Mau agouro não bate com o mundo real, por Paulo Okamotto
Nada de novo. A mídia sendo a velha mídia de outros carnavais, porta-voz dos agentes mais especulativos do mercado
Os editoriais dos três jornalões de São Paulo e Rio, mais o diário econômico Valor, foram unânimes em desacreditar o pacote de medidas fiscais anunciadas pelos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e da Casa Civil, Rui Costa, e pelas ministras do Planejamento, Simone Tebet, e da Gestão, Esther Dweck, na quinta-feira, 28/11. O Estadão chamou o pacote de 13 medidas de “Pastel de Vento”; a Folha de S. Paulo fala em “corte pífio” e o Globo define que o “Plano de controle de gastos é tímido e insuficiente”. Já o Valor diz que as “Medidas não dão solidez estrutural ao regime fiscal”.
Nada de novo. A mídia sendo a velha mídia de outros carnavais, porta-voz dos agentes mais especulativos do mercado, que se aproveitaram do azedume geral do noticiário, na maior parte do tempo pautado por eles mesmos, para ganhar dinheiro da pior forma que lhe é peculiar: jogando as cotações de dólar e juros para as alturas. Isso, sim, sem nenhuma relação com a “solidez estrutural” das reservas externas brasileiras, nem com os parâmetros de inflação e endividamento do País, sob controle.
De forma límpida e direta, digamos: os ditos formadores de opinião queriam, até exigiam, que o governo do presidente Lula adotasse um programa para o qual não foi eleito. Um programa que colocasse como prioridade um ajuste de contas públicas desconectado da busca do bem-estar do povo brasileiro. Porque se há um guia mestre do governo Lula é colocar dinheiro no bolso do trabalhador e comida na mesa do povo.
Onde veem inconsistência, vejo coerência. Defendiam, como medida extrema, que o governo aceitasse desvincular o reajuste do salário-mínimo da fórmula vigente (INPC do ano anterior + variação do PIB de dois atrás), passando a corrigi-lo apenas e tão somente pela inflação passada. De igual modo, queriam que o governo passasse por cima de dispositivos constitucionais que voltaram a valer desde o fim do teto de gastos e promovesse a desvinculação das verbas da educação e da saúde da receita.
Queriam que houvesse correção das verbas da educação e da saúde apenas pela inflação passada. No máximo, concederiam que o governo as enquadrasse no intervalo de 0,6% a 2,5% do arcabouço fiscal. Assim, se sobreveio uma alta do dólar, pela primeira vez, acima de R$ 6,00, estava então demonstrada a “bola fora” do governo. Só que fatores técnicos preponderantes (reservas sólidas e superávit comercial abundante) vão falar mais alto e o dólar tenderá a recuar para um patamar anterior ao do chilique atual.
É preciso ver os fatos como eles são. No plano econômico propriamente dito, o receituário neoliberal extremado perseguido pelo mercado não faz a mínima questão de que os pontos A e B estejam ligados. O ponto A é o equilíbrio fiscal prometido pelo arcabouço fiscal e o ponto B, a recuperação econômica notável que o País vem tendo. Para o mercado, o ponto A é absoluto e o ponto B, condicional; só pode acontecer se o dito ajuste fiscal estrutural ocorrer. A velha história do ovo e da galinha. Se sobreviesse um quadro recessivo por causa do “ajuste estrutural”, isso seria apenas dano colateral.
Por ironia do destino, apenas um dia após as críticas ferozes ao pacote fiscal, a PNAD Contínua do 3º trimestre mostrou que, com uma taxa de 6,2%, o País registrou o mais baixo índice de desemprego desde janeiro de 2012, quando o IBGE começou o cômputo da série. Mais de 103 milhões de pessoas compuseram a força de trabalho; 53,4 milhões no setor privado, dos quais 39 milhões com carteira assinada. O emprego cresceu 2,9% na indústria; 2,4% na construção e 3,4% em outros serviços. Juntas, essas atividades incorporaram 751 mil trabalhadores no trimestre. Também o rendimento real do trabalhador cresceu 3,9% e a massa de rendimentos, 2,4%. O País respira bem, acima da linha d’água, e fazer um ajuste fiscal cego, sem levar em conta que no mundo real as pessoas precisam de emprego, renda e serviços teria como consequência inundar os motores da recuperação, contrair o mercado interno e deprimir o investimento.
Em nenhum momento o governo negou que precisava controlar a expansão dos gastos. Especialmente porque, sem esse controle, o aumento de gastos come a parcela dos recursos livres de que dispõe para levar adiante programas essenciais como bolsas de estudo, farmácia popular e outros. Evitar a paralisia orçamentária é essencial.
O que não é possível é aceitar o argumento de que, sem o controle “estrutural” das contas públicas, o Brasil verá a dívida interna aumentar e, por consequência, terá a volta da explosão inflacionária. Ora, o arcabouço fiscal, até prova em contrário, serve justamente para evitar que isso ocorra. E, além do mais, desconectado de uma perspectiva real de crescimento econômico, o ajuste fiscal “estrutural” já mostrou toda a sua limitação quando foi adotado o teto de gastos em 2016. O Brasil registrou anos medíocres de crescimento nos governos Temer e Bolsonaro.
Os críticos também apontam que o nervosismo do mercado se deu por causa do “populismo” do governo ao anunciar, casado ao pacote fiscal, a prometida isenção do imposto de renda para quem ganha até 5 mil reais e a cobrança de uma contribuição mínima de 10% para quem ganha acima de 50 mil reais por mês. Cortina de fumaça. Esta alteração depende de mudança legal e anualidade fiscal, só podendo tornar-se efetiva a partir de 2026. Nenhum prejuízo, portanto, para as contas públicas de 2025.
Para estas e para 2026, o “pastel de vento” do governo projeta uma economia de R$ 70 bilhões, suficientes para entregar o compromisso de déficit zero no próximo ano e superávit de 0,25% em 2026. É claro que as coisas não são estáticas na economia, que as medidas precisam passar pela aprovação do Congresso Nacional, e que eventuais ajustes de rota possam ser feitos, inclusive com novos instrumentos que reforcem a disciplina do arcabouço fiscal. No governo do presidente Lula, a regra é clara. Não existem nem medidas heroicas, nem balas de prata de triste memória.
O que importa é cuidar bem do povo e produzir desenvolvimento social.
Paulo Okamotto é presidente da Fundação Perseu Abramo.