O Brasil e as ordens executivas da administração Trump, por James N. Green
Gage Skidmore/Wikimedia Commons

As dezenas de ordens executivas que Donald Trump assinou na segunda-feira, 20 de janeiro, no primeiro dia no cargo como 47º presidente dos Estados Unidos, não deveriam causar surpresa a ninguém.

Ele foi muito claro durante a campanha eleitoral a respeito do que faria em seu segundo mandato. Insistindo que teve uma vitória eleitoral esmagadora – embora tenha vencido por apenas 1,6% dos votos expressos e os resultados tenham sido próximos em muitos dos estados-pêndulo – Trump acredita que seu “mandato” justifica mudanças radicais nas políticas do antecessor, Joe Biden. 

Sua estratégia de “choque e pavor”, de sobrecarregar o público com medidas radicais, foi projetada para desmoralizar a oposição e dificultar o foco ou a priorização de questões específicas. Muitos de seus decretos terão um impacto indireto muito sério, se não direto, no Brasil.

Uma de suas primeiras medidas foi perdoar mais de 1.500 pessoas que invadiram o Capitólio dos EUA em 6 de janeiro de 2021 e atacaram violentamente a polícia que protegia o Congresso pois contestaram os resultados das eleições de 2020.

Os apoiadores do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro provavelmente usarão esse precedente para argumentar que o Congresso brasileiro deve emitir uma anistia semelhante para os insurgentes  de 8 de janeiro de 2023 e também anular a decisão do Tribunal Superior Eleitoral que tornou Bolsonaro inelegível até 2030.

Ao mesmo tempo em que perdoou seus aliados condenados criminalmente, Trump prometeu deportar cerca de 11 milhões de imigrantes indocumentados que vivem e trabalham nos Estados Unidos. Ele suspendeu o sistema eletrônico que permitia que pessoas em busca de asilo político solicitassem agendamentos de audiência. 

Trump também emitiu um decreto para retirar os direitos de cidadania constitucionalmente garantidos dos filhos desses imigrantes, nascidos nos Estados Unidos. Além disso, declarou que a fronteira sul representa uma emergência nacional e autorizou o exército dos EUA a se envolver no controle de fronteiras e possivelmente até mesmo na apreensão de pessoas sem documentos que lá residem e trabalham.

Há aproximadamente 1,8 milhões de brasileiros vivendo no país e talvez metade deles não tenha documentos legais. Muitos contribuem para a economia assumindo empregos de baixa remuneração que outros não querem fazer. Estimativas apontam que eles enviam US$ 3 bilhões anualmente para suas famílias no Brasil. 

Embora não esteja claro até que ponto Trump será capaz de executar seu plano de deportação, isso já causou pânico entre os imigrantes brasileiros nos Estados Unidos, que enfretariam deportação sem procedimentos legais que os protejam. Além disso, essas medidas também criarão dificuldades para as famílias no Brasil que dependem do apoio financeiro destes parentes nos Estados Unidos.

Muitos observadores das recentes eleições nos EUA insistem que uma das principais razões pelas quais Trump venceu foi o efeito da inflação na vida cotidiana das pessoas. Deportar milhões de trabalhadores sem documentos, que são essenciais para a produção agrícola nos Estados Unidos, provavelmente significará um aumento nos preços dos alimentos. 

Da mesma forma, a ameaça de Trump de impor tarifas sobre produtos importados de todo o mundo também aumentará a inflação, potencialmente enfraquecendo seu apoio; talvez não entre sua base, mas certamente entre aqueles que votaram nele sem muito entusiasmo.

Essa medida também pode ter um efeito significativo no agronegócio brasileiro, já que os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil. Não por acaso, o apoiador de Trump, Steve Bannon, anunciou Eduardo Bolsonaro como o próximo presidente do Brasil, quando as novas políticas tarifárias dos EUA podem prejudicar significativamente o setor da economia brasileira que mais apoia Bolsonaro, e que está feliz que Trump esteja de volta ao cargo.

Embora Jair Bolsonaro não tenha sido autorizado a comparecer à posse pelo juiz do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, dado o risco de fuga, alguns de seus principais apoiadores estiveram presentes. Alguns, sem dúvida, esperavam estar com Elon Musk, que realizou uma campanha internacional contra Moraes, alegando que ele reprimiu a liberdade de expressão em seus esforços para eliminar notícias falsas nas mídias sociais. 

Entre os membros do grupo de extrema direita estava o jornalista Paulo Figueiredo, neto do último ditador do Brasil, que visitou Washington no ano passado para participar de uma audiência no Congresso na qual defendeu que seu pai era um democrata e acusou o atual governo de ser uma ditadura autoritária.

Esses extremistas parecem aplaudir os rumos prometidos por Trump para a política externa. Quando questionado por um repórter no dia da posse sobre como seu governo lidará com a América Latina e o Brasil, Trump respondeu: “Eles precisam de nós muito mais do que precisamos deles. Nós não precisamos deles. Eles precisam de nós. Todo mundo precisa de nós.” Mais uma vez, Trump mostrou ao mundo o quão arrogante e desinformado ele é.

Nos últimos 150 anos, diferentes administrações dos EUA não hesitaram em invadir países da América Latina e do Caribe, atendendo a diversos interesses políticos e econômicos. O apoio dos EUA ao golpe de 1964 no Brasil continua sendo um momento trágico na história das relações entre os dois países. Felizmente, em 2022, o governo Biden e o Congresso dos EUA enviaram mensagens claras de que os Estados Unidos acreditam e apoiam a democracia no Brasil. 

Nesse sentido, em julho de 2022, a WBO organizou a visita de uma delegação de representantes de 20 movimentos sociais e ONGs brasileiras que viajaram a Washington para alertar o Congresso, a Casa Branca, o Departamento de Estado e a Organização dos Estados Americanos sobre a ameaça iminente à democracia brasileira representada por Bolsonaro.

Agora sabemos dos fatos que culminaram nos eventos de 8 de janeiro e da  trama envolveu o plano de assassinato do presidente Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do juiz Alexandre de Moraes, da Suprema Corte, contribuíram para dividir as Forças Armadas brasileiras, com um setor se recusando a participar da tentativa de golpe.

Trump, no entanto, quer voltar ao passado. Em linguagem imperial clássica, ele declarou em seu discurso de posse que deseja expandir o território dos EUA, e ameaçou “retomar” o Canal do Panamá, entre outras medidas. Seja isso um blefe ou represente uma real intenção geopolítica, se ele forçar uma invasão, o Brasil, junto com muitos outros países da região, sem dúvida oferecerão forte oposição em órgãos internacionais como a OEA (Organização dos Estados Americanos) e a ONU (Organização das Nações Unidas). Mas Trump parece não se importar com as organizações públicas internacionais pensadas para promover a paz, a compreensão e o bem-estar global. É por isso que ele iniciou o processo para retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris e anunciou que os Estados Unidos deixarão a Organização Mundial da Saúde.

Todas essas medidas são extremamente alarmantes para o Washington Brazil Office e seus aliados. Embora muitos ativistas nos Estados Unidos estejam preocupados com o momento atual, podemos aprender com o Brasil, onde quatro anos de luta para defender a democracia levaram à vitória do atual governo. Estamos cientes da tradição de mobilização nos Estados Unidos e lembramos as palavras do líder sindical Joe Hill: “Não lamente, organize-se!”

*James N. Green é professor emérito de História e Cultura Brasileira na Brown University, autor ou co-editor de onze livros sobre o Brasil e presidente do Conselho Diretor do Washington Brazil Office.

Este artigo foi escrito para a edição 151 do boletim informativo da WBO, de 24 de janeiro de 2025.