‘O Ocidente normalizou o genocídio’, diz Ualid Rabah, presidente da Fepal
Com dezenas de milhares de mortos, edifícios e terras agrícolas arrasadas, a Palestina segue à espera de uma solução para o massacre
Enquanto, politicamente, as decisões para o cessar-fogo na Palestina não são tomadas, mais de 1,8 milhões de pessoas em Gaza enfrentam cotidianamente níveis críticos de fome, segundo o IPC (organização internacional que trata sobre segurança alimentar), o que representa 86% da população no território. Os dados relacionados ao número de mortos também impressionam, já são mais de 44 mil óbitos, além dos 10 mil desaparecidos, de acordo com o levantamento mais recente do Ministério da Saúde de Gaza.
A Organização das Nações Unidas reconhece que, das mortes verificadas pela organização, 70% são de mulheres e crianças. “O que está em curso é um processo de limpeza étnica permanente. No Norte, havia o ingresso de mais de 200 caminhões de ajuda humanitária por dia e agora não estão entrando nem 30. Esse processo é o projeto sionista. O Ocidente normalizou o genocídio”, afirma Ualid Rabah, presidente da Fepal, a Federação Árabe Palestina do Brasil.
Para Rabah, desde outubro do ano passado, o mundo acompanha cenas do primeiro genocídio televisionado; mas não televisionado a partir dos grandes monopólios midiáticos, mas sim por meio de imagens produzidas pelos próprios palestinos que abastecem, com denúncias, as redes sociais. Do ponto de vista editorial da cobertura geral do conflito, o presidente da Fepal lembra que houve uma ação semelhante ao que ocorreu na Guerra do Iraque, com uma propaganda de guerra pró-Estados Unidos, colocando em destaque a figura do “inimigo terrorista”.
“Israel e Estados Unidos já exterminaram, em um ano, quatro mil vezes mais crianças na Palestina do que o número de crianças mortas na guerra da Ucrânia. Há o extermínio em quantidades industriais de mulheres, além de causar abortos e deixar as grávidas sem hospitais, sem casas, sem comida, sem água, sem saneamento básico, sem hospitais, sem médicos e sem remédios. E agora com frio. Nós temos a programação de um extermínio à prazo, pelo colapso da capacidade reprodutiva de uma população inteira”, aponta o presidente da Federação Árabe Palestina.
ONU e o cessar-fogo
Na quarta-feira (20), os Estados Unidos vetaram uma resolução do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas que tratava sobre o cessar-fogo. A votação terminou com 14 apoios, incluindo de aliados dos EUA, como o Reino Unido e França, e um único veto, o do governo de Joe Biden.
Não é a primeira vez que o governo Biden é o único a rejeitar uma proposta de trégua para a ofensiva israelense contra a Palestina. Em 2023, os Estados Unidos foram contra uma proposta de cessar-fogo liderada pelo Brasil. A justificativa para a negação do pedido da semana passada foi o de que o texto não contemplava a libertação dos reféns israelenses em poder do Hamas.
Ainda na semana passada, o presidente da China, Xi Jinping, deu uma declaração sobre o assunto, em sua visita à Brasília, ao lado do presidente Lula. “Para resolver a crise atual é preciso focar na Palestina, que é a causa raiz. Apelamos para um cessar-fogo imediato e assistência humanitária garantida e a implementação da solução de dois Estados”, declarou o líder chinês, no Palácio da Alvorada. Assim como o governo chinês, o governo brasileiro segue com esforços para a resolução do conflito, com diversas declarações de Lula nesse sentido.
Netanyahu condenado em Haia
Com sede em Haia, nos Países Baixos, o Tribunal Penal Internacional emitiu um mandado de prisão contra o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e o ex-ministro da Defesa Yoav Gallant, indicando a responsabilidade deles por crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Um dos líderes do Hamas, Mohammed Deif, também foi alvo de um mandado de prisão, mesmo com a informação de que ele foi morto em um ataque aéreo em julho. Desde a criação da corte, este foi o primeiro caso concreto de uma ação legal contra um aliado do governo americano.
A expectativa, de acordo com analistas políticos, é de que o pedido de prisão de Netanyahu funcione como uma espécie de teste para a credibilidade do tribunal, já que há dúvidas sobre a possibilidade de prisão do chefe de Estado israelense se ele viajar a algum país membro da corte. Países como os Estados Unidos, Rússia e China, além de Israel, não reconhecem a jurisdição do TPI.
Reconstrução de Gaza
“Quem promoveu isso tem que pagar, o que não quer dizer que tem que reconstruir”, opina Ualid Rabah. De acordo com a ONU, o cálculo para a reconstrução da Faixa de Gaza chega a US$ 40 bilhões. A destruição atingiu desde áreas residenciais e centros comerciais até universidades e hospitais. Um relatório da City University of New York, de janeiro deste ano, aponta que mais de 175 mil edifícios foram danificados ou destruídos em toda Gaza, o que representa cerca de 60% das construções da região.
Em relação às áreas agrícolas, o cenário também é extremamente negativo. Antes do avanço israelense no território, 40% da Palestina era ocupada por fazendas, com a produção de vegetais, ovos, leite fresco, aves e peixes suficientes para atender a um terço da demanda local. Atualmente, 70% das terras agrícolas estão devastadas e 90% do gado foi morto, de acordo com informações de satélites da ONU publicadas na semana passada pelo jornal The Guardian.
“O valor para reconstruir Gaza é equivalente ao PIB de alguns países e a previsão é de que serão necessários entre 7 e 14 anos de trabalho de reconstrução. Remover os escombros, os corpos humanos que estão ali. Isso não pode ser feito pelos Estados Unidos, nem sob o controle de Israel, de jeito nenhum”, explica Rabah, que completa: “isso deve ser feito por países que não participaram do genocídio e que tem capacidade de mediar o processo, países como o Brasil, a África do Sul, China e eventualmente a Rússia, além de países da Europa Ocidental que não estiveram implicados, como Suécia e Noruega, por exemplo”, opina.
Perspectivas com Trump
Para o presidente da Fepal, dentro do processo de reconstrução é necessário garantir um Estado palestino soberano, com a restauração dos direitos civis nacionais do povo. “É preciso haver uma resolução completa do problema na Palestina, é preciso que a Palestina tenha o direito a ter um assento de Estado pleno na ONU. Não é possível que os Estados Unidos continuem bloqueando o reconhecimento da Palestina como estado de pleno”, defende.
Com a chegada de Donald Trump à Casa Branca, o mundo fica à espera para conhecer os próximos passos do conflito, já que Israel tem no país norte americano seu principal financiador, dentre outras coisas, de armamentos de guerra.
“O Trump já mostrou o que ele é para a questão Palestina no mandato anterior, ele expulsou a OLP [Organização para a Libertação da Palestina] de Washington, cortou a ajuda humanitária para a agência da ONU para os refugiados palestinos, transferiu a embaixada para Jerusalém, reconhecendo a anexação do território, além de reconhecer a soberania de Israel sobre todos os colonatos”, compara Rabah.
Para a liderança palestina no Brasil, a questão da falta de soberania é fundamental ao lembrar das ações de Trump. “Ele não admitiu a soberania palestina sobre as fronteiras de um futuro Estado palestino e, mais do que isso, impediu que os palestinos tenham uma vida nacional, com exército, acesso ao subsolo, o controle das alfândegas”, lembra. Mesmo com um cenário pouco promissor com Trump, Rabah pondera: “para que ele vai dar continuidade no fogo, se os Democratas já fizeram o serviço sujo?”. Historicamente, os principais momentos de destruição e ataque ao povo palestino foram liderados pelo partido Democrata.
Ao vencer a eleição, Donald Trump conversou por telefone com o presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, com o compromisso de que o presidente republicano irá trabalhar “para pôr fim à guerra”.
“É preciso resolver a questão dos refugiados, remover os assentamentos da Cisjordânia, remover Israel da parte oriental de Jerusalém. E é preciso que Israel pare de atacar os países vizinhos, se nada disso for feito, o que adianta? Reconstruir e destruir de novo? Com mais 50, 60 mil mortos daqui dois ou três anos?”, desabafa Ualid Rabah.