Conheça Maria Firmina dos Reis, a primeira escritora negra do Brasil
Maranhense publicou, em 1859, o romance Úrsula, que estreou a literatura abolicionista no país
A revista Focus destacou recentemente como a história tentou esconder a origem negra de Machado de Assis, considerado por muitos o maior escritor brasileiro de todos os tempos. Mas antes dele, uma maranhense, também negra, já havia estreado na literatura brasileira em romance, embora seja ainda pouco conhecida no próprio país. Trata-se de Maria Firmina dos Reis.
Nascida em 11 de março de 1822 e falecida em 1917, Maria Firmina só passou a ganhar projeção em 2022, quando a Feira Literária de Paraty (Flip) decidiu homenagear escritoras negras brasileiras.
Em artigo publicado um ano antes, no livro acadêmico Circulações Transculturais: Territórios, Representações, Imaginários, a escritora e crítica literária Marisa Lajolo, professora na Universidade Presbiteriana Mackenzie, destacou o pioneirismo de Firmina dos Reis. “Úrsula, primeiro romance de uma escritora afro-brasileira […] e talvez também o primeiro romance brasileiro de autoria feminina que ficou desconhecido por mais de 100 anos”.
De acordo com a intelectual, enquanto a escritora era viva, sua obra “não circulou para muito além das fronteiras de seu estado natal [Maranhão], muito embora pesquisas recentes tenham encontrado resenhas do livro em jornais maranhenses”.
Além da literatura, Firmina dos Reis dedicou-se ao magistério por 35 anos, até se aposentar. Nunca se casou, nem teve filhos. Quanto tinha 54 anos, fundou, em um barracão, uma escola de alfabetização gratuita a crianças pobres, principalmente negras, e com acesso garantido às meninas. Por sua trajetória, ela é considerada tanto abolicionista quanto feminista.
Pioneirismo
Firmina desbravou territórios inéditos na literatura brasileira, lançando-se em um gênero pioneiro que influenciaria os romances abolicionistas décadas depois.
No Maranhão, tornou-se a primeira mulher a conquistar aprovação em um concurso público para professora primária, algo notável em uma sociedade que desaprovava a independência financeira feminina.
Além disso, oito anos antes da Lei Áurea, ousou fundar a primeira escola mista para meninos e meninas, enfrentando forte resistência social. Aberta na cidade de Maçaricó, em Guimarães, a iniciativa durou menos de três anos, tamanha foi a comoção causada por sua inovação.
Clássico de luta
Firmina é autora de Úrsula, publicado em 1859, mas com circulação somente a partir do ano seguinte. Livro revolucionário para o seu tempo, figura como o primeiro romance abolicionista de autoria feminina da língua portuguesa; e, possivelmente, o primeiro romance publicado por uma mulher negra em toda a América Latina. A narrativa aborda o problema do tráfico negreiro e do regime como um todo a partir do ponto de vista do sujeito escravizado e transformado em “mercadoria humana”.
A autora traz para a nascente ficção brasileira a África como espaço de civilização e de liberdade. E denuncia os traficantes europeus como “bárbaros”, contrapondo-se desta forma ao pensamento hegeliano voltado para justificar a colonização escravista como empreendimento civilizatório.
Diferente daquilo que era escrito por mulheres da época, o romance de Firmina rompeu as barreiras da “perfumaria” e da “água com açúcar”, sem profundidade. Foi o primeiro livro brasileiro a se posicionar contra a escravidão e a partir do ponto de vista dos escravizados – bem antes de Navio negreiro, de Castro Alves (1880), e de A Escrava Isaura (1875), de Bernardo Guimarães.
Pouco se sabe sobre outros possíveis textos de Firmina, sobre os detalhes de sua vida ou sobre como uma mulher negra de origem pobre alcançou tanto sucesso em pleno regime escravocrata. A biografia de Firmina, escrita por José Nascimento Morais Filho em 1975, tem como título Maria Firmina: fragmentos de uma vida.