Ministro anunciou a abertura de novas vagas no programa Mais Médicos, quer rever mecanismo de pagamentos e alterar protocolos da rede para agilizar atendimentos 

Com Padilha, Saúde pretende fortalecer meta de redução de filas no SUS
Ricardo Stuckert – PR

Recém-chegado ao Ministério da Saúde, o experiente Alexandre Padilha assumiu a pasta, neste mês, com prioridades bem elencadas e o foco na agilidade das entregas. Ao tomar posse, o ministro declarou: “volto com mais energia e com uma obsessão, que é reduzir o tempo de espera para quem precisa de atendimento especializado no nosso país”. 

Vigente desde 2023, o Programa Nacional de Redução de Filas é a principal ponte para a materialização da obsessão de Padilha. A partir do programa, em 2024, o Ministério da Saúde, sob o comando de Nísia Trindade, registrou seu recorde histórico de cirurgias eletivas no Sistema Único de Saúde. Foram mais de 14 milhões de procedimentos realizados pelo SUS, um crescimento de 37% em relação a 2022. Apesar do índice, ainda há bastante trabalho a ser feito.

Segundo um estudo do Instituto Locomotiva, em fevereiro deste ano, 94% dos brasileiros da Classe C concordaram com a seguinte frase: “o tempo de espera para a marcação e realização de consultas e exames no SUS coloca em risco a vida de muitos brasileiros”.

Para atacar o problema, o ministro petista afirmou que irá envolver o setor privado, universidades, estados e municípios para reduzir a espera por consultas e procedimentos de média e alta complexidade. “A proposta, que já foi gestada, precisa agora ser implementada. Esse é o desafio do Padilha, é um desafio político, técnico e de construção de consenso, de uma nova forma de trabalhar”, comenta o médico Gastão Wagner.

Professor titular da Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp, Gastão Wagner foi um dos pioneiros na implementação do SUS no município do interior paulista. Além de ter atuado como Secretário de Saúde de Campinas em duas ocasiões, ele foi Secretário-Executivo do Ministério da Saúde no primeiro governo Lula, e é um dos organizadores do livro “Nas entranhas da atenção primária à saúde”, publicado em 2021.

“O SUS desde o nascimento sempre teve hospitais públicos insuficientes, não entrava muito nessa área hospitalar, por exemplo nos casos de câncer, sempre comprou metade das Santas Casas, de hospitais privados. E a maior parte dos ambulatórios especializados é de gestão estadual ou municipal. Então, como o SUS fazia? Como se fosse um mercado, fazia convênios com o setor filantrópico privado e contratos com estados e municípios, pagando baseado nos atendimentos”, explica Wagner. 

O modelo complexo da rede, segundo o professor, favorece que os atendimentos sejam mais demorados, dentre outros motivos, pela própria pulverização dos serviços necessários ao atendimento integral dos usuários. Por exemplo, não é raro que, após passar pela fila para conseguir uma consulta com um especialista, o paciente tenha que entrar em outras filas para realizar uma bateria de exames espalhados pela rede e, em muitos casos, em datas incompatíveis com a urgência do diagnóstico. 

O combate a esse fluxo requer ampliação orçamentária, que o governo federal já está fazendo, mas acima de tudo uma mudança de lógica. Essa desorganização da rede mantém a mortalidade, em algumas doenças, muito alta, e com uma disparidade regional muito grande, de acordo com Gastão Wagner. 

“Precisa ser colocado em prática o tal do atendimento integral. Então, se tem diagnóstico de câncer, o governo vai pagar, seja o hospital privado, seja o município, 40% a mais além do que já pagava. Assim, a pessoa entra na fila uma vez só. Sem essa de ter uma fila para mamografia, outra fila para a cirurgia. É uma reorganização. Desburocratizar, desfragmentar, é uma mudança radical de concepção, que os outros sistemas públicos já têm, como o sistema do Reino Unido, que é uma referência”, comenta o professor.

Nesse sentido, uma portaria do Ministério da Saúde, publicada dois dias após a chegada de Padilha, determinou a obrigatoriedade e a periodicidade de envio, para a Rede Nacional de Dados em Saúde, os dados de solicitações de procedimentos e encaminhamentos a serviços especializados. Segundo a pasta, com os dados digitalizados em um sistema nacional, há mais chance de controle das informações para evitar as múltiplas filas. 

Além da reorganização dos dados, há um comprometimento em enfrentar a lógica do modelo de financiamento conhecido como “tabela SUS”, no qual são definidos os valores de remuneração para procedimentos por meio de convênios. “Começaremos essa renovação pelos serviços que geram mais tempo de espera. Teremos um novo modelo de remuneração. Pagaremos mais e melhor para atendimento especializado que aconteça no tempo correto. Uma tabela que poupe o tempo.”, afirmou o ministro.

Com Padilha, Saúde pretende fortalecer meta de redução de filas no SUS
Thomaz Silva – Agência Brasil

Desafios do modelo tripartite 

Além da fragmentação da parte operacional do Sistema Único de Saúde, que depende das parcerias com estados, municípios e redes privadas, é preciso levar em consideração a complexidade do modelo de gestão do SUS.

Baseado em um modelo tripartite, com operação colegiada, além do orçamento, as decisões sobre os programas precisam passar pela CIT, que é a Comissão Intergestores Tripartite, um espaço de negociação para a constituição dos pactos que tratam dos programas e campanhas da pasta. 

A governança da comissão é composta por representantes do Ministério da Saúde, do Conass, que é o Conselho Nacional de Secretários de Saúde, e do Conasems, o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde. 

“É uma forma de democratizar o SUS. As principais diretrizes passam por lá, como o funcionamento do Mais Médicos, a nova política sobre saúde mental e o controle da Aids, por exemplo. Mas o que acontece, na prática, é que quem não concorda com determinada medida acaba não implementando, é o que acontece em diversos municípios que não possuem estratégias de Saúde da Família, entre outros casos”, aponta Gastão Wagner. 

O médico especialista em Saúde Coletiva, com ênfase em Planejamento e Administração, lembra do apagão de dados do Ministério da Saúde durante a pandemia de covid-19 e destacou a importância do papel do Conselho e do conglomerado de mídia, durante o período, para que o número de mortes continuasse a ser divulgado. 

Na cerimônia de posse, o ministro Alexandre Padilha criticou a ala conservadora e mandou um recado: “negacionistas, vocês têm as mãos sujas com o sangue de todos aqueles que partiram na pandemia. Este governo não permitirá que a perversidade de vocês gere indiferença e desprezo à vida das nossas crianças e famílias brasileiras”, disse.

Mais Médicos e Atenção Primária 

Para evitar que os casos clínicos evoluam para doenças graves, existe a estratégia da Saúde da Família, que é baseada em atendimentos periódicos com equipes multiprofissionais nas Unidades Básicas de Saúde, nos bairros, sem que sejam necessários grandes deslocamentos. Dessa forma, é possível controlar de forma mais eficaz, por exemplo, casos comuns de diabetes e hipertensão, com orientação de mudanças de hábitos com nutricionistas, dentre outras medidas. 

Com Padilha, Saúde pretende fortalecer meta de redução de filas no SUS
Thomaz Silva – Agência Brasil

O professor Gastão Wagner explica a importância dessa estratégia e aponta que, desde o início da gestão Lula 3, há a retomada e fortalecimento das equipes, já que durante o governo Bolsonaro o tema foi deixado de lado e até mesmo combatido, com o encerramento de algumas especialidades. Somente no primeiro ano do atual governo, o Ministério da Saúde reforçou em 52% o número de equipes, compostas por diversos profissionais da área, além dos médicos.

Para reforçar o quadro dos médicos no SUS, que são os profissionais que a rede pública tem mais dificuldade de incorporar,  e como parte integrante da estratégia da Atenção Primária, foi lançado, na semana passada, mais um edital que prevê a contratação de 2.279 médicos, totalizando 28 mil em atuação no país. Em 2022, eram apenas 13 mil. Atualmente, 66 milhões de brasileiros são beneficiados com o programa.