‘Trump pauta o debate público com bravatas e populismo, diz especialista
Donald Trump retorna à Casa Branca com bravatas imperialistas e ataques à imigração; Carolina Pedroso, especialista em relações internacionais, analisa o impacto global de sua retórica e sua habilidade em pautar o debate público
Donald Trump, mais uma vez, conseguiu o que queria. Com bravatas imperialistas e retórica inflamável, o republicano retorna à Casa Branca com promessas que vão do absurdo ao inatingível. Entre elas, há uma série de atrocidades no campo da diplomacia, como anexar o Canadá, comprar a Groenlândia e o já rotineiro ataque aos imigrantes latinos – sobretudo mexicanos. Nem tudo será de fato colocado em prática. Mas essas promessas já oferecem uma vitória ao mandatário republicano: conseguir manter a pauta da extrema-direita no centro do debate político global.
“Trump tem essa capacidade de pautar o debate público. Por aí ele já tem uma vitória. Muitas vezes isso deixa de lado se de fato ele vai conseguir colocar em prática tudo que prometeu. O discurso, claro, é muito simbólico porque vai apontar as prioridades que serão dadas ao longo do mandato, mas obviamente haverá limites, como já houve na decisão de retirar a cidadania de filhos de imigrantes”, aponta Carolina Pedroso, professora adjunta de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em conversa com a Focus Brasil.
Promessas e bravatas
Mais do que as bravatas imperialistas, como o delírio de anexar o Canadá, o que preocupa mesmo é justamente a questão da imigração – que, ao fim e ao cabo, é o tema principal das extremas-direitas no mundo todo.
“Para analisar a questão da imigração, é preciso utilizar ciências que vão além das relações internacionais. E a extrema-direita utiliza o medo do outro, do diferente, para criar essa narrativa de que os imigrantes são um problema, mesmo que estatisticamente eles não estejam retirando empregos de nativos tampouco representem uma ameaça na questão da segurança pública”, completa Pedroso.
Imigrantes trumpistas
Paradoxalmente, a retórica de Trump conquista até mesmo aqueles que, à primeira vista, seriam suas vítimas. Como explicar, então, o fato de haver imigrantes que apoiaram (e ainda apoiam) Donald Trump? Para Pedroso, é preciso olhar para a onda conservadora que domina o debate ideológico entre extrema-direita e campos progressistas.
“Trump nomeou o cubano-americano Marco Rubio como secretário de Estado, o que em tese parece ser uma grande contradição. Mas não só ele. Entrevistei para a minha tese de doutorado diversos venezuelanos que vivem nos EUA e uma grande liderança desse grupo afirmou que é impossível dialogar com comunista. Portanto, a questão ideológica ainda domina esse debate. Eles também se sentem estadunidenses”.
Estratégia bem-sucedida
Para endossar a narrativa, a extrema-direita tem se mostrado mais hábil no uso das plataformas de redes sociais e conseguido um senso de unidade global que a esquerda não consegue alcançar – sobretudo por não colocar limites na construção dessa narrativa.
“Uma das estratégias desse populismo do qual Trump faz parte é sempre propor soluções simples para problemas complexos. A extrema-direita é muito mais assertiva na forma de se comunicar porque faz isso de forma mais simples e sabe utilizar as ferramentas tecnológicas de maneira mais eficiente. O movimento feito por Mark Zuckerberg (que retirou a checagem de notícias das plataformas da Meta) mostra o quanto eles estão alinhados em seus objetivos. A empresa faz isso pensando também em ampliar o seu lucro”, explica a especialista.
Relação dos EUA com o Brasil
No dia da posse de Trump, o presidente Lula publicou um “boa sorte” em suas redes, fato que pegou muita gente de surpresa. Para a professora ouvida pela Focus, o Brasil acerta ao tentar diversificar suas relações comerciais para não depender apenas de um parceiro. “O fortalecimento dos BRICS neste sentido é primordial. O grupo tem sido um espaço de redução de influência da hegemonia do dólar. Então, ter esse tipo de relação é importante, ainda que os EUA sejam o principal parceiro ao lado da China”, afirma.
“O Brasil tem tido uma postura muito cautelosa desde que foi anunciada a vitória de Trump. Isso sugere que, no que depender do país, tudo será mantido de maneira cordial, sobretudo nas relações comerciais. Mas como qualquer relação, ela depende do outro lado, e essa postura do Brasil tem a ver com isso. O que mais preocupa, na verdade, é o tema das taxas porque isso pode ter um impacto concreto em nossa economia. O Brasil conseguiu, nos últimos anos, um equilíbrio na balança comercial com os EUA, vendendo o mesmo montante que comprou. Isso agora pode estar em risco”, alerta Pedroso sobre as relações entre o Brasil e os Estados Unidos.
Influência neonazista
O gesto de Elon Musk na cerimônia de posse de Trump ainda tem dado o que falar. Com as mãos estendidas, o bilionário saudou o público de maneira muito semelhante a Adolf Hitler, no que foi considerado uma menção explícita aos ideais nazifascistas. Para Carolina Pedroso, há, sim, uma influência estética desse grupo radical no gesto do apoiador.
“Isso é extremamente preocupante porque há diversos casos de gestos que remetem à supremacia branca dentro da cúpula trumpista e, ainda assim, nada acontece. Inclusive, os apoiadores preferem não ver conexão de uma coisa com a outra”.
O novo mandato de Trump não apenas reorganiza a política interna dos EUA, mas também ressoa como um catalisador para movimentos autoritários ao redor do mundo. Resta saber até onde esse impacto irá reverberar e como os demais países, incluindo o Brasil, responderão aos desafios impostos por essa nova era do trumpismo.