Cenários e impactos da eleição presidencial americana para o Brasil
As eleições de 2024 mostram um Trump com desejo renovado de voltar e terminar o que começou no primeiro mandato
Paulo Abrão
O resultado da eleição presidencial americana de 2024 terá reflexos imediatos e profundos no Brasil. De maneira muito simples e direta: uma eventual vitória de Donald Trump daria impulso renovado à extrema direita que, no Brasil, está aglutinada em torno do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Se voltar à Casa Branca, Trump deve reeditar sua aliança com esse setor radical brasileiro que foi posto contra as cordas, a duras penas, nos últimos anos. A aliança formada entre uma extrema direita 2.0 teria consequências nefastas não apenas para EUA e Brasil, mas para o mundo todo desta vez.
O que vimos nos últimos anos foi tão somente uma espécie de ensaio geral da extrema direita. O ápice desse ensaio geral foi a invasão do Capitólio, em Washington, em 6 de janeiro de 2021.
No Brasil, Bolsonaro e seus seguidores protagonizaram evento semelhante, quando invadiram e destruíram as sedes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, na capital, Brasília, em 8 de janeiro de 2023.
Nos dois casos, os golpes de Estado frustrados foram incitados por ex-presidentes – Trump nos EUA e Bolsonaro no Brasil – que tentavam à época subverter o processo eleitoral de seus respectivos países para atacar a democracia e permanecer de forma ilegítima no poder, logo após terem sido derrotados nas urnas. Ambos movimentos foram rechaçados, mas não foram definitivamente extintos.
As eleições de 2024 nos EUA mostram um Trump com desejo renovado de voltar à carga e terminar a depredação da democracia iniciada no primeiro mandato dele. No Brasil, Bolsonaro foi condenado na Justiça e declarado inelegível até 2030. Mas esta tampouco é uma sentença definitiva, posto que, no Congresso, parlamentares simpáticos ao ex-presidente já tramitam uma espécie de anistia que torne possível um regresso de Bolsonaro ao poder.
Nos dois países, a extrema direita joga, portanto, de forma coordenada; e além da articulação entre seus dois maiores líderes, há ainda uma estratégia mais ampla de mobilização da sociedade civil, usando para isso o peso desproporcional de redes sociais como o X, antigo Twitter, cujo dono, Elon Musk, assumiu recentemente de forma explícita seu protagonismo político alinhado com a extrema direita, e colocou-se contra qualquer tentativa de moderação e de contenção de sua plataforma, por meio da qual subverte os fatos, propaga mentiras e move campanhas de desestabilização da democracia, em nome da defesa de uma liberdade de expressão irrestrita.
Uma vitória de Kamala Harris representaria, por outro lado, um reforço para o movimento de contenção desses atos antidemocráticos. Biden foi peça fundamental no movimento internacional de respaldo à democracia brasileira e Harris, na qualidade de vice-presidente, fez parte desse movimento.
Além do mais, o fato de ela eventualmente tornar-se a primeira mulher a presidir os EUA, enseja boas expectativas em relação às políticas de gênero, que podem inspirar políticas semelhantes no Brasil. Da mesma maneira, a questão racial está presente na candidatura democrata – outro aspecto fundamental na pauta dos dois países.
Se bem é verdade que Harris deu pouco a conhecer até agora sobre suas ideias para a política externa – e, mais especificamente sobre a política externa americana para a América do Sul – é inegável que ela encarna valores herdados da administração atual, cuja ação na região foi pautada pelo respeito e pela cooperação, especialmente em temas de meio ambiente, com as promessas para o Fundo Amazônia; direitos trabalhistas, que estiveram na pauta do último encontro entre Biden e Lula nos EUA; e defesa da democracia.
Uma abordagem menos intrusiva, que busque o diálogo e a formação de grupos de países capazes de abordar as problemáticas da região de maneira coletiva – como, por exemplo, no caso da Venezuela – soarão sempre, para o Brasil, mais convenientes que as soluções de força que fazem a cabeça de Trump.
Não há dúvida, portanto, sobre o cenário que mais interessa aos democratas brasileiros nesta eleição, sobretudo após a experiência traumática que os dois países viveram em suas respectivas eleições passadas.
Paulo Abrão é ex-secretário nacional de Justiça (2011-2014). Ex-presidente da Comissão de Anistia (2007-2016). Ex-secretário executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (2016-2020). Diretor executivo do Washington Brazil Office