Agenda econômica, por Ligia Toneto
Fabio Rodrigues Pozzebom-Agência Brasil

O Brasil melhorou. O desemprego encontra-se no menor patamar da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), iniciada em 2012, assim como a renda em termos reais vem demonstrando consistente expansão. A extrema pobreza e a pobreza atingiram também os menores níveis da história do país, refletindo o sucesso das políticas de distribuição de renda, do combate à fome e à miséria do Governo Lula.

A equipe econômica, liderada pelo Ministro Fernando Haddad, tem trabalhado diuturnamente para cumprir a promessa de campanha do Presidente Lula: colocar os pobres no orçamento e os ricos no imposto de renda.

Antes mesmo de tomar posse, o Governo já tomou a primeira medida para cumprir a primeira parte da promessa, ao aprovar a PEC da Transição. Este feito permitiu a expansão de R$ 168 bilhões do gasto no orçamento, o que desmascarou o orçamento fictício de Bolsonaro, viabilizando a execução de políticas sociais fundamentais para o país. O orçamento que estaria vigente para o ano de 2023, se não fosse a PEC, não teria espaço para o Bolsa Família de R$ 600 reais – explicitando a mentira eleitoral contada por Bolsonaro de que manteria o valor – não teria espaço para o Farmácia Popular, para o Mais Médicos, para a retomada dos investimentos públicos como o Minha Casa Minha Vida, entre outros tantos programas retomados ou criados.

Além dos programas recuperados, também criamos uma série de novos programas. O Desenrola Brasil, também prometido na campanha, beneficiou mais de 15 milhões de brasileiros que estavam negativados e impedidos de retornar ao mercado de crédito. O Pé de Meia, que já vem demonstrando os primeiros resultados do sucesso na redução da evasão escolar no Ensino Médio, notadamente um dos grandes gargalos do nosso sistema educacional. O Acredita, sendo o maior programa de apoio ao crédito já criado no Brasil, composto por um espectro de crédito desde pessoas inscritas no CadÚnico até grandes investimentos internacionais na transformação ecológica, passando por crédito para MEIs, micro, pequenas e médias empresas e dinamização do mercado imobiliário.

Criamos o Plano de Transformação Ecológica, o Novo PAC e a Nova Indústria Brasil, pilares estruturantes da nossa estratégia de desenvolvimento, ancorada em combater desigualdades e promover sustentabilidade. Essa estratégia busca mobilizar de maneira virtuosa as potencialidades da economia brasileira e fazer da transformação ecológica uma oportunidade concreta para o desenvolvimento econômico e para a reversão do processo de desindustrialização.

A PEC da transição, além de abrir espaço para a recuperação e criação de diversos programas, foi o que permitiu que o Teto de Gatos fosse enterrado e substituído por uma regra fiscal aprovada por Lei Complementar, alinhando o Brasil às melhores experiências internacionais. Neste contexto, o Governo cumpriu ainda no primeiro semestre outra proposta de campanha que era extinguir o Teto de Gatos e substituí-lo por uma nova regra fiscal baseada na credibilidade, flexibilidade, previsibilidade e anti-ciclicidade, como é o Regime Fiscal

Sustentável. Como escrevemos em nosso Programa de Governo:

“Vamos recolocar os pobres e os trabalhadores no orçamento. Para isso, é preciso revogar o teto de gastos e rever o atual regime fiscal brasileiro, atualmente disfuncional e sem credibilidade.

Construiremos um novo regime fiscal, que disponha de credibilidade, previsibilidade e sustentabilidade. Ainda, que possua flexibilidade e garanta a atuação anticíclica, que promova a transparência e o acompanhamento da relação custo-benefício das políticas públicas, que fortaleça o Sistema de Planejamento e Orçamento Federal e a articulação entre investimentos públicos e privados, que reconheça a importância do investimento social, dos investimentos em infraestrutura e que esteja vinculado à criação de uma estrutura tributária mais simples e progressiva. Vamos colocar os pobres outra vez no orçamento e os super-ricos pagando impostos.” (Diretrizes para o Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil. Lula-Alckmin 2023-2026. Coligação Brasil da Esperança, 2022. p. 10).

O Regime Fiscal Sustentável busca trazer previsibilidade para a política fiscal, para que as expectativas com relação à trajetória dos indicadores fiscais estejam ancoradas. É uma regra crível, ao estabelecer metas pelo próprio governo de acordo com a conjuntura de cada momento, mas flexível ao manter uma banda para seu cumprimento. A regra é também anticíclica, porque garante que as despesas tenham sempre um crescimento real de, pelo menos, 0,6%, que corresponde ao crescimento populacional brasileiro, garantindo que ao menos os gastos per capita sejam preservados, mesmo em momentos recessivos – diferenciando-se de todas as regras anteriores. Ou seja, acomoda choques recessivos, de um lado, e de outro atenua momentos de boom econômico, limitando o crescimento de gastos a 2,5% acima da inflação, quando a política fiscal não precisa atuar como aceleradora da economia.

É importante ressaltar que a mudança do marco fiscal também eliminou o incentivo perverso criado pelo teto de gastos que, ao olhar exclusivamente para a despesa, abriu espaço para o crescimento exacerbado e sem transparência de gastos tributários (apropriados sobretudo pela parcela mais rica da população) que, apenas no ano de 2022, cresceram mais de 1.000% (mil por cento!). Ou seja, não tinha credibilidade não só porque tornou-se um teto esburacado, que todo ano era alterado, como também não garantia a sustentabilidade da dívida, ao olhar apenas para um componente do resultado orçamentário. Mutilou os programas sociais sem atingir os objetivos propostos e perdeu credibilidade com a sociedade e com o mercado.

O cumprimento do novo regime fiscal sustentável é fundamental para a credibilidade da política econômica. Seu desenho foi pensado de maneira que conseguisse alcançar a estabilidade da dívida pública – que estava em trajetória crescente –, recuperar a confiança na política fiscal sem que fosse custoso socialmente para o Brasil e, com isso, permitir o cumprimento do programa eleito pelo povo em 2022. Ou seja, permitindo a recuperação de todos os programas sociais e o crescimento real dos gastos que custeiam as políticas públicas.

Diferentemente de qualquer outro Governo, em que tipicamente o primeiro ano consiste em um ano de ajuste, para flexibilização nos anos posteriores, este Governo começou com um robusto impulso fiscal. Isto foi necessário, como apontado acima, para a retomada e criação de programas sociais e políticas voltadas ao desenvolvimento econômico, como o estímulo ao investimento público.

Vale destacar, do outro lado da equação, que, ao recuperar o papel da receita, o Governo iniciou uma agenda de recomposição da base orçamentária através da cobrança do andar de cima.

Combatemos privilégios, revisamos concessões de gastos tributários ineficientes e sem transparência, e iniciamos a Reforma da Renda a partir da aprovação da taxação de fundos exclusivos e offshores. O crescimento das receitas através do combate aos privilégios e da cobrança dos mais ricos foi de 9,7% em 2024 acima da inflação.

Aprovamos também a Reforma Tributária do Consumo, aguardada por décadas, trazendo maior eficiência e simplicidade para o nosso sistema tributário. Esperamos que com sua implementação, possamos elevar em até 10% o potencial de crescimento do PIB brasileiro. Além do aprimoramento do Regime Tributário, permitindo maior crescimento e maiores empregos, o que beneficia a economia como um todo, incluímos dispositivos de justiça tributária como o cashback para famílias pobres, a isenção da cesta básica, a desoneração da carne, a possibilidade de taxar jatinhos e lanchas, e criamos o Imposto Seletivo, para desincentivar o consumo de bens e serviços danosos à saúde e ao meio ambiente.

As consequências na economia dos esforços do Governo são inegáveis.

A economia brasileira vem crescendo e superando todas as expectativas do mercado porque reativamos o ciclo da renda, ampliando o poder de compra das famílias, e adotamos políticas voltadas ao investimento, para ampliar o crescimento de longo prazo. O resultado disso foi que em 2023, enquanto no início do ano esperavam que o nosso crescimento não fosse nem de 1%, bateu mais de 3%. E, em 2024, enquanto esperavam que cresceríamos apenas 1,4%, vamos crescer mais que o dobro, mesmo com a calamidade do Rio Grande do Sul. Se em 2023 o crescimento foi puxado pela recuperação do consumo das famílias do lado da demanda e da agricultura do lado da oferta, em 2024, mantivemos a expansão pelo lado da demanda com o crescimento do consumo das famílias, mas passamos também a ter participação importante do crescimento dos investimentos e, do lado da oferta, da indústria. Ou seja, também melhoramos a composição do crescimento gerando mais empregos.

O resultado fiscal do Governo também vem demonstrando melhora. Em 2023, o déficit primário foi de 2,1% do PIB, mas se excluídos os calotes de Bolsonaro, dos precatórios e da compensação aos governadores, haveria sido de 1,1%. O resultado em 2024 deverá ser negativo em cerca de 0,5%, excluídas as despesas para socorro ao Rio Grande do Sul que não entram no cálculo do resultado primário, pela condição de emergência. O Governo Lula não mediu esforços em socorrer o Rio Grande do Sul, demonstrando o que é um Governo verdadeiramente dedicado a cuidar das pessoas, em contraposição à tragédia que foi a atuação de Bolsonaro na pandemia. Estas medidas foram plenamente possíveis com uma exceção inegavelmente justificável ao regime fiscal.

Construímos uma regra fiscal compatível com os desafios e contradições do desenvolvimento brasileiro. Dos desafios sociais à vulnerabilidade monetária. Da elevada desigualdade à baixa progressividade tributária. Que viabilizasse o programa eleito nas urnas em 2022 dada a correlação de forças da sociedade e do Congresso.

A sustentação da agenda econômica e dos programas do Governo depende da credibilidade da regra que nós propusemos e aprovamos para enterrar o Teto de Gastos. Em primeiro lugar, porque o crescimento indeterminado e acelerado da dívida pública não é desejável para nenhum país, pois gera uma parcela também crescente de pagamento de juros dessa respectiva dívida e dificulta o investimento. É importante uma estratégia que aponte para uma estabilização da dívida brasileira. Ademais, porque para um determinado ritmo de crescimento global das despesas, se alguns componentes crescem mais do que o total, alguns deverão crescer menos. Ou seja, se há gastos obrigatórios que crescem sempre no mesmo ritmo de receitas, e o total

crescerá apenas uma parcela disso, os gastos discricionários deverão reduzir seu ritmo de crescimento. Isso significa que a sustentabilidade do modelo fica comprometida, assim como os gastos discricionários tais quais investimentos públicos, fundamentais para aumentar o crescimento de longo prazo. Finalmente, porque a fragilização das expectativas fiscais tem impacto sobre câmbio, sobretudo em um país com mercado de capitais tão aberto quanto o nosso. A desvalorização do câmbio tem impacto sobre a inflação, e a inflação afeta sobretudo os mais pobres, ainda mais se houver repasse do câmbio para o preço de alimentos, que tem peso maior na cesta de consumo destas famílias.

Diante da necessidade de ajustar o ritmo de crescimento das despesas para fortalecer o regime fiscal, o Governo como um todo, em um extenso processo de discussão para se chegar a uma proposta que desse conta da complexidade de nossos desafios, apresentou o conjunto de medidas anunciado pelo ministro Fernando Haddad no dia 27 de novembro de 2024.

Conseguimos, pela primeira vez, fazer uma proposta de ajuste das contas públicas que leve em consideração que quem ganha mais, paga mais. É o caso de limitar os super-salários e da Reforma da Previdência dos militares, extinguindo transferência de pensão, morte ficta, e elevando a idade mínima de aposentadoria progressivamente. Propusemos também maior igualdade entre os entes da federação, submetendo o crescimento do Fundo Constitucional do Distrito Federal à mesma regra dos demais fundos de desenvolvimento regional, que é a variação do IPCA. Criamos limitações à criação de benefícios tributários e reduzimos o ritmo do crescimento de emendas parlamentares, a um ritmo inferior do restante do orçamento, fazendo com que ocupem cada vez menos espaço, retornando capacidade de administração para as políticas do Executivo.

No caso do salário-mínimo, a regra nova proposta pode limitar o crescimento em momentos de grande crescimento econômico, mas por outro lado, também é verdade que pela primeira vez passa a garantir um piso de crescimento real do salário mínimo acima da inflação, independente da conjuntura econômica. Vale lembrar que a Lei de Valorização do Salário-Mínimo só passou a valer em 2012 e que durante seus anos de vigência o crescimento médio real do salário mínimo foi de 2,1% ao ano. Antes disso, apesar das grandes valorizações, não havia lei que regrasse qual seria este crescimento, o que abria uma brecha para a manutenção ser interrompida a depender do governo que assumisse e da conjuntura. De fato, depois com a crise e com o teto a lei de valorização foi revogada. Nos anos de crise, em que o salário-mínimo ficou estável e até foi arrochado, uma Lei que garantisse o crescimento apesar da queda da atividade poderia ter sido um importante motor anticíclico para apoiar a recuperação econômica e, sobretudo, não permitir que a queda da atividade agravasse ainda mais as desigualdades. No caso do Benefício de Prestação Continuada, as alterações são direcionadas sobretudo ao combate de fraudes e garantia da destinação efetivamente para quem precisa. É importante garantir que todas as pessoas beneficiárias das políticas de transferência de renda tenham acesso com a maior velocidade possível às informações necessárias para o recadastramento e monitoramento dos benefícios, e o partido deve ser um veículo fundamental destas informações.

Finalmente, e mais importante, não podemos deixar de lado que este conjunto de medidas foi anunciado junto da maior Reforma do Imposto de Renda já proposta neste país. A proposta vem para cumprir a promessa de campanha do Presidente Lula, de isentar quem ganha até R$ 5 mil reais, cobrando mais de quem ganha acima de R$ 50 mil por mês. Cumprindo o que defendemos e acreditamos de justiça tributária, bandeira histórica do PT, propusemos isentar 20 milhões de brasileiros e reduzir a alíquota de outros 16 milhões, cobrando mais de apenas 200 mil contribuintes do andar de cima.

“O Partido dos Trabalhadores surge da necessidade sentida por milhões de brasileiros de intervir na vida social e política do país para transformá-la.” Precisamos enfrentar os problemas reais e as condições materiais para transformar a realidade do país e de milhões de brasileiros. Estamos trilhando um caminho neste sentido: que seja claro em apontar uma agenda de desenvolvimento e de superação do subdesenvolvimento de longo prazo, através do Plano de Transformação Ecológica, da Nova Indústria Brasil e do Novo PAC; que retoma, expande e cria políticas sociais e transferências de renda, do Novo Bolsa Família ao Pé de Meia; e que não tenha medo de combater privilégios. É assim que vamos cumprir a promessa do Presidente Lula e nosso desafio de todos os dias: colocar o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda. Estamos no rumo certo, construindo um país mais forte, eficiente e, acima de tudo, mais justo.

Ligia Toneto é economista, assessora da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda