Em defesa do Nordeste, por Delso Oliveira Andrade 

Por um bairrismo, quase separatista, venho teimando já tem um tempo sobre os  resultados das eleições e o papel do nordeste nesse contexto. Dizem a grosso modo que  é o Nordeste a reserva de resistência de “esquerda”. Fato curioso, pois que tentam nos fazer crer sermos o povo mais demente deste País, aliás teimam bem mais, teimam em  desconhecer sermos nós, os nordestinos, o povo mais NAÇÃO que tem nesse País. Sim  temos identidade mesmo e parece que isso conta muito quando se trata de política.  Temos uma certa unidade quando nos é cobrado respostas e não dependemos de  políticas de compensação para agirmos. Temos uma história repleta de ações. Em outros momentos escrevi sobre isso de ser o Nordeste um ponto fora da curva  quanto a pauta é eleições, isso bem diferentemente do que se imagina e, pior ainda, se  fala sobre nós sermos “despolitizados”. Vejo as falas de figurões do PT sobre o resultado  do Partido nas eleições e não vejo nada a respeito da estratificação desse resultado.  Entendo esse comportamento, afinal, se for verificado a partir de uma estratificação  regional veremos que, historicamente, o Nordeste é reduto de resistência e vem a cada  eleição se consolidando como tal. Acho que esse momento e diante do resultado  eleitoral sem mesmo contar com o segundo turno, mais uma vez o Nordeste se colocou  como trincheira de resistência. Mas antes de entrar nos números da eleição de agora (2024) e fazer um quadro  comparativo por região, vou copiar e colar pedaços de textos que escrevi em outros  momentos sobre eleições e o Nordeste.  

Na “Carta a 2022” começo o texto assim: 

 “Sim, nós somos bárbaros, embora as vezes doce. Pois que assim fomos chamados  quando resistimos a ocupação colonizadora europeia. Erámos os primeiros Bárbaros,  Janduís, Paiacus, Icós, Caratiús, Tarairiú, Cariris etc. Nós estivemos, brava e  barbaramente em guerra contra a colonização desde o começo dela, já em 1651,  aprofundando em guerra ampla de 1683 a 1713, assim chamam esse evento de a  “Guerra dos Bárbaros”, fomos sim, bárbaros quando nos queriam doces. Mas esse ainda  não foi o início das nossas guerras, antes, tivemos a guerra dos Potiguaras (1574 a 1599),  juntamente com o Quilombo dos Palmares (1597 a 1695), todas essas ações ainda no  Brasil colônia se deram no Nordeste. Mas podia ainda citar desse tempo “Motim do Nosso Pai” (1666) que depôs um governo em Pernambuco deportando-o de volta a  Portugal, Revolução de Beckman (1684 a 1685) que também depôs governo no  Maranhão, Guerra dos Mascates, Pernambuco (1710 a 1711), Motins do Maneta,  Salvador (1711), Conjuração Baiana ou Revolução dos Alfaiates, Bahia (1798),  Conspiração do Suassunas, Pernambuco (1801), Revolução Pernambucana,  Pernambuco, (1817), Independência da Bahia, Bahia (1821 a 1823), todas estas de  caráter independentista. Mas em seguida tivemos a Confederação do Equador, revolta  separatista do Nordeste (1823 a 1824), Cabanada, insurreição popular, Pernambuco e  Alagoas, (1832 a 1835), Federação do Guanais, Bahia, Revolta separatista, (1832),  Revolta dos Malês, Bahia, (1835), Sabinada, Bahia, insurreição popular, (1837 a 1838),  Balaiada, Maranhão, insurreição popular, (1838 a 1841), Revolta do lisos, Alagoas (1844),  Motim do Fecha-Fecha, Pernambuco, (1844), Motim do Mata-Mata, Pernambuco (1847  a 1848), Insurreição Praieira, Pernambuco, (1848 a 1850), Revolta do Ronco da Abelha,  Nordeste, levante popular, (1851 a 1852), Revolta dos Marimbondos, Nordeste, levante  de pequenos agricultores, (1852), Motim da Carne sem osso, Bahia, (1858), Revolta do  Quebra Quilos, nordeste, insurreição popular, (1874 a 1875), Revolta do Rasga Lista,  nordeste, insurreição popular, (1875 a 1876), Revolta de Triunfo, Pernambuco, (1892 a  1893), Guerra de Canudos, Bahia, Insurreição popular, (1896 a 1897), Revolta de Fausto  Cardoso, Sergipe, (1906), Bombardeio de Salvador, Bahia, (1912), Sedição de Juazeiro, Ceará, (1914), Levante sertanejo, Bahia, (1919 a 1930), Revolução de 1924, Sergipe  (1924), Levante do Batalhão de Caçadores de Aracaju – revolta militar tenentista, Sergipe  (1926), Sublevação do 21º Batalhão de Caçadores – revolta militar, Pernambuco (1931),  Intentona Comunista – insurreição comunista, Rio de Janeiro, Pernambuco e Rio Grande  do Norte (1935), Incidente no posto indígena Catarina Paraguaçú – rescaldo da Intentona  Comunista, Bahia (1936), Caldeirão de Santa Cruz do Deserto – movimento  messiânico que surgiu nas terras no Crato, Ceará (1937), Mas além de levantes diretos  de caráter nem sempre popular, tivemos uma grande referência de movimento de luta  popular de resistência as Ligas Camponesas que teve dois períodos de existência, de  1945 a 1946 e depois de 1954 a 1964”. 

Num texto seguinte escrevi: 

“Quero começar por assumir a minha aversão a todo e qualquer tipo de fisiologismos  e idolatria, ao mesmo tempo em que assumo pleno respeito pela história de um povo,  sim um povo, o povo nordestino, que me desculpem os outros moradores do Brasil atual,  mas depois dos indígenas, somos a primeira e única nação com história e identidade,  somos sertanejos, somos herdeiros de Zumbi, de Antônio Conselheiro, de José Lourenço,  de Severino Tavares, de Zé Pereira, de Lampião, de Padre Cicero, o pau que roncou em princesa, roncou na Confederação do equador, roncou no quilombo de palmares, roncou  em Canudos, Roncou no Pau de Colher, roncou na Serra do Araripe, roncou no Caldeirão,  roncou na Balaiada, roncou na Revolução Pernambucana, roncou com os Malês, esse  ronco ecoa até hoje, sempre roncará, somos um povo com uma história de resistência,  estão vivos os roncos, estiveram vivos na luta das ligas camponesas, nas figuras de  Francisco Julião, de Pedro Teixeira, de Dom Helder, de Dom José Maria Pires, de Dom  Marcelo Cavalheira, de Manoel de Serra, de Manoel da Conceição e de tantos outros,  cada um no seu tempo, cada um no seu devido lugar. Do próprio Lula, sim do Lula, ele  também nordestino”. 

Pois bem vou agora começar a falar de dados e do resultado de agora, mas antes vou  resgatar resultados, vou relembrar alguns dados das eleições de 2022 que tratei com  mais detalhes em textos que escrevi em 2022. Vamos lá – Dos 9 senadores do PT, 5 são  do Nordeste, 2 do Norte, 1 do Sudeste e 1 do sul. Dos 68 deputados federais do PT, 21 são do Nordeste, quando tratamos enquanto Federação, aí dos 81 deputados Federais  30 são do Nordeste, ainda temos que todos os 4 governos Estaduais do PT são do  Nordeste. 

Pois bem, agora vamos para as eleições municipais. Das 252 cidades em que o PT  elegeu Prefeit@s agora no primeiro Turno, 169 (67%) delas estão no Nordeste com 1.763 (31,94%) dos municípios, 42 (16,6%) estão no Sudeste com 1.660 (30,07%) dos  municípios, 31 (12,3%) estão no Sul com 1.186 (21,49%) dos municípios, 7 (2,78%) estão  no Norte com 447 (8,10%) dos municípios e 3 (1,19%) estão no centro Oeste com 464  (8,41%) dos municípios. Como pode ser visto, o Nordeste com 1.763 municípios elegeu  169 prefeit@s do PT, enquanto o Sudeste (São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e  Espirito Santo) Junto com o Sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do sul) elegeram,  somados, 73 prefeit@s, bem menos da metade do Nordeste. Sei que algumas pessoas  dirão, mas nesse contexto deve ser considerado o coeficiente eleitoral, mas a mim  importa mais a sequência de crescimento e posso ainda responder que, nós aqui no  Nordeste, também passamos pelos rescaldos contra o PT nos últimos tempos, todas as  propagandas contrárias aqui também chegaram, portanto… 

Ora, considerando os números postos devo dizer que por conhecer mais de perto o  Nordeste ousaria colocar alguns elementos que parece nem serem lembrados e para  isso vou dar aqui mais uns números bem específicos. Dos 169 municípios em que o PT  elegeu Prefeit@s, 50 (12%) foram na Bahia num universo de 416, outros 50 (22, 42%)  foram no Piauí num universo de 223 e 46 (25%) foram no Ceará num universo de 184.  Vale lembrar que os três Estados são administrados pelo PT a mais de um mandato. Com  uma observação que faço questão de registrar referente ao Ceará. No Ceará o PSB elegeu  65 (35,32%) d@s Prefeit@s no mesmo universo de 184, no entanto o PSB do Ceará,  diferentemente do PSB em outros Estados, tem uma característica interessante, seu  senador é o Cid Gomes e o seu Presidente Estadual é o companheiro Eudoro Santana,  que vem a ser nada mais, nada menos que o pai do ex-governador por dois mandatos,  senador e agora Ministro da Educação, Camilo Santana. Aqui rendo minhas homenagens  ao companheiro Eudoro, que com discrição, vem construindo um processo já de muito  tempo, um estrategista de primeira que creio saber ver a eleição como parte do processo  e não o seu fim em si. Quem sabe ele se dispõe a dar umas aulas a algumas figuras que  vive arrotando arrogância e no seu Estado os resultados eleitorais são sempre um  desastre (e não é no Nordeste). Aliás, está passada a hora de se ter um olhar mais  apurado sobre os elementos geradores de resultados políticos eleitorais no Nordeste.  Serve para a esquerda toda. Não é ao acaso também que não são só os quatros  governadores do PT do Nordeste que estão na base aliada do Governo Lula, ou, melhor  ainda, no campo democrático e Popular. Dos nove Estados temos quatro do PT, dois do  PSB, um do MDB e um do PSD, todos da base aliada. E, com um pouco de juízo  tomaremos em breve Pernambuco. 

Não tenho dúvidas de que esse processo crescente tem um lastro em certas políticas  públicas, duas delas determinantes ao meu ver e que nos outros governos, inclusive o  Federal, foram, praticamente, abandonadas. Estou falando da política de territórios de  identidade como instrumento de planejamento ascendente e participativo e o Desenvolvimento Local como instrumento de descentralização dos investimentos  econômicos nos processos produtivos nos pequenos municípios. Nesse contexto do  Nordeste então se dá ainda o reconhecimento da agricultura de base familiar como  sujeito do desenvolvimento econômico e instrumento de inclusão da economia de base  familiar, popular e solidária, transformando com inventividade as ações de compensação em ações estruturantes, como é o caso das compras institucionais e os programas de  combate a pobreza tão bem trabalhados no Ceará, no Piauí e na Bahia.  Vale salientar ainda que aqui no Nordeste temos um Consórcio de Governos e um  Fórum Regional de agricultura Familiar criados a um bom tempo e que articulam e  planejam ações conjuntas para implementação de políticas públicas. Só para se ter uma  ideia, o atual Governador da Bahia, o companheiro Jerônimo, bem como o ex governador do Ceará e atual ministro da educação, Camilo Santana, foram ambos  secretários de desenvolvimento rural da base da agricultura familiar e vivenciaram de  perto a construção das políticas de territorialidade, de Desenvolvimento local etc. Nessa  pisada também caminha, hoje, a companheira Fatima que Governa o Estado do Rio  Grande do Norte. 

Não é ao acaso, os resultados têm se dado numa sequência histórica no Nordeste.  Eis então porque minha índole separatista, somos na verdade o berço de muitas lutas,  de muita resistência e, principalmente de muita ousadia e criatividade. Não somos fortes  por causa da seca, somos fortes pela nossa história de lutas. 


Delso Oliveira Andrade – Nordestinado e consultor em gestão econômica associativa e solidária.