Jeito, cara e prova: Bolsonaro tentou dar um golpe no Brasil, afirma PF
Denominado pelos militares de “Punhal Verde Amarelo”, o plano envolvia militares das Forças Especiais do Exército, conhecidos como “Kids Pretos”
Os gritos de brasileiros que foram às ruas em 2018 e em 2022 na tentativa de impedir que Jair Messias Bolsonaro chegasse à presidência da República, algo que soava até então somente como piada de mau gosto, não foram em vão.
Milhões disseram não ao autoritarismo que representava a eleição do até então deputado federal pelo Rio de Janeiro, ex-capitão do Exército Brasileiro que foi alçado a líder da extrema direita no país pela elite econômica, especialmente a agrária neopentecostal. Ainda assim, ele foi eleito para seu primeiro mandato, derrotando Fernando Haddad (PT), depois de uma dura perseguição que tirou o presidente Lula da corrida eleitoral – e que o derrotou quatro anos mais tarde.
Desde sua eleição e o começo do seu governo em 2019, Jair Messias Bolsonaro intensificou a face autoritária que já lhe acompanhava de carreira: criou o governo com mais militares desde a ditadura militar, que se deu com o Golpe de 1964, que ele nega, e que se perpetuou por 21 anos com censura, cassação de direitos políticos, prisões, torturas e assassinato, crimes praticados por militares.
Com azar, o Brasil enfrentou em seu governo a maior pandemia dos últimos tempos, a de COVID-19. Cerca de 700 mil pessoas morreram no Brasil, um dos casos expoentes de má conduta durante o período. O governo de Bolsonaro negou a pandemia e também sua prevenção, além de adotar uma política antivacina que levou milhares de brasileiros à morte.
Os gritos de 2018 e 2022 eram de pavor: para que nunca mais se repita, ditadura nunca mais, abaixo o autoritarismo. Era claro o que viria. Com a eleição da chapa de Lula e Alckmin em 2022, em outra dura eleição marcada por fake news e luta contra a milícia digital do Gabinete do Ódio montado pelo clã Bolsonaro no Planalto – superada uma fase obscura que compreende o o período entre a Lava Jato, o Impeachment de Dilma Rousseff, a prisão de Lula e a eleição de Jair Bolsonaro – ficou claro que não aceitariam a derrota e que logo mobilizaram seus seguidores para refutar o resultado das eleições.
O próprio presidente Bolsonaro se recusou a reconhecer, como proforma, o resultado imediato da vitória de Lula naquele outubro de 2022 e não compareceu à cerimônia de posse para a transmissão da faixa presidencial. Uma sequência de fatos “estranhos”, como os atentados em Brasília na noite da diplomação de Lula – que à essa altura tinha em sua equipe de ça um policial federal infiltrado, que passava informações de seus passos aos golpistas – e os explosivos encontrados em um caminhão num posto de gasolina do Distrito Federal, os acampamentos nas portas de quartéis que se avolumavam e rumavam a Brasília, até culminar no fatídico dia 8 de janeiro, com Lula já empossado.
O que o Brasil assistiu em 8 de janeiro não nos dava ideia, no entanto, do que se descortinaria a partir das investigações do envolvimento do governo de Jair Bolsonaro e de militares de alta patente que o acompanhavam, como os Generais Augusto Heleno e Braga Netto, que sempre foram da roda miúda de Messias.
Operação Contragolpe
As revelações vieram com a denúncia que a Polícia Federal apresentou após concluir preliminarmente a Operação Contragolpe, que investiga tentativa de Golpe de Estado e Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito. Era uma terça-feira (19/11), quando o país entrou em choque com as denúncias que a PF apresentava – o Brasil sediava, então, a cúpula do G20, no Rio de Janeiro, que envolviam até mesmo notícias do planejamento da morte do presidente Lula, do vice Geraldo Alckmin e do ministro do STF Alexandre de Moraes.
Dias depois, na quinta-feira, a Polícia Federal pediu o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e outros 36 nomes, dentre eles 25 militares, um bando liderado por ele para levar a cabo um golpe de Estado. Destacam-se os nomes de Braga Netto, general da reserva, ex-ministro da Casa Civil e vice de Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022; Augusto Heleno, general da reserva e ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo Bolsonaro; Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Informações (Abin) do governo Bolsonaro; Valdemar da Costa Neto, presidente do PL, partido de Bolsonaro.
“O relatório final foi encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, contendo o indiciamento de 37 indivíduos por crimes que vão desde a abolição violenta do Estado Democrático de Direito até golpe de Estado e organização criminosa”, informou a PF, em nota oficial.
O inquérito foi encaminhado ao ministro Alexandre de Moraes, relator do processo no STF. Com a entrega do relatório, a PF declarou concluídas as investigações sobre as tentativas de golpe de Estado.
O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no STF, autorizou a prisão preventiva do general da reserva Mário Fernandes e dos tenentes-coronéis Hélio Ferreira Lima, Rafael Martins de Oliveira e Rodrigo Bezerra Azevedo. Os quatro são integrantes das Forças Especiais do Exército, também conhecidos como “kid pretos”, altamente especializados em ações de guerrilha, infiltração e outras táticas militares de elite. Também foi autorizada a prisão preventiva do agente da PF Wladimir Matos Soares, suspeito de envolvimento no plano.
Já nesta terça-feira (26), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), derrubou o sigilo do inquérito que investiga a intentona bolsonarista contra a democracia brasileira. O magistrado também remeteu os documentos que somam 884 páginas, à Procuradoria-Geral da República (PGR), que vai decidir se apresenta denúncia contra os acusados.A Procuradoria-Geral da República (PGR) ainda avaliará os indícios para decidir sobre a denúncia contra o extremista de direita. Caso a denúncia seja feita, a Justiça determinará se Bolsonaro se tornará réu.
Apesar disso, há indicações de que o Supremo Tribunal Federal (STF) começará a se preparar para julgar Bolsonaro, militares e demais envolvidos já no primeiro semestre do próximo ano. A intenção seria evitar que os processos se prolonguem até o período eleitoral de 2026.
Reação do capitão
As reações desesperadas de Bolsonaro ao cerco da Justiça, hora tentando minimizar seu indiciamento pela PF, hora se vitimizando, foram constrangedoras até para os padrões da extrema direita. “Posso ser preso ao sair daqui”, indicou a jornalistas, ao desembarcar no Aeroporto Internacional de Brasília, na segunda (25).
Na mesma entrevista, o ex-presidente chegou a admitir que o Estado de Sítio estava entre seus desejos, depois de perder as eleições de 2022. A solução, argumentou Bolsonaro, seria uma maneira de se manter “dentro das quatro linhas”. “Jamais faria algo fora das quatro linhas da Constituição. Dá para resolver tudo nas quatro linhas”, confabulou.
A nota da defesa do general da reserva Braga Netto – vice de Bolsonaro nas eleições de 2022 e igualmente indiciado pela PF – também soou como uma confissão da tentativa de golpe de Estado. Conforme o jornal O Globo, membros do PL se disseram constrangidos com a refutação de um “golpe dentro do golpe”, postulada pelos advogados do general, o que comprovaria a lealdade de Braga Netto para com o ex-presidente.
Após ser indiciado pela Polícia Federal, o ex-presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta quinta-feira (21), em entrevista ao portal Metrópoles, que aguardará seu advogado para avaliar os próximos passos. “Tem que ver o que tem nesse indiciamento da PF. Vou esperar o advogado. Isso, obviamente, vai para a Procuradoria-Geral da República. É na PGR que começa a luta. Não posso esperar nada de uma equipe que usa a criatividade para me denunciar”, disse.
Bolsonaro também utilizou a rede social X para criticar o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no STF. “O ministro Alexandre de Moraes conduz todo o inquérito, ajusta depoimentos, prende sem denúncia, faz pesca probatória e tem uma assessoria bastante criativa. Faz tudo o que não diz a lei”, afirmou.