. Isso revela a diferença e a contradição. Então, a gente resolveu não atacar o lucro, mas sim atacar pela imagem. Era muito mais interessante a gente aumentar a adesão em um dia mais fraco, do que ter uma adesão mais fraca em um dia de movimento mais forte. E deu certo. Se você acompanha a bolsa de valores, é uma empresa altamente financeirizada, a imagem da empresa é importante. O movimento acabou tendo uma cobertura gigantesca. Agora, o importante é o que que fazemos depois, já que o iFood, as empresas, elas simplesmente não deram resposta nenhuma, mas isso é outra discussão. 

“O custo das condições ruins para os entregadores é alto para toda sociedade”, diz liderança do movimento
crédito: Roberto Parizzoti

Mas, mesmo sem atender à reivindicação, as plataformas acabaram se pronunciando sobre o assunto na mídia, né…  

Todas as pautas tratam de dinheiro. Todas aquelas pautas estão tratando de dinheiro. É claro que é correlato, isso impacta em segurança, em transparência, em muita coisa, mas é daí que que a discussão tem que começar, né? Porque a real mesmo é a seguinte, se o trabalho está tá precarizado, ele tá difícil, ele tá desvalorizado, tipo, eu tenho que tomar chuva, eu tenho que tomar sol, tudo isso é verdade, só que tudo isso tem um preço. Se eu estivesse recebendo bem para isso, eu não estaria reclamando. Então, assim, a remuneração é o assunto central, é o núcleo, é realmente da onde a gente vai poder criar os outros questionamentos. Isso inclusive foi o que ajudou na adesão, porque isso é muito palpável, é muito concreto. A gente tirou o iFood um pouco dessa posição de conforto que ele fica. Mas o fato é que o nosso ato se ancora nesse limbo jurídico no qual os trabalhadores pelo aplicativo vivem. Falar sobre a remuneração acaba puxando mais essa outra discussão que é a questão da representação, de como é que se atende a esse tipo de pauta, né? Uma vez que o iFood pode simplesmente falar: “infelizmente não tem sindicato da categoria, eu não vou conversar com ninguém, não sou obrigado”. Então, hoje ele pode se ancorar nisso, porque ele fica navegando nessa zona cinzenta e a gente está ali nessa zona cinzenta também. Isso quer dizer que a gente tem a necessidade de uma regulamentação? É uma saída, né? A gente pode também ficar brigando na rua o resto da vida, a gente pode tentar esperar pelo espontaneísmo do mercado, ou seja, tem várias saídas, uma delas é a regulamentação. Agora, como essa regulamentação pode acontecer também é importante, porque o diálogo com a categoria tem que ser muito franco, muito aberto, para se dizer o que se pretende com isso, uma vez que a categoria é extremamente desconfiada, inclusive, eu conheço pouca categoria tão desconfiada, tão arredia quanto o motoboy.

Esse é um passo necessário, né? Discutir a regulamentação. E me parece que vocês têm acumulado elementos enquanto movimento. A gente fala da crise do sindicalismo e tudo mais, mas, também tem essa oportunidade surgindo da crise, de novas formas organizativas, né? No Seminário da Fundação Perseu Abramo e do PT, realizado lá em Brasília, você comentou que o diálogo entre a categoria é feito bastante pelo whatsapp, por exemplo. Explica um pouco mais sobre o dia a dia da estrutura organizativa.

É, a gente faz reuniões pelo Google Meet, pelo Zoom, mas a verdade é que todo mundo prefere sempre o Google Meet. Temos mecanismos no Telegram, no WhatsApp, ou seja, a gente utiliza o que existe de tecnologia para a gente poder conseguir criar esses espaços que não existem mais com o fim da concentração em fábricas, né? O nosso serviço é disperso, a gente tá cada um num canto, a gente tem que conseguir encontrar quais são as ferramentas que tem para a gente poder abrir esse diálogo com categoria, conversar. Tem também pessoas no YouTube que falam sobre o trabalho. Então, é uma categoria completamente conectada. O ambiente de trabalho é um aplicativo. A gente tem uma certa facilidade, obviamente, com o restante das ferramentas também, reconhecimento facial, banco digital, seja lá o que for. Agora, o lance é como a gente orienta isso para aquilo que a gente precisa. A gente tem, entre as nossas lideranças, pessoas que sabem programar, temos designers. Inclusive, até criamos uma identidade visual para esse último breque. E o interessante é que é mais dinâmico, traz respostas mais rápidas. A gente não tem que, por exemplo, falar assim: ‘ah, daqui a duas semanas a gente vai ter uma assembleia e a gente vai ter uma discussão de diretoria’, entendeu? E isso acaba trazendo respostas mais rápidas também. Agora, isso não quer dizer ainda que está pronto.

Essa é uma diferença com relação ao modelo sindical, que é bastante hierarquizado e, muitas vezes, burocratizado também. Você enxerga essa diferença? Apesar disso, neste ano, vocês vão somar no 1º de maio, como será essa participação?

Então, isso vai variar de cidade para cidade. Cada cidade tem suas próprias relações, construções, pontes, enfim, isso vai variar bastante. Em algumas cidades, provavelmente, o ato vai ser puxado isoladamente, em outras vamos nos integrar a atos que já existem. É o exemplo de Juiz de Fora, aqui temos um diálogo bem firmado com o movimento sindical da cidade. Na atual fase de organização das categorias, a gente é muito mais apoiado por eles do que o contrário. Temos exemplos de sindicatos com 100 anos de história, nós temos menos de cinco anos de existência, então, o apoio vem muito mais de lá do que o contrário. Aqui, como eu disse, a gente já se adiantou no sentido de dialogar com o movimento sindical, perguntar se tinha alguma coisa programada, e vai ter, então agora estamos conversando a respeito de como que a gente se integra, quais os símbolos etc. Para nós, é importante garantir a presença dos motoboys na rua no Dia do Trabalhador, que pra gente vai ser muito simbólico e marca uma virada frente à opinião pública, que é o fato da gente se reconhecer como trabalhador. Isso é extremamente importante. E vai desmentir uma série de críticas que estão sendo feitas de forma injusta ao nosso movimento, principalmente pela esquerda.

E sobre o diálogo de vocês com a sociedade? O breque teve uma repercussão boa nas redes sociais. Qual a importância nesse contexto?

Isso é muito importante. É mais do que importante, é necessário. Se não fosse importante, o iFood não ia patrocinar BBB, carnaval. Ele está tentando vender uma imagem. A gente tem que desmentir isso. É um instrumento clássico da política, é soft power, né? Como é que eu moro na mente das pessoas? E a gente tem que ir lá e tentar morar também. A gente tem que ganhar essas pessoas, tem que contar o que que tá acontecendo. E não é um coitadismo, não é um ‘nossa, olha como é que é que eu sofro’. Mas, a sociedade tá precisando do nosso serviço, se acostumou a ele, a pandemia inseriu dentro da sociedade uma nova forma, que é tipo o caminhoneiro urbano, tá ligado? Vai ter muita coisa que não funciona se a gente não trabalhar. Considerando que isso é um serviço que é um luxo, não tô dizendo que é um serviço de alto luxo, mas é um serviço que é um luxo. O fato de você poder estar de pijama, assistindo sua série e não precisar sair de casa para nada, não fazer mais do que colocar um chinelo para poder receber uma pizza, de boa dentro da sua casa. Alguém fez esse trampo, e isso tem um preço. A gente está colocando dessa forma. Os panfletos que a gente entregou para os clientes nesse último breque diziam justamente isso. Se você tá pagando barato na entrega, você pode ter certeza que isso sai da onde? Sai do SUS, da previdência. E sai muito mais caro. Motoboy parando dentro do hospital acontece o tempo todo, a gente conhece pelo nome e as cirurgias são sempre caras, de reconstrução, de coluna, ossos. A sociedade inteira está pagando isso. A troco de quê? A troco de receber um lanche com entrega grátis no portão de casa? Ou seja, isso é uma economia idiota, uma política burra. Não se produz pessoas para matar elas daqui a pouco, para mutilar. A gente inclusive começou a querer adotar esse tipo de discurso, sem o coitadismo, vamos entrar então na linguagem do capital, o Estado está gastando dinheiro errado com a gente. A gente precisa de valorização porque quando a remuneração é baixa, quando a taxa é de 6,50 e eu tenho que escolher entre pagar a conta de luz ou trocar o pneu, eu vou pagar a conta de luz, claro, e eu vou rodar com o pneu liso, então, eu sou uma potencial vítima amanhã, que vai entrar de novo nessa conta.

E sobre o caminho da regulamentação? Como a categoria enxerga? 

Olha, isso amadureceu bastante. Amadureceu, sensivelmente. E muito por conta do iFood, que não dá respostas. Existe uma coisa no imaginário do brasileiro que é a do ‘tem que obrigar, tem que proibir, tem que ter uma lei’, automaticamente as pessoas começam a concluir que é necessária uma mediação jurídica. De onde isso vai vir, a gente vai descobrir, né? Há a possibilidade de acionar órgãos judiciais, a possibilidade da gente tentar retomar um diálogo com o governo, porque a gente participou da regulamentação em 2023. Então, pode ser que a gente retome agora com mais elementos, com mais acúmulo. Inclusive, por parte do governo, porque o fracasso não foi nosso, o fracasso na nossa leitura foi do governo. Isso tem sido discutido pelo Comando, sobre como é que a gente pode fazer, se a gente constrói um texto, se a gente leva, se a gente inicia um diálogo para saber medir até onde que cada parte pode chegar. Enfim, tudo isso são coisas que agora a própria vivência política mesmo que vai trazer, e a gente vai fazer a avaliação. O ponto é que a gente precisa iniciar isso o quanto antes, porque a categoria tem pressa. E ao mesmo tempo é um assunto que não pode ser feito a toque de caixa. Eu acredito que o governo tenha total interesse nisso porque agora em junho tem a Conferência Internacional do Trabalho na OIT, né? Um dos temas que provavelmente serão tratados, inclusive como recomendação, é o trabalho por aplicativo e o governo tem que ter alguma coisa para mostrar. 

Com essas novas formas de trabalho, por aplicativo, há uma comparação imediata com trabalhos realizados via CLT. Qual a sua opinião sobre a forma com que a categoria encara as plataformas? O iFood é identificado como um patrão?

Isso tem mudado, mas o que a gente percebe de forma geral é uma indignação mesmo, questionamentos com relação a essa autonomia ser verdadeira. Essa relação de dependência está muito estabelecida, não é tão simples. As pessoas vêm me procurar quando são bloqueadas de forma arbitrária. É uma ferramenta, o pedido pode ser atendido ou não. Isso é pior do que CLT. Só o ganho pode ser maior, mas o trabalho em si é pior. Isso todo mundo sabe. Aqui em Juiz de Fora, por exemplo, tem um trabalho aqui que ele é disputado, que é o de motoboy celetista, existe um valor mais ou menos que se chega para equilibrar com os direitos como férias, 13º salário e outros benefícios. As pessoas repudiam a CLT por ser salário mínimo, porque salário mínimo não dá pra pagar as contas. A pessoa se reconhece em uma situação de dominação. Além disso, nenhuma crítica à CLT é mentirosa. O assédio moral do patrão é verdade, a escala 6 por 1 é verdade, o salário mínimo baixo é verdade, o alto imposto sobre consumo é verdade. Então, as pessoas reconhecem a relação de dominação, mas se você chegar com a conversa de CLT, ela fala: “Não, não quero não”. Tá ligado? Justamente porque todas as críticas são verdadeiras.